sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

DOIS BEBÉS EM CAVAQUEIRA PRÉ-NATALÍCIA


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Não consegui conferir o texto, mas é atribuído a Útmutató a Lélekn, escritor húngaro. Dois bebés, ainda no ventre de sua mãe, mas em vésperas do seu natal, empertigam-se e sentam-se à mesa a discutir sobre os grandes enigmas da sua condição existencial. Cada um puxa pelos seus trunfos e argumentos, e ambos se espraiam em elevada disputa sobre a existência de outra vida para além daquela no ventre da mãe, sobre a existência da própria mãe e outras questões mais. O debate, sem moderador, sem gritaria, sem murros na mesa, sem futebóis à mistura, sem publicidade pelo meio, foi assim, com todo o fair play:

“Um perguntou ao outro: “Acreditas na vida após o parto?”
O outro respondeu: “É claro. Tem que haver algo após o parto. Talvez nós estejamos aqui para nos preparar para o que virá mais tarde.”
“Disparate”, disse o primeiro. “Que tipo de vida seria essa?”
O segundo disse: “Eu não sei, mas haverá mais luz do que aqui. Talvez nós possamos andar com as nossas próprias pernas e comer com as nossas bocas. Talvez tenhamos outros sentidos que não possamos entender agora.”
O primeiro retrucou: “Isso é um absurdo. O cordão umbilical fornece-nos nutrição e tudo o mais de que precisamos. O cordão umbilical é muito curto. A vida após o parto está fora de cogitação.”
O segundo insistiu: “Bem, eu acho que há alguma coisa e talvez seja diferente do que é aqui. Talvez a gente não vá precisar deste tubo físico.”
O outro contestou: “Além disso, se há realmente vida após o parto, então, por que ninguém jamais voltou de lá?”
“Bem, eu não sei”, disse o segundo, “mas certamente vamos encontrar a Mamã e ela vai cuidar de nós.”
O primeiro respondeu: “Mamã, acreditas mesmo na Mamã? Isto é ridículo. Se a Mamã existe, então, onde está ela agora?”.
“Ela está ao nosso redor. Estamos cercados por ela. Nós somos dela. É nela que vivemos. Sem ela este mundo não poderia existir.”
Disse o primeiro:” Bem, eu não posso vê-la, então, é lógico que ela não existe.”
Ao que o segundo respondeu: “Às vezes, quando estás em silêncio, se te concentrares e realmente ouvires, vais perceber a presença dela e ouvir a sua voz amorosa”.

Porque sempre há gente criativa, alguém abordava o sofrimento e as expectativas humanas aquando da morte de um parente ou amigo próximo, também a partir do nascimento de gémeos. A ideia era mais ou menos esta: estando dois gémeos para nascer, já “velhinhos” no ventre da sua mãe, velhinhos porque chegou o limite do seu tempo nesse mundo, eis que um deles abala dali. O que fica para trás, sente a tristeza de ver partir o irmão, a tristeza da separação. Não sabe qual o futuro dele, para onde terá ido, o que é que lhe terá acontecido. Aquele espaço de tempo em que ele fica para trás, tempo talvez longo para ele, mas sempre curto como curta é toda a vida humana, esse espaço de tempo é, para ele, um tempo de tristeza, de interrogações e de expectativa. Saberá que também está no fim de linha, que lhe irá acontecer o mesmo, partirá. Não sabe quando, nem porquê, nem para onde, nem como será essa experiência se é que de experiência se trata. No entanto, eis que parte e ambos se encontram, de novo, felizes e muito apaparicados, nestoutro lado da vida, e sem qualquer memória daquele mundo e daquelas circunstâncias em que antes viviam.
O homem sempre se interrogou e interroga. Mas quando lhe faltam o fundamento divino e a esperança na vida eterna, a dignidade humana é gravemente lesada e os grandes enigmas da condição humana ficam sem resposta (cf. GS21). Há quem negue a existência de Deus, porque nunca O viu. Há quem conteste a existência de outra vida para além desta, porque nunca alguém voltou de lá para o confirmar. Há quem não acredite que a Providência de Deus a todos protege como a mãe protege a criança no seu seio. Há quem não seja tardo em afirmar que com a morte tudo acaba. E mais se diz… diz-se o que se pensa, talvez não se pense o que se diz!...
Ora, o Natal é precisamente a celebração de Deus e da Vida. Celebramos a existência de Deus que nos criou, ama e protege. Celebramos o Deus que enviou o Seu Filho para nos dizer isso mesmo, que nos ama infinitamente, que não nos abandona, mesmo que nós O abandonemos. Celebramos a vida para além desta vida, uma vida diferente, uma vida cheia de luz, uma vida que ninguém é capaz de imaginar como será, mas que Deus preparou para aqueles que O amam. Uma vida para onde partiremos, cada um na sua vez, sozinho, e donde ninguém volta, é certo. Mas onde nos abraçaremos todos de novo na alegria do encontro definitivo, eternamente “apaparicados” por Deus que nos criou por amor e n’Ele nos realizaremos plenamente, amando.
É verdade que Jesus já veio, sim, é verdade. Nasceu para nós, morreu por nós, ressuscitou para nossa justificação, está vivo e presente nos sinais sacramentais. Mas voltará no final dos tempos. O Advento e o Natal são tempo litúrgico de preparação para acolhermos o Filho de Deus que, como Amigo atencioso e prestável, se fez e faz encontrado. Mas são também estímulo à preparação para a Sua segunda vinda em que transformará o nosso corpo mortal à semelhança do Seu Corpo glorioso. Como Ele ressuscitou, haveremos de ressuscitar. Quer vivamos quer morramos, pertencemos ao Senhor. Ele não é um Deus de mortos, mas de vivos, é a própria Vida!

Antonino Dias
Portalegre-Castelo Branco, 21-12-2018.

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