sábado, 4 de abril de 2015

Por que choras?



Por que choras? (Meditação provocada pela pergunta de Jesus a Maria Madalena, como se me fosse dirigida)

Escrito por Pastoral Juvenil. Publicado em Grão de Mostarda

1. Antes de mais nada, obrigado, Senhor, pelo Teu interesse.

É uma enorme consolação termos alguém que se aproxime, se aperceba, recolha ou acompanhe as nossas lágrimas; alguém que tome a iniciativa de querer saber; alguém para quem as dores alheias sejam assunto sério; alguém que nos leve a sério...

E, evidentemente, no seu exemplo nos recorde que também temos a obrigação e a ocasião de nos fazermos próximos de quantos choram.

Precisamos de cimentar esta convicção, contra o clima de indiferença que nos rodeia. Apesar dos anos passados, ainda não limpei da memória a foto de turistas tranquilos numa praia de Itália, bronzeando-se e comendo ao lado do cadáver de duas ciganas, de 11 e 15 anos, afogadas no local...

2. A Tua pergunta obriga-me, entretanto, a descer à razão das lágrimas – não se dê o caso de chorar sem razão; apenas por birra...

Mas, de facto, acontece que ao ouvir-Te perguntar-me – «por que choras?» – a resposta mais espontânea é: «porque sim!...». Só depois, apertado pela exigência de uma clara justificação, sou capaz de desfiar motivos, até ao desabafo final: «Então não vez o que me está a acontecer?

3. Olho-Te e não me pareces convencido. A verdade é que, realmente, grande parte das vezes não sei bem o que está a acontecer; sei apenas o que me está a acontecer...Por isso, talvez não chore por nada e chore apenas por mim!..Tal qual Maria Madalena, na manhã da sua enorme solidão: «Levaram o meu Senhor...»

4. É provável que Madalena soltasse um suspiro profundo e resignado, se ali tivesse, na entrada do sepulcro, um corpo para embalsamar. Mas ficar a olhar o vazio era mais que insuportável. Mesmo sendo verdade que ela via apenas o vazio, porque não lhe passava pela cabeça que a Vida andasse, afinal, a passear – como havia prometido -- no jardim do túmulo!..

E é assim, Senhor, que dou comigo, agora, a reconhecer que, a maior parte das vezes, choro porque, no devido tempo, não entendo tudo o que dizes!..

E as outras lágrimas?

Permite-me, entretanto, Senhor, perceber o que pensas Tu das lágrimas...

Das lágrimas de desconforto:

São de desconforto as nossas primeiras lágrimas... Dizem os estudiosos que até às 6 semanas de idade, em média, os bebés choram cerca de três horas e meia por dia. Algum desse choro é atribuído às necessidades básicas, como a fome. No entanto, no resto do tempo – na maioria dos casos, a maior parte do tempo – o choro aparece sem qualquer razão aparente

Há especialistas a acreditar que o que era chamado de “cólica” deve ser interpretado como desconforto e falta de estimulação. O que isto significa é que um bebé recém-nascido, ao longo dos primeiros meses após o nascimento, sente a falta do acolhimento e da estimulação que experimentou durante cerca de 9 meses no ventre da mãe.

Por isso, a melhor maneira para confortar o bebé é recriar essa experiência anterior e constatar como ele se cala quando aconchegado...

Às nossas lágrimas de infantil desconforto, respondes com a afirmação do Teu amor de mãe: um amor incapaz de abandonar o filho que amamenta. E mesmo que ela o fizesse, Tu não o farias, oh Deus incapaz do abandono!..

Das lágrimas de raiva

Não me lembro de alguma vez haver chorado de raiva. Mas há lágrimas de raiva nas imagens da TV, nas histórias das ambições frustradas de quem quer, a toda a força, uma qualquer vinha de Nabot.

As lágrimas de raiva são lágrimas sujas...

Nestes casos, já sei que não estás ao lado da raiva, mas do oprimido, cujo sangue clama por Ti. E é por ele que perguntas quando me interpelas: «Onde está o teu irmão?».

Muitas vezes não sabemos onde está e, contudo, nada o pode substituir. A culpa não é amenizada, sequer, pela pressa do levita que passa de largo, pensando chegar a horas ao Templo... Realmente, não há oferta que reconheças se eu não me reconheço irmão.

Das lágrimas sentimentais

Às vezes temos coração de cebola e, por isso, uma cena mais terna – no cinema ou na TV, ou mesmo na vida real – causa-nos algumas lágrimas furtivas. É, porém, um lamento breve, que não compromete, não leva a pensar nas causas.

Comovemo-nos mas não nos movemos… Dizemos: «Olha para ali»; mas não vamos lá, ao coração do drama. Ou seja: lamentamos, mas não intervimos. Sentimos, mas pouco ou nada fazemos para alterar circunstâncias a que em breve nos habituaremos: «Primeiro estranha-se; depois, entranha-se...» -- disse alguém, a propósito das nossas resistências iniciais.

Quais mulheres de Jerusalém, chorosas nas margens do cortejo, não percebemos quando estamos perante um episódio ou uma mentalidade; desvalorizamos os sintomas. As nossas lágrimas sentimentais não previnem, por isso, o futuro...

Das lágrimas amigas

Sei, meu Deus, que amas as lágrimas amigas: essas que podemos derramar por; mas, sobretudo, as que derramamos com...Por elas fazemos nossas (em verdadeira compaixão) as dores dos outros.

São lágrimas activas, choradas de pé. Por exemplo, como as Tuas, ao lado das irmãs de Lázaro ou sobre Jerusalém. Ou como as de Tua de Tua Mãe, no alto do Calvário.

Neste rol das lágrimas amigas, inserem-se os choros de alegria, que enchem de reencontros o coração de quem nunca desistiu de esperar.

As lágrimas de arrependimento

São as que choram todos os acolhidos no colo da Tua misericórdia. E choram por se sentirem felizes, bem-aventurados, recebidos sem reprimendas. Recebidos como se viessem à procura do Pai e não do pão...

Recebidos como se nunca tivessem partido e, por isso, julgados capazes de apascentar o rebanho de que se tresmalharam

São estas lágrimas que Tu limpas na toalha da mesa posta para a festa feita dos melhores vitelos e dos anéis da liberdade que possibilitam novas dívidas...

As lágrimas da alegria

Estas atravessam-se nos olhos todas as vezes que somos capazes de perceber a indizível graça de ser gratuita e totalmente amados. São lágrimas de espanto, de êxtase. São, paradoxalmente, as lágrimas da alegria completa!..

Porque choro?

Gostaria um dia, meu Senhor, de responder com verdade à Tua pergunta -- «Porque choras?»:
- Choro de alegria. Porque Tu és a minha alegria!..

P. João Aguiar Campos
(presidente do Conselho de Gerência do grupo r/com e
diretor do Secretariado Nacional das Comunicações Sociais da Igreja)

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