domingo, 5 de outubro de 2025

“Aumenta a nossa fé!”

 


O barco da nossa vida enfrenta a cada instante ondas alterosas e ventos contrários? Vacilamos, duvidamos e não sabemos se chegaremos a porto seguro? As leituras que a liturgia deste domingo nos propõe dizem-nos: “tende fé, confiai em Deus, deixai-vos conduzir por Ele. Acolhei as propostas que Ele vos traz. Se vos entregardes confiadamente nas mãos de Deus, vereis acontecer coisas extraordinárias e encontrareis vida em plenitude”.

Na primeira leitura, o profeta Habacuc interpela Deus, convoca-o para intervir no mundo e para pôr fim à violência, à injustiça, aos desígnios imperialistas dos donos do mundo… Deus não deixa cair em saco roto o desafio que Habacuc lhe lança. Em resposta ao profeta, Deus garante que não ignora o sofrimento dos seus filhos e que nunca os deixará abandonados a um destino de morte. No tempo certo, Deus vai atuar. Ao homem, resta confiar e esperar pacientemente o momento da intervenção salvadora de Deus.O problema do mal do mundo sempre foi um grande obstáculo para aqueles que se propõem percorrer o caminho da fé… Se Deus existe, como pode Ele pactuar com a injustiça e com a opressão? Se Deus é o Senhor do mundo e da história, como pode Ele permitir que os violentos e agressores tomem conta dos destinos do mundo e deixem por onde passam um rasto de sofrimento e de morte? Se Deus é justo, porque é que os bons sofrem e os maus são compensados com glória, honras e triunfos? Se Deus ama os seus filhos com amor de pai e de mãe, porque é que deixa que tantos inocentes vivam mergulhados numa dor sem sentido e sem esperança? O profeta Habacuc tinha presente todas estas interrogações e, como nós, buscava respostas coerentes. A verdade é que, muitos séculos depois de Habacuc, continuamos sem encontrar respostas totalmente satisfatórias para estas questões. Como podemos lidar com este “muro”, tão difícil de ultrapassar? Desistindo de Deus? Ou reconhecendo humildemente que os projetos de Deus ultrapassam infinitamente a nossa compreensão limitada das coisas e que nós nunca conseguiremos explicar totalmente o projeto que Deus tem para o mundo e para os homens? O problema do mal também é, para nós, um obstáculo difícil de transpor no nosso caminho para Deus?

No Evangelho Jesus, enquanto avança no caminho para Jerusalém, desafia os discípulos a segui-l’O sem hesitações, confiando inteiramente n’Ele e na sua proposta. Trata-se de uma aposta arriscada; mas, se os discípulos forem capazes de abraçá-la, farão coisas grandiosas, que mudarão o rosto do mundo e o sentido da história dos homens. Há, no entanto, uma coisa, que os discípulos não podem olvidar: depois de cumprirem a sua missão, devem manter a humildade e sentirem-se “servos inúteis”, que apenas fizeram “o que deviam fazer”.Jesus garante aos discípulos que, se tiverem um pouquinho de fé, poderão fazer coisas extraordinárias, poderão mudar a face do mundo. A fé não é algo que se deve guardar cuidadosamente, à sombra das nossas igrejas e sacristias, para que não se adultere em contacto com a “sujeira” do mundo… Segundo Jesus, a fé deve traduzir-se em gestos concretos, em atitudes que pintam o mundo com as cores de Deus. Iluminados e fortalecidos pela fé, os discípulos de Jesus derrubam as barreiras que separam os homens, lutam contra a injustiça e a opressão, denunciam as mentiras e os ódios, combatem a corrupção e os preconceitos, põem-se ao lado dos mais fracos e desprotegidos, constroem pontes de entendimento e de diálogo, introduzem humanidade, misericórdia e bondade no horizonte onde todos os dias os homens e as mulheres constroem as suas existências. Uma fé que não nos compromete com a construção do Reino de Deus, é uma fé que não faz sentido. A nossa fé nota-se no que fazemos, nos valores que defendemos, nas causas por que lutamos? Há algo de novo à nossa volta pelo facto de termos aderido a Jesus e de nos termos comprometido com Ele a construir o Reino de Deus? Quais são os “milagres” que a nossa fé está a fazer e que tornam mais belo, mais justo e mais humano o nosso mundo?

Na segunda leitura, um catequista cristão que se apresenta na pele do apóstolo Paulo, convida os cristãos a reavivarem em cada passo o seu compromisso com Jesus e com o Reino de Deus. O cansaço, a monotonia, a desmotivação, o facilitismo, esperam-nos em cada curva do caminho; mas temos de encontrar maneira de renovar a chama da fé, caminhando sem perder de vista a meta que Jesus nos aponta.
Talvez não tenhamos memória do momento em que fomos batizados e começamos a viver a aventura da fé. No entanto, é provável que conservemos a memória de outros momentos da nossa caminhada de fé – talvez o dia da nossa primeira comunhão, o dia do nosso Crisma ou, para alguns de nós, o dia da nossa primeira Profissão religiosa – em que nos sentíamos entusiasmados, dispostos a viver com total coerência o seguimento de Jesus. Depois, o tempo foi passando e a nossa vida foi dando voltas e mais voltas. Envolvemo-nos em muitos projetos, corremos atrás de muitas coisas, sofremos algumas deceções, conhecemos o cansaço e a rotina, chocamos com uma realidade que nos obrigava a ver a vida com outros olhos, enfrentamos desafios que nunca tínhamos pensado conhecer… Quase sem darmos conta, instalamo-nos numa fé morna e pouco exigente, caímos na banalidade de uma prática religiosa feita de rituais e o nosso entusiasmo por Jesus foi arrefecendo. Temos de continuar assim? Não será possível redescobrirmos o entusiasmo dos momentos mais luminosos da nossa caminhada de fé? O que teremos de fazer para reavivar a chama do nosso compromisso?

À ESCUTA DA PALAVRA.


“Aumenta a nossa fé!” Jesus já tinha ouvido uma súplica semelhante, quando o pai da criança epilética lhe havia suplicado: “Vem em ajuda da minha pouca fé!” A resposta de Jesus é surpreendente, até provocadora, sem dúvida: “Se tivésseis fé como um grão de mostarda, diríeis a esta amoreira: ‘arranca-te daí e vai plantar-te no mar’, e ela obedecer-vos-ia”. A sua resposta, na realidade, força-nos a ir para além do imediato e do sensacional. A fé é já um caminho humano. Quando duas pessoas se amam, sabem muito bem que o seu amor não se pode demonstrar cientificamente. O amor descobre-se como um dom gratuito, mas constrói-se na confiança. Posso dizer àquele ou àquela que amo “eu sei que te amo”, porque sei o que vibra dentro de mim. Mas ao mesmo tempo não posso dizer-lhe “creio que tu me amas”, porque não estou na pele do outro. O amor implica, pois, um salto num certo desconhecido que, no plano das relações humanas, pode, sem dúvida, apoiar-se nas provas “tangíveis”, mas que são fracas. Quando se trata da nossa relação com Deus, a fé é, sem dúvida, mais difícil, porque não tem, ou tem muito pouco, suporte “afetivo”. Mas o “princípio”, finalmente, é o mesmo. Sou convidado a ter confiança na Palavra de Deus, que se exprimiu plenamente em Jesus e foi transmitida pelos seus primeiros discípulos. Jesus dá-lhes como missão serem suas testemunhas autorizadas. Posso, sem dúvida, pôr em causa o seu testemunho, não aderir a Ele, exigindo provas convincentes. Mas posso igualmente comprometer-me noutro caminho, da relação amorosa com Jesus. A fé só se pode viver numa relação de amor que nos faz ver para lá das aparências, porque os homens veem com os olhos, mas Deus vê com o coração. “Sim, Jesus, aumenta em mim a fé, para que eu possa amar-Te sempre cada vez mais”.



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