sábado, 16 de junho de 2018

POR MUITO QUE SEJA É SEMPRE MUITO POUCO

Resultado de imagem para antonino dias

De 21 a 26 de agosto próximo, terá lugar, em Dublin, o IX Encontro Mundial das Famílias, desta vez sob o tema: "O Evangelho da Família: alegria para o mundo". Na verdade, tudo quanto se possa fazer em favor da família e do matrimónio é sempre muito pouco tendo em conta tudo quanto são e merecem. A propósito deste Encontro Mundial, já em março de 2017, o Papa Francisco dera algumas indicações para que as famílias pudessem, ao longo deste tempo, “aprofundar a sua reflexão e a sua partilha sobre o conteúdo da Exortação Apostólica pós-sinodal Amoris Laetitia”. O Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida, por sua vez, ofereceu-nos também, a toda a Igreja, um excelente itinerário de reflexão em sete catequeses baseadas em Lc 2, 41-52. Estão publicadas em português para que todas as pessoas e comunidades cristãs as possam usar.
Se a família é um bem do qual a sociedade não pode prescindir, se ela continua a ser uma boa notícia para o presente e o futuro da comunidade humana, se ela está firmemente baseada no plano do Deus, ela não pode ser ferida e maltratada pela falta de amor. Tem, isso sim, é de se fomentar a cultura do amor e de se fazer tudo para que a família seja respeitada, cuidada e protegida, também no âmbito jurídico e económico, social e fiscal. E, como cristãos, não podemos deixar de propor o ideal do matrimónio, mesmo contrariando a sensibilidade e a moda atual. Se o deixarmos de fazer, estaremos a privar o mundo dos valores que podemos e devemos oferecer (cf. AL35). Para isso, porém, não basta, de facto, “limitarmo-nos a uma denúncia retórica dos males atuais, como se isso pudesse mudar qualquer coisa. De nada serve também querer impor normas pela força da autoridade. É-nos pedido um esforço mais responsável e generoso, que consiste em apresentar as razões e os motivos para se optar pelo matrimónio e a família, de modo que as pessoas estejam melhor preparadas para responder à graça que Deus lhes oferece” (AL35). Sabemos que o matrimónio não é um ideal abstrato, muito menos um fardo a carregar. É um caminho dinâmico de crescimento e realização, um caminho a construir e a percorrer na confiança e na abertura à graça (cf. AL 37).
Francisco sublinhava a importância de as famílias se perguntarem muitas vezes “se vivem baseadas no amor, para o amor e em amor”. E reiterava um modo muito prático de concretizar e expressar este desejo e atitude, um estilo já por ele anunciado várias vezes e referido na Amoris Laetitia: “Quando numa família não somos invasores e pedimos “com licença”, quando na família não somos egoístas e aprendemos a dizer “obrigado”, quando na família nos damos conta de que fizemos algo incorreto e pedimos “desculpa”, nessa família existe paz e alegria” (AL133).
De facto, há sempre fragilidades e fraquezas a urgir constantemente humildade e delicadeza, cortesia e misericórdia em busca da vida autêntica e feliz, vivendo juntos, envelhecendo juntos, cuidando-se a apoiando-se mutuamente, sem silêncios nem ruturas que entristecem e destroem. A maturidade chega a uma família “quando a vida emotiva dos seus membros se transforma numa sensibilidade que não domina nem obscurece as grandes opções e valores, mas segue a sua liberdade, brota dela, enriquece-a, embeleza-a e torna-a mais harmoniosa para bem de todos” (AL146).
Sabemos que o Evangelho da Família é resposta às expectativas mais profundas da pessoa humana e que os jovens, à partida, desejam constituir uma família estável e perene, apoiada em valores. Mas também sabemos que o amor humano não acontece nem se constrói ao jeito das redes sociais. Não é fruto da banalização nem de arrufos autorreferenciais. Não se pode “conectar ou desconectar ao gosto do consumidor e inclusive bloquear rapidamente”. Tampouco se pode transpor “para as relações afetivas o que acontece com os objetos e o meio ambiente: tudo é descartável, cada um usa e deita fora, gasta e rompe, aproveita e espreme enquanto serve; depois…adeus”. Na verdade, o narcisismo “torna as pessoas incapazes de olhar para além de si mesmas, dos seus desejos e necessidades”. Mas a história também nos vai dizendo que “quem usa os outros, mais cedo ou mais tarde acaba por ser usado, manipulado e abandonado com a mesma lógica” (AL39).
Redimidos por Cristo, a família e o matrimónio recebem d’Ele, através da Igreja, a graça necessária para testemunhar o amor de Deus e viver a vida de comunhão. É Cristo que vem ao encontro dos esposos cristãos com o sacramento do matrimónio, permanecendo com eles. O sacramento não é um mero momento que começa a fazer parte do passado para recordar ao olhar as fotografias na gaveta. Ele exerce a sua influência sobre toda a vida matrimonial, de maneira permanente. Os esposos são de certo modo consagrados e, por meio de uma graça própria, constituem uma pequenina igreja doméstica a fazer crescer. É um dom do Senhor concedido às pessoas unidas em matrimónio, mas tudo o que é dom implica tarefa, implica colaboração humana. Por isso, “querer formar uma família é ter a coragem de fazer parte do sonho de Deus, a coragem de sonhar com Ele, a coragem de construir com Ele, a coragem de se unir a Ele nesta história de construir um mundo onde ninguém se sinta só” (AL321).

D. Antonino Dias - Bispo de Portalegre Castelo Branco

Portalegre, 15-06-2018.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Este é um espaço moderado, o que poderá atrasar a publicação dos seus comentários. Obrigado