A liturgia deste domingo desafia-nos a pôr de lado a nossa velha lógica retributiva do “olho por olho, dente por dente”, as nossas contas de mais e de menos para classificarmos os nossos irmãos e as suas ações, e a substituir tudo isso pela lógica do amor. Só assim seremos verdadeiramente filhos do nosso Pai que está no céu.
A primeira leitura apresenta-nos David, o homem de coração magnânimo. Tendo a possibilidade de eliminar Saul, o inimigo que o perseguia para o matar, David decidiu não erguer a mão contra o “ungido do Senhor”. David acreditava que a vida pertence a Deus; e só Deus tem o direito de tirar a vida a alguém.A história dos homens está profundamente marcada pela violência. Pensa-se muitas vezes que a violência é a forma mais eficaz para resolver as diferenças e os conflitos; considera-se, por outro lado, que só recorrendo à violência é possível travar o aventureirismo dos agressores de serviço, empenhados em reescrever em seu favor a história do mundo. Para onde nos tem levado esta lógica? A história recente conheceu duas guerras mundiais que se saldaram em muitos milhões de mortos e numa destruição que deixou marcas por toda a terra… Mas, apesar das lições da história, não mudamos muito a nossa lógica. Em pleno séc. XXI continuamos a alimentar conflitos e guerras desumanas, numa espiral de violência e ódio que passa de geração em geração e parece não ter fim. Por cima de tudo isto, paira o espectro de um holocausto nuclear que pode acabar com a civilização e a vida na terra. Mergulhados neste cenário, continuamos a acreditar que a violência é o caminho para fazer nascer um mundo mais livre, mais justo e mais humano? Não será a hora de escolhermos outros caminhos para resolver as diferenças e os conflitos de interesses que separam os povos?
No Evangelho Jesus define os traços fundamentais da identidade do verdadeiro discípulo. De acordo com Jesus, o “amor” – o amor gratuito, incondicional, ilimitado, sem fronteiras – está no centro dessa identidade. A grande razão pela qual Jesus convida os discípulos a perdoar, a amar os inimigos, a rezar pelos violentos e os maus, é o facto de serem filhos de um Deus que é amor. Os filhos de Deus são chamados a mostrar ao mundo, com a sua forma de viver e de amar, a bondade, a ternura e a misericórdia de Deus.O que é que significa amar os nossos inimigos? Somos obrigados a ser amigos de quem nos faz mal? Jesus exigirá que nos demos bem com os violentos, os injustos, os que nos agridem sem motivo? Amor e simpatia são coisas diferentes. A afinidade, o afeto, a empatia, a inclinação, a atração, não são fruto de uma decisão consciente, mas são algo que surge espontaneamente entre duas pessoas que se querem bem. Quando Jesus nos convida a amar os inimigos, está a pedir outra coisa: está a pedir que não nos deixemos vencer pelo ódio e pelo desejo de vingança, que não cortemos as pontes do diálogo e do entendimento, que não nos recusemos definitivamente a acolher a pessoa que nos magoou, que não evitemos dar o primeiro passo para ir ao encontro de quem errou, que não neguemos à outra pessoa a possibilidade de sair da sua triste situação e de começar uma vida nova… Seremos capazes de tratar o nosso irmão que errou com humanidade, sem o condenar definitivamente?
Na segunda leitura Paulo de Tarso convida-nos a encararmos a morte física como a passagem para uma nova vida, ao lado de Deus, onde continuaremos a ser nós próprios, mas sem os limites que a materialidade do nosso corpo nos impõe. Estamos destinados à comunhão com Deus, a sentarmo-nos todos à mesa do Pai. Se esse é o nosso destino final, fará sentido odiarmos os nossos irmãos enquanto andamos na terra, a caminho da casa do Pai?Encarar a morte física como o momento do encontro com a vida plena, permite-nos ver cada passo que damos na terra a uma nova luz. Ajuda-nos a ver as realidades deste mundo como não definitivas; faz-nos apreciar as coisas bonitas que encontramos na terra sem as absolutizarmos; liberta-nos do medo que paralisa, que nos impede de agir e de nos comprometermos; dá-nos coragem para enfrentar as forças de morte que oprimem os homens e escurecem o mundo; ilumina cada passo do nosso caminho com as cores da alegria, da harmonia, da serenidade e da paz… A certeza da ressurreição é para nós fonte de esperança?
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