A liturgia deste domingo convida-nos a refletir sobre a Palavra de Deus: ela é o centro à volta do qual se articula e se constrói a comunidade de Deus. Essa Palavra não é uma doutrina abstrata, para deleite dos eruditos; mas é, primordialmente, um anúncio libertador que Deus dirige a todos os homens e que incarna em Jesus e nos cristãos.
A primeira leitura descreve-nos uma magnífica “liturgia da Palavra”, celebrada em Jerusalém quase cem anos após o regresso dos primeiros exilados na Babilónia. A “assembleia de Deus”, reunida à volta da Palavra, escuta as indicações de Deus, deixa-se questionar por elas, sente o apelo à conversão que a Palavra lhe traz… Depois, faz festa: o encontro com a Palavra de Deus é fonte de alegria e de esperança para toda a comunidade.Nas nossas comunidades cristãs há pessoas que estão especialmente ao serviço da Palavra de Deus: leitores, salmistas, pregadores, catequistas, diáconos, presbíteros… Enquanto “servidores da Palavra”, eles têm uma responsabilidade especial. Por eles passa a obrigação de proclamar a Palavra de Deus de uma forma que todos a ouçam e que todos a compreendam. Se isso não acontecer, estarão a defraudar a Palavra de Deus e a comunidade que se dispõe a escutá-la. Aqueles a quem é confiada a missão de proclamar a Palavra, preparam convenientemente o ambiente e os meios que ajudam à escuta? Proclamam a Palavra clara e distintamente, sem gestos teatrais desnecessários? Refletem a Palavra e explicam-na de forma acessível, de forma que ela toque a assembleia que escuta? Têm a preocupação de adaptá-la à vida?
No Evangelho Jesus, no cenário da sinagoga de Nazaré, proclama a Palavra de Deus e atualiza-a. Ele, a Palavra feita “carne”, apresenta o “programa” que se propõe concretizar no mundo: libertar os seres humanos de tudo aquilo que os priva de vida e lhes rouba a dignidade. Com Jesus começa um tempo novo, um “jubileu” de alegria, de graça, de paz e de felicidade sem fim.O “programa” de Jesus continua a ser o mesmo, dois mil anos depois. A questão é que, agora, é a Igreja de Jesus que tem a responsabilidade de implementar este “programa”. Isto de oferecer aos pobres uma nova esperança, de libertar os homens e mulheres que são prisioneiros da injustiça e da opressão, de proporcionar a todos uma vida mais digna e mais ditosa, de defender os excluídos pela sociedade de bem-estar, de acolher e integrar os “diferentes” e marginalizados, não é uma coisa de ideologias oriundas de uma certa área política, mas é uma coisa “de Jesus”. Ou a comunidade cristã tem a libertação dos “pobres” no seu “programa”, ou deixa de ser a Igreja de Jesus. A Igreja tem-se preocupado em anunciar o “evangelho da libertação”? Tem-se preocupado suficientemente com a sorte dos pobres, dos pequenos, dos excluídos, dos sem voz, dos abandonados, dos marginalizados, dos imigrantes que todos os dias batem à porta do nosso mundo egoísta e saciado? O que mais poderá a Igreja fazer para ser sinal, junto dos desfavorecidos e sofredores, da misericórdia e do amor de Deus?
A segunda leitura apresenta a comunidade gerada e alimentada pela Palavra libertadora de Deus: é um “corpo” (o “corpo de Cristo”), formado por muitos membros, onde cada membro trabalha em prol do projeto comum e põe ao serviço de todos os dons que Deus lhe confiou.A comunidade cristã é o “corpo de Cristo”. O “corpo” é a realidade que nos identifica, que nos torna visíveis aos olhos dos nossos irmãos, que nos permite entrar em relação com aqueles que nos rodeiam. A Igreja, como “corpo de Cristo”, torna presente e visível no mundo o próprio Cristo; é através da Igreja que os nossos irmãos se relacionam com Cristo. Quem olha para a Igreja deve “ver” o rosto de Cristo que sorri com amor, o coração de Cristo que acolhe e perdoa, as mãos de Cristo que abençoam e abraçam… É isso que acontece? A Igreja – essa Igreja da qual nós somos membros – é presença de Cristo junto dos homens e mulheres do nosso tempo? A Igreja é a imagem visível de Cristo, do seu projeto de vida, da proposta de salvação que Ele veio oferecer a todos? A Igreja mostra, ao vivo e a cores, a misericórdia, o carinho, a ternura, a compreensão que Cristo tinha por todos os homens e mulheres, e particularmente pelos pobres, pelos mais frágeis, por aqueles que a sociedade condena e abandona na berma da estrada da vida?
Se um membro de um “corpo” não desempenhar o papel que lhe compete, todo o “corpo” fica prejudicado. Na construção da comunidade cristã, procuramos cumprir a nossa missão, com sentido de responsabilidade, ou remetemo-nos a uma situação de passividade e de comodismo, esperando que sejam os outros a fazer tudo? Somos membros ativos da comunidade, que trabalham e servem a comunidade, ou somos simples “consumidores” que se limitam a “frequentar a Igreja” e a beneficiar do trabalho dos outros?
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