Há quem fume para se afirmar, buscando atenção, identidade, influência social, integração.... Diz quem sabe que são sobretudo os adolescentes quem mais deita mão dessa arma. Mas pode tornar-se mortífera, sobretudo se quem a usa se deixa deslizar para o vício, ignorando os seus malefícios para a saúde do corpo e da carteira, bem como, em muitos casos, para o desequilíbrio dos parcos orçamentos familiares. No entanto, a meu ver, vão surgindo outras formas de afirmação mais difíceis de interpretar. São pouco estudadas nas suas causas, acho eu, muito menos nos seus efeitos, mesmo que possíveis pela ciência e permitidas pelas leis. As leis dizem-nos se um ato é legal ou ilegal. O que é legal, porém, nem sempre é lícito ou moral, até pode ser eticamente reprovável. Por outro lado, a experiência da vida, o peso da idade, os cabelos brancos e a ferrugem das dobradiças a afastar cada vez mais os pés para os enfiar nas meias e calçar os sapatos, fazem olhar para certas novidades com pouco entusiasmo. Muito mais quando se foi educado e passou a vida a viver e a ensinar a viver noutros padrões, com respeito absoluto pela dignidade humana, sobretudo dos mais frágeis. Seja como for, há que dar atenção a tais ‘modernices’, com paciência, com ternura e esperança, com dignidade, mesmo que com alguma dor. Não se pode perder o tino nem as estribeiras, mesmo que alguns espinoteiem com gana de partir a loiça!
Ora, antes que anoiteça, acompanhe-me, por favor, por esta cangosta adiante. Duas mulheres juntaram-se civilmente. Uma delas recorreu ao Banco de Esperma para ter uma criança. O óvulo que ela forneceu foi fecundado em laboratório com o sémen de um doador, não sei se identificado se incógnito. Depois, o embrião foi transferido para o útero da sua companheira, sendo esta a que engravidou e deu à luz. Se a primeira é a mãe genética, esta, a segunda, ao receber os óvulos da outra, torna-se em mãe substituta ou de aluguer. Em Portugal, é permitido que a criança fique com duas mães biológicas quando ambas participam da geração da criança. A criança foi pois registada no civil com duas mães, passando a ser considerada filha biológica de ambas, embora só tenha o adn da mãe que forneceu os óvulos e do doador do sémen. É vontade das duas mulheres que a criança faça caminho integrada na Igreja, querendo agora batizá-la. Noutra diocese, lá na paróquia onde possivelmente residem, a criança não foi batizada. Como tem ascendentes algures por outras bandas, querem agora batizá-la lá, uma forma de agir bastante comum, muitas vezes na tentativa de furar esquemas. Não pondo em questão a criança, pois não tem culpa de tal situação, o responsável pastoral, sabendo que a criança não fora batizada na sua terra, perguntou como agir, inclusive como fazer o respetivo registo paroquial no caso de haver Batismo. São, pois, duas questões: se a criança deve ser batizada apesar de não o ter sido lá onde vive, e se, no Assento do Batismo, devem constar as duas mães.
Ora, quanto ao Batismo da criança, a Igreja sempre deixou a questão em aberto, deixando-a à responsabilidade dos agentes da pastoral. Apenas lhes diz o que sempre lhes disse, inclusive quando se tratava ou trata de filhos de pessoas não casadas: “para que a criança seja batizada, deve haver uma esperança fundada de que será educada na religião católica”. Talvez fosse a falta desta ‘esperança fundada’ que levou os agentes da pastoral da terra onde vivem a adiar o Batismo da criança. Se quem prepara e batiza precisa desta ‘esperança fundada’, não lhe bastará que alguém o diga, é preciso que o testemunhe. Coisa, aliás, nem sempre fácil de avaliar e discernir. Infelizmente, muitos pais e padrinhos mentem à Igreja. Querem ser exceção, ao ponto de até já ter acontecido de alguém apresentar, para padrinhos, pessoas que nem batizadas são. E não só ficam de consciência tranquila, como, por vezes, manifestam orgulho por terem ludibriado os agentes da pastoral e as normas que deveriam cumprir. Não é, porém, aos agentes de pastoral que eles mentem. Eles mentem à Igreja, o que é bem mais sério.
Sobre como fazer o Assento do Batismo, nunca houve uma resposta clara. Anda muito pó no ar à espera de assentar para se vassourar o que deve ser varrido. Num ou noutro país, porém, e segundo a opinião de alguns peritos nessas áreas, como estes casos vão sendo mais frequentes e são precisas orientações, a Igreja, em fidelidade à sua doutrina, tem assumido que, no Assento do Batismo, nunca se deve escrever o nome de dois pais ou de duas mães do mesmo sexo. É certo que não são estas questões as que verdadeiramente interessam à pastoral, é verdade, mas são reais e criam tensão. Sabendo eu que uma resposta precipitada ou mal dada, logo se espalharia e poderia fazer doutrina, entendi que deveria partilhar com alguém a questão e perguntar-lhe o que é que ele entenderia, pois até poderia ter havido algum pronunciamento superior e eu dele não me ter apercebido. Soube depois que essa pessoa a quem perguntei, mui capaz e com elevadas responsabilidades e competência, mas também com as suas dúvidas, fez chegar a questão ao nível mais alto, aguardando-se ainda a resposta. Tudo isto leva a crer que a questão não é assim tão fácil e linear. Costuma dizer-se que a prudência e os caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém. E como o leitor sabe, na Igreja, nestes casos e noutros semelhantes, se há princípios também há sensibilidades e sensibilidades. Enquanto uns, querendo ser mais papistas que o Papa, passam orgulhosamente para além da taprobana, insinuando que foi o Papa quem disse aquilo que eles gostariam que o Papa tivesse dito, mas, de facto, não o disse, outros há que, pelo facto de o Papa ter dito o que disse e disso não gostarem, preferem rasgar as vestes, vestir-se de saco e sentar-se na cinza, rezingando, não pelo calor das brasas que lhe aquecem as calças, mas pela frieza de coração e grave hiponatremia! Como veem, há perguntas cuja resposta é difícil, e, seja ela qual for, nunca agradará a todos. Só o Vasquinho da Anatomia é que, finalmente, com garbo e grande aplauso, conseguiu agradar às babosas tias sempre ludibriadas, aos colegas e fadistas da vida airada, ao embasbacado júri do exame de medicina e ao auditório presente na sala onde ele cacarejou sabedoria médica aos molhos, terminando a responder que o principal músculo flexor do pescoço era “o esternocleidomastóideo…”.
Embora todos desejemos que estas crianças cheguem ao nível mais alto no campo da cultura e do bem estar pessoal e social, há muitas perguntas que, embora se possam colocar perante qualquer criança que nasça, aqui, nestes casos, são muito mais pertinentes e abundantes. Os direitos inalienáveis das crianças não podem ser esquecidos por quem, porventura, delas se queira servir para se afirmar, pessoal, ideológica ou politicamente. E embora sejam contas doutro rosário, acho até que nem a legislação laboral portuguesa contempla os direitos e deveres relacionados com esta complexa parentalidade a três. Neste tempo de tantas perceções fulgurosas, esta é a minha perceção, aliás, aliada também ao direito da minha liberdade de expressão! ihihihih...
D. Antonino Dias - Bispo Diocesano
Portalegre-Castelo Branco, 08-08-2025.