Na primeira leitura, o Deus que libertou os hebreus da escravidão do Egito anuncia aos exilados na Babilónia que irá concretizar uma nova intervenção salvadora em favor do seu povo. Os exilados irão ser libertados; e, acompanhados por Deus, percorrerão um caminho que os trará novamente para a terra de onde tinham sido arrancados, a terra onde corre leite e mel. É esse o desafio que Deus deixa também a nós, neste tempo de Quaresma: caminharmos da escravidão para a liberdade, da vida velha para a vida nova.“Não vos lembreis mais dos acontecimentos passados, não presteis atenção às coisas antigas” – pede Deus ao seu povo através do Deutero-Isaías. Trata-se de uma boa sugestão. Determo-nos nostalgicamente a contemplar o passado, pode contribuir para nos alhearmos da realidade presente e para limitarmos a nossa capacidade de construir um “hoje” com sentido. Ficar a olhar o passado pode significar estagnação, conformismo, acomodação, instalação, fechamento ao mundo; e nada disso é construtivo. Quando ficamos presos ao que já lá vai, num saudosismo que paralisa, acabamos por passar ao lado dos desafios sempre novos de Deus e dos dons que, em cada novo dia, Deus nos destina. Deixamo-nos levar pela tentação do passado, decidindo que “antigamente é que era bom” e que “agora está tudo pior”, ou estamos disponíveis para olhar em frente e para acolher, no nosso tempo, os dons de Deus?
No Evangelho Jesus mostra, a partir da história de uma mulher acusada de cometer adultério, como é que Deus lida com as nossas decisões erradas: “Eu não te condeno. Vai e não tornes a pecar”. O perdão de Deus, fruto do seu amor, falará sempre mais alto do que o nosso pecado. A grande preocupação de Deus não é castigar quem falhou; mas é apontar aos seus queridos filhos um caminho novo, de liberdade, de realização e de vida sem fim.
Jesus é posto face à Lei e, ao mesmo tempo, face a uma mulher. A Lei é clara: esta mulher, apanhada em flagrante delito de adultério, deve ser delapidada. Jesus não rejeita a Lei, pede somente aos escribas e fariseus para a colocar em prática, com a condição de começarem a ter um olhar sobre a própria vida antes de olhar a mulher e de a condenar. Os detratores acabam por se condenar a si mesmos e retiram-se, reconhecendo-se pecadores, a começar pelos mais velhos… Quanto a Jesus, que não tem pecado, podia lançar a pedra. Não o faz. Ele veio para salvar, não para condenar. Pedindo à mulher para não voltar a pecar, dá-lhe nova oportunidade. Para Jesus, ela não é apenas uma mulher adúltera, ela é capaz de outra coisa. Oferecendo-lhe a sua graça, agraciou também os escribas e os fariseus, colocando-os num caminho de conversão, eles que tinham aberto os olhos não somente sobre a mulher, mas sobre si próprios.
Na segunda leitura Paulo de Tarso partilha com os cristãos da cidade de Filipos a sua experiência: desde que se encontrou com Cristo, Paulo deixou para trás todo o “lixo” que lhe limitava os movimentos e que o impedia de correr ao encontro de Cristo. A sua grande preocupação é identificar-se cada vez mais com Cristo e correr para a meta final, onde espera encontrar a vida definitiva.Paulo lembra aos cristãos de Filipos – e a nós também – que a vida cristã é uma corrida que não acaba enquanto não chegarmos à meta. Paulo sabia que, em determinados momentos do caminho, somos tentados pela acomodação, pelo conformismo, pela instalação, pela preguiça, pela convicção de que já fizemos tudo o que era necessário fazer. Por isso, Paulo deixa o aviso: enquanto caminhamos nesta terra nada está concluído, há sempre caminho a percorrer. A nossa identificação com Cristo é um desafio constante, uma aposta que temos de renovar em cada passo do caminho. Como é que encaramos a nossa caminhada ao encontro de Cristo? Como uma meta já alcançada, que nos permite, a carta altura, viver de rendimentos, ou como uma corrida nunca terminada, que exige a cada passo a renovação do nosso empenho e do nosso compromisso?
Sem comentários:
Enviar um comentário
Este é um espaço moderado, o que poderá atrasar a publicação dos seus comentários. Obrigado