sexta-feira, 31 de julho de 2020

AS FESTAS E A PRESTAÇÃO DE CONTAS


Páscoa 2020: «Há santos na rua», diz bispo de Portalegre-Castelo ...

Todos temos a obrigação de prestar contas nas instâncias próprias. As festas também envolvem verbas. As comissões de festas têm o dever de apresentar contas. E, regra geral, fazem-no, com a consciência de terem prestado um serviço à comunidade que as mandatou para tal e lhes agradece a dedicação. No entanto, aqui e além, vamos ouvindo histórias do arco da velha. De facto, a corrupção tem muitos rostos, jeitos e artimanhas sob a aparência de honradez. Sempre há quem se sinta no direito de tudo cozinhar em nome da sua honestidade e sabores. A sociedade, aliás, é pródiga em tais exemplos. Basta estar atento à comunicação social para logo se ficar enfartado e enjoado de tais iguarias e seus cozinheiros!... Nem uma boa bagaceira ou medronheira conseguem ajudar a tão difícil digestão!... Mas não vamos comentar estes indigestos vitamínicos. Para filósofos, como o amigo leitor se presa de o ser, meia palava basta. Respeitamos as pessoas, condenamos os erros e se lamentamos quem é acusado injustamente, também lamentamos que gente desta ocidental praia lusitana, sem medo de adamastores e por mares ardilosamente contornados, passem além de inimagináveis trapalhadas! E se o Estado as tem, a Igreja não tem polícia nem cadeia. Aposta mais na formação das consciências e no grave dever da restituição. Mais vale fazer as contas de bem com os homens do que de mal com Deus, diz o povo. E que carrasco mais torturador que a própria consciência de quem navega por esses mares enviesados em busca de tais paraísos? No entanto, também sabemos que a consciência de muita gente nunca amadureceu. Permanece muito, mesmo muito, muitíssimo verde, e, por isso, qualquer herbívoro lhe pode chamar um figo, comendo-a!... E se a consciência deixa de existir, tudo se lhes torna permitido!
Nenhuma comissão ou mordomia pode considerar como pertença sua o dinheiro ou saldo das festas religiosas. Nem o pode distribuir por quem quer que seja ou fazer obras à revelia dos responsáveis pelas comunidades, mesmo que as julgue muito necessárias. As obras até poderão vir a fazer-se, mas tem de haver diálogo com os responsáveis e tem de se diligenciar as respetivas licenças para se poderem levar a cabo com a qualidade exigida e de forma legal. Também não é de bom tom que uma comissão prolongue a festa ou tome outras iniciativas macambúzias para acabar com os saldos. Muito menos que, acabando a festa, abra uma conta paralela, sua, julgando-se dona e sem o dever de prestar contas a quem quer que seja. Porque trabalharam muito, mesmo que sazonalmente, para a festa e para conseguir as verbas que conseguiram, não se podem sentir no direito de reivindicar os saldos. Não estou a dizer que não trabalharam, que não tiveram muitas preocupações, canseiras e até alguns dissabores. Tudo isso faz parte da festa e de quem a organiza. Mas este pensar e agir é, logo à partida, pouco delicado para com toda a gente que sempre trabalhou e trabalha na Igreja, anos a fio, com responsabilidades acrescidas, em trabalho que exige formação permanente, mas sem nunca exigir contrapartidas. Antes pelo contrário, para além do seu tempo, ainda dá muito do que é seu e tantas vezes no meio de incompreensões familiares e comunitárias: catequistas, grupos corais, agentes da pastoral e tantos outros. Às comissões de festas cabe-lhes o direito de administrar, e bem, as verbas angariadas, sem dar um passo maior que a perna, e só enquanto dura a sua missão. A dinâmica das comunidades é feita por um exército de voluntários. Poucos são os assalariados e os que o são, são-no a partir e na medida da generosa partilha dos fiéis.
Como princípio, e até tendo em conta as dificuldades económicas gerais, as comissões devem evitar as despesas excessivas, tantas vezes fruto de competições pouco saudáveis, contumazes em maus hábitos que nada têm a ver com o culto a Deus, à Virgem e aos Santos. Se assim não for, dar-se-á um sentido errado às festas cristãs, ofender-se-á a dignidade das pessoas, e, com certeza, a festa será mais um palco para o desfile da vaidade de alguns do que uma verdadeira festa do povo a estimular, na alegria, o crescimento em direção à santidade.
Que pensar, por exemplo, de uma paróquia que gastasse milhares de euros, todos os anos, na festa religiosa da terra, mas não tivesse uma única sala de catequese para as crianças? Uma sala onde os jovens se pudessem reunir, conviver, refletir e fomentar a cultura do grupo e da amizade de uns com os outros e de todos com Cristo? Uma sala ao serviço da formação permanente dos adultos, dos movimentos ou da diversidade dos serviços pastorais? Se apenas tivesse o templo, e, mesmo esse, em péssimo estado de conservação?...
As paróquias evangelizadas vivem preocupadas com tudo aquilo que é preciso para o seu próprio crescimento. Têm um apurado sentido da comunidade e das suas necessidades e sempre vivem preocupadas em colaborar e tirar o máximo proveito de tudo o que organizam, sempre numa linha de entreajuda e corresponsabilidade. A preocupação das suas comissões de festas, por exemplo, não é a de entrar em despique para saber quem faz a festa maior, quem deitou mais foguetes, quem trouxe mais agrupamentos musicais, etc. É tentar ser a comissão que, sem faltar com nada à festa para que a festa seja festa, tem presente as necessidades da comunidade. Procura o maior saldo possível para acudir a necessidades sociais, para investir na formação da comunidade, ou para a construção de mais alguma estrutura que julgue indispensável. Sempre com o maior respeito pelos esforços e os sacrifícios individuais e coletivos que a formação, a solidariedade social ou a criação e manutenção dos seus espaços sempre reclamam à comunidade cristã.
As verbas para as despesas das festas religiosas são fruto das dádivas voluntárias do povo, de possíveis subsídios de instituições particulares ou públicas, ou de iniciativas que as comissões assumem com a finalidade de angariar os fundos necessários para a festa, festa cristã. Outras verbas que nunca deveriam ser usados na festa profana, são os donativos que as pessoas deixam na igreja, por devoção ou promessa. O dinheiro das promessas é, tantas vezes, expressão de muita dor e sangue de quem as fez em horas aflitivas da vida. Salva a intenção manifestada pelos oferentes, essas importâncias destinam-se à promoção do culto com qualidade e beleza, destinam-se à evangelização, à catequese e à prática da caridade de acordo com os responsáveis eclesiais. Nem estes responsáveis o podem gastar de qualquer maneira. Vejam que, por exemplo, para alienar o ouro ofertado em cumprimento de promessas ou os ex-votos que se possam conservar, nem sequer basta a licença do Bispo diocesano, carece de autorização da Santa Sé. E porque estas coisas nem sempre correm bem, surgem desentendimentos no seio de comunidades cristãs que fazem doer: todos sofrem, ninguém fica bem, a ferida aberta fica difícil de sarar, gera-se escândalo entre os fiéis e é-se motivo de mofa para quem aprecia de longe.
É por isso que as comissões de festas religiosas devem ser constituídas por cristãos que conheçam e aceitem as orientações da Igreja. Ou, pelo menos, sejam constituídas por pessoas que, embora não estejam muito dentro, sejam capazes de dialogar e trabalhar em harmonia com as normas da Igreja e os responsáveis eclesiais. É o que vai acontecendo, por exemplo, com as festas religiosas de âmbito mais alargado, festas concelhias e com fama distrital, nacional e até internacional. Estas, sem deixarem de ser festas religiosas e terem o seu epicentro numa capela ou igreja, de paróquia ou confraria, envolvem as próprias autoridades civis locais e têm grande dimensão cultural, recreativa e social. Mesmo que a sua organização, mais complexa, venha a pedir uma comissão ou subcomissão mais voltada para o exterior e outra para a parte religiosa, não se devem dispensar de dar as mãos e de todos se sentirem no mesmo barco.
Ninguém pode autoproclamar-se comissão à revelia dos responsáveis eclesiais. Em princípio, mesmo que seja tacitamente, são eles que, em nome da comunidade, são eles quem aprova e nomeia as comissões, são eles os primeiros responsáveis. Quem se apresenta a constituir uma comissão de festas religiosas, tem de ter a consciência de quem vai representar, em nome de quem é que vai agir e quais as normas estabelecidas para isso. E que dizer daquele costume em que a comissão em exercício é que nomeia, no próprio dia da festa e pela voz do pregador, a comissão para a festa seguinte? Já vi párocos a torcerem-se todos lá na sua cátedra porque nem sequer lhe deram a lista a conhecer previamente, foi à revelia. Como afirmava Santo Inácio de Antioquia, não se pode apresentar como louvável aquilo que se faz separadamente. Só o respeito pelas instituições e por quem as representa, só o respeito pelas normas que as regem será o garante da paz e da salvaguarda da comunhão e da dinâmica eclesial e social, através da cultura do diálogo e do bom senso.
Além disso, nenhuma comissão deve ser nomeada, ou aceitar ser nomeada, sem que a anterior apresente as contas, a respetiva documentação e os saldos, se os houver. Sabemos que as grandes festas religiosas que referi, com fama e de âmbito mais alargado, precisam de um fundo de maneio, pois têm de fazer contratos quase com um ano de antecedência, esperando que a chuva, nos dias da festa, não venha a estragar os planos gizados, tanto na vertente cultural, recreativa ou social. Mas tudo isso se resolve com o diálogo, a boa fé e a confiança mútua que a todos deve animar, pois todos desejam que tudo corra pelo melhor.

D. Antonino Dias Bispo Diocesano
Portalegre-Castelo Branco, 31-07-2020.




quinta-feira, 30 de julho de 2020

Quando puderes, não julgues!





Somos imbatíveis na forma como julgamos os outros. Dentro da nossa cabeça, vamos criando cenários incríveis que justificam as atitudes alheias. Infelizmente, os cenários que imaginamos nunca são os melhores (para os outros).

Temos particular interesse por assumir que sabemos o que se passa na vida que não nos pertence. Os julgamentos sucedem-se dentro de nós porque, na verdade, é muito mais fácil criar uma versão dos acontecimentos que nos favoreça do que perguntar, conhecer, investigar a verdade de cada coisa e de cada situação.

Se uma pessoa nos diz algo menos simpático num ou noutro dia é porque é uma maldisposta e uma antipática.

Se uma pessoa se atrasa uma vez ou outra e falha um compromisso ou um determinado horário é porque não tem respeito por ninguém e é uma irresponsável.

Se uma pessoa tem, no trânsito, uma atitude menos cordial é porque é uma besta.

Se uma pessoa nos responde de forma mais assertiva é porque é mal-educada.

Se uma pessoa se emociona com facilidade é porque não tem grande estrutura emocional.

Se uma pessoa não se emociona com facilidade é porque é um calhau.

Estes raciocínios, quase imediatos, que nos parecem inevitáveis tornam-se regra dentro de nós se não tentarmos contrariá-los. Claro que é mais fácil julgar o outro e retirar-lhe as características de pessoa que, obviamente, terá. Se transformamos alguém numa palavra generalista e negativa não estamos a ser justos. Estamos, apenas, a querer ser preguiçosos e a querer ter pouco trabalho interior.

Quando tentamos colocar as pessoas no mesmo degrau em que nos colocamos, acabamos por conseguir torná-las mais parecidas connosco e a nossa tolerância aumenta de uma forma inevitável. Para nós é mais fácil encontrar desculpas. Para os outros não costuma haver desculpa possível. É preto ou branco. Sem zonas intermédias.

Vale a pena tentar fazer um exercício um pouco diferente enquanto vamos convivendo:

Se alguém que eu conheço fez ou faz alguma coisa que eu não gosto tenho sempre a hipótese de lhe dizer isso mesmo. Confrontando a pessoa com a sua atitude e não transformando a atitude dela no seu carácter. No entanto, nem sempre conseguimos chegar a esse confronto (porque não nos conhecemos bem, porque não há essa confiança).

Assim, e não podendo apurar as razões que levam alguém a agir de determinada forma, vale a pena dar o benefício da dúvida. Talvez esta pessoa esteja a ter um dia mau. Talvez esteja doente. Talvez tenha descoberto algo doloroso sobre alguém que ama. Talvez viva profundamente sozinha. Talvez não saiba como ser melhor.

Quando mudamos a paisagem tudo fica um pouco mais bonito, não é?


Marta Arrais


quarta-feira, 29 de julho de 2020

Não estamos sós










Não estamos sós. Não estamos sozinhos mesmo quando o mundo nos parece querer demonstrar que ninguém nos pode resgatar. Não somos esquecidos até nos momentos em que ninguém se lembra de nós. Não somos ignorados nem nos dias em que ninguém nos visita.

Não estamos sós. Não o estivemos, não estamos, nem estaremos. E esta deve ser a nossa certeza. É aqui que mora e que cresce a nossa fé: na convicção de que o fim não é ditado por nós e que os recomeços podem acontecer para além daquilo que conseguimos conceber.

Não estamos sós. Acreditaremos mesmo nisto? Confiaremos mesmo nesta realidade que tantas vezes nos parece ilusória? Depositaremos toda a nossa confiança nesta crença?

Não estamos sós. Nem nos momentos em que o pecado nos parece esconder a Sua luz. Nem nas ocasiões em que a dor e a perda nos parecem questionar toda a nossa existência. Nem nas questões que persistem em não resolver o Seu grande mistério.

Não estamos sós. Ele vai-se fazendo presente lembrando-nos que o regresso depende unicamente da nossa vontade. E este regresso não é feito apenas para os que saíram de casa. O regresso é também para os que se foram ficando pelo lar, mas que não descobriram o caminho para o Seu coração.

Não estamos sós. É o que devemos recordar em tantos silêncios ensurdecedores, em tantas vidas que se cruzam connosco e em tantos episódios da nossa vida. Nunca estaremos sós e essa é a maior prova do Seu amor por nós!


 
Emanuel António Dias

terça-feira, 28 de julho de 2020

Bispo de Portalegre-Castelo Branco. “Quem é que vai limpar as terras, se não há gente?”

O bispo de Portalegre-Castelo Branco alerta para o despovoamento do interior, que os fogos florestais continuam a agravar. À Renascença D. Antonino Dias diz que se fala muito, mas faz-se pouco para inverter a “inevitabilidade” dos incêndios. E acha que a justiça devia ser mais dura para com os incendiários.
Foto: Ecclesia
Foto: Ecclesia


O bispo de Portalegre-Castelo Branco, D. Antonino Dias, acompanha com preocupação a situação dos incêndios florestais que voltaram a atingir vários concelhos da diocese, nomeadamente Oleiros e Proença a Nova. Em declarações à Renascença D. Antonino não esconde alguma desilusão pela falta de medidas concretas que evitem tragédias como as de 2017.

“Alguma coisa se fez, mas não o bastante. Sobretudo para que as coisas não aconteçam de outra forma”, lamenta o responsável da Igreja, que fala na angústia de quem ainda vive no interior, cada vez mais despovoado.

“As pessoas vivem aflitas e preocupadas. Há pouca gente, e os que estão são idosos. E se já somos poucos no interior, com estas coisas as pessoas desaparecem. Os jovens fogem, como qualquer um de nós fugiria. Isto provoca um empobrecimento e a fuga das pessoas”, refere.

Para o prelado, as câmaras municipais e as autarquias têm feito “o que podem”, mas D. Antonino considera urgente rever as estratégias de prevenção dos fogos, porque, por exemplo, exigir a quem não pode que limpe as matas, não é solução.

“Isso é muito bonito dizer, e é verdade que se devia limpar as terras, mas quem é que as vai limpar se não há gente, e se os que estão não podem, e são idosos? Às vezes nem as empresas são capazes de o fazer! Isto em teoria é muito bonito, é preciso obrigar, pôr multas… mas, multas a quem? Porque depois a limpeza é temporária, daqui a um mês está na mesma, e tem custos”, lamenta, insistindo que é preciso olhar para a realidade de quem vive nestas regiões. “Isto devia merecer um estudo aprofundado, para que as pessoas não tivessem a tentação de fugir para as cidades e para outros lados, e abandonarem estes terremos, porque é um prejuízo para o próprio país."

“Esta situação parece irreversível, mas às vezes também parece que não há reflexão suficiente sobre isso. E, mais do que reflexão, atitudes de compromisso: o que se pode fazer? Concretamente o que é que vamos fazer? Agora, o blá, blá, pode encher o ego de quem diz ‘ vamos fazer’, ou ‘temos de fazer’, mas depois se não se sai daí, de que adianta? Não estou a dizer que é fácil, mas merecia uma atenção maior”, sublinha.

Para além da mudança na estratégia de prevenção, D. Antonino Dias considera que a moldura penal para os incendiários também devia ser mais dura. “Em muitos incêndios dizem que há mão criminosa, isso então é que é o cúmulo da tragédia e da desgraça! Pessoas que não têm consciência, e quando os descobrem as leis são bastante benignas em relação a isso. Até nestes tempos de incêndios, se já há pessoas sinalizadas, que se sabe que fazem isso - ou podem fazer, porque já o fizeram antes - e se deixam em liberdade, acho que não são bons princípios”, refere.

“Nos meios pequenos tudo o que acontece a um, é como se fosse à família”
Este domingo o bispo de Portalegre e Castelo Branco enviou uma mensagem de condolências à família do bombeiro Diogo Dias, que morreu num acidente.

“Era um jovem na primavera da vida, os sonhos foram pelo ar. Era muito estimado, e ainda há pouco tempo tinha estado como voluntário na Guiné, em colaboração com os Padres do Preciosíssimo Sangue, que têm casa ali em Proença a Nova”, conta à Renascença, lamentando esta perda que atingiu toda a comunidade.

“É um sofrimento para as famílias, para a corporação de bombeiros e para toda a comunidade. Como são meios pequenos, tudo o que acontece a um, é como se fosse à família. Todos sofrem com as circunstâncias e com estas consequências”, afirma D. Antonino, indicando que acompanha estas comunidades com a proximidade possível: “Estou em contacto com párocos, vou telefonando, e apresentei condolências às famílias enlutadas. São sempre situações de angustia interior, perante as quais nos sentimos impotentes, mas não podemos deixar cair os braços. Temos de andar para a frente e lutar."

Ângela Roque- Renascença

A amizade é uma pátria,




Foi isso, ou melhor, foi mais do que isso que o escritor Joseph Roth escreveu numa carta ao seu amigo Stefan Zweig, datada do verão de 1935. Ele escreveu: “Por fim, a amizade é a verdadeira pátria.” Na verdade, dois anos antes, nos meses fatídicos em que Hitler se tornara chanceler do Reich, Roth começara a perder as suas pátrias, e percebemos melhor aquele “por fim” a encabeçar a sua afirmação. Com o estabelecimento do nazismo, Joseph Roth perdia para sempre a Alemanha, mas estava consciente de que esse seria apenas o início do irreversível processo que conduziria a tantas outras perdas: “Avizinhamo-nos a grandes catástrofes. Para lá daquelas privadas — a nossa existência literária e material está liquidada — tudo conduz a uma nova guerra... Conseguiu-se que a barbárie governe. Não se iluda. O inferno comanda.” Porém, em 1935, ainda restava a Roth uma pátria imaginária: o regresso da Casa de Habsburgo, a nostalgia por uma Áustria imperial que servisse de tampão ao avanço daquela loucura extrema. Mas, em relação a essa pátria idealizada, não havia propriamente certezas. Ele próprio balançava entre a militância e o luto, como confessa no prefácio a um dos seus grandes romances, “A Marcha de Radetzky”: “Uma cruel vontade da história estilhaçou a minha velha pátria, a monarquia austro-húngara. Amei-a, a esta pátria, que me permitiu ser contemporaneamente um patriota e um cidadão do mundo, um austríaco e um alemão... Amei as suas virtudes e qualidades e agora que está morta e perdida, amo também os seus erros e fraquezas. E tinha muitos. Expiou-os a todos com a sua morte.” Restava, portanto, a Joseph Roth o que ele, naquele verão, refugiado no Hotel Foyot, em Paris, declarou a Stefan Zweig: “Por fim, a amizade é a verdadeira pátria.”

A amizade é uma das parábolas humanas mais poderosas e inesquecíveis a que podemos aceder

A amizade epistolar daqueles dois foi uma pátria sincera, afetuosa e triste, numa Europa em crepúsculo. As quase 270 cartas que trocaram numa única década, entre 1927 e 1938, mostram-no bem. E explicam igualmente porque é a amizade uma das parábolas humanas mais poderosas e inesquecíveis a que podemos aceder. Zweig e Roth testemunham “o penetrante e emocionante aroma hebraico que tinha a Europa”, mas cada um a seu modo. Zweig desejou ser um Erasmo de Roterdão no século XX, encarnando a inviolabilidade da liberdade individual, insistindo num humanismo pacifista contra toda a evidência. Em setembro de 1937, escreve ao seu amigo: “Não, Roth, não nos devemos endurecer com a dureza dos tempos, temos de ser positivos, ser mais fortes.” E quando esta possibilidade lhe foi tirada, compreendeu que a única via para si era a fuga. Roth era, por seu lado, visceral, autodestrutivo, lúcido, fulgurantíssimo e profético. Essa pequena obra-prima que é “A Lenda do Santo Bebedor” não é apenas o seu testamento, mas também o seu autorretrato irónico e pungente, entre imigrantes desprotegidos e peregrinos sem destino, num amargo mundo em despedida. As cartas trocadas nos últimos anos acentuam os contrastes entre ambos. Zweig escreve: “Caro Roth, porquê, porque está sempre assim ofendido?” Roth responde: “Caro amigo, talvez falemos duas línguas diferentes...” Zweig acrescenta: “Você tem a sensação de que eu não o compreenda...” Roth atira: “Porque tem você tanto medo das palavras indignadas?” Até nestes duelos secos, nestas marcações intransigentemente solitárias, mas feitas ainda para o outro ver, as suas são cartas de amizade autêntica. Zweig afiança: “Não conseguirá jamais me fazer desistir de amar Joseph Roth.” E Roth assegura: “Se tivesse um irmão, não o esperaria com maior ânsia do que aquela com que espero por si.”



Cardeal Tolentino Mendonça

segunda-feira, 27 de julho de 2020

Jesus é o tesouro escondido, a pérola de grande valor



Em nossos dias, disse o Papa Francisco, “a vida de alguns pode resultar medíocre e sem brilho porque provavelmente não foram em busca de um verdadeiro tesouro”

O Reino dos Céus é o contrário das coisas supérfluas que o mundo oferece, é o contrário de uma vida banal: é um tesouro que renova a vida a cada dia e a expande em direção a horizontes mais amplos.”

Foi o que disse o Papa Francisco no Angelus deste domingo, falando da janela do palácio apostólico que dá para a Praça São Pedro aos fiéis e peregrinos que com o Santo Padre rezaram a oração mariana.
A reflexão do Santo Padre concentrou-se no Evangelho do dia (Mt 13,44-52), que corresponde aos últimos versículos do capítulo que Mateus dedica às parábolas do Reino dos Céus.
O trecho compreende três parábolas brevemente acenadas e muito curtas: a do tesouro escondido no campo, a da pérola preciosa e a da rede lançada ao mar.
Na alocução que precedeu à oração mariana Francisco deteve-se sobre as duas primeiras nas quais o Reino dos Céus é assimilado a duas diferentes realidades “preciosas”, ou seja, o tesouro no campo e a pérola de grande valor.

“A reação daquele que encontra a pérola ou o tesouro é praticamente igual”, observou: “o homem e o mercante vendem tudo para adquirir aquilo mais têm a peito”.
“Com essas duas semelhanças, Jesus se propõe envolver-nos na construção do Reino dos Céus, apresentando uma característica essencial do mesmo: aderem plenamente ao Reino aqueles que estão dispostos a arriscar tudo.”

“De fato, tanto o homem quanto o mercante das duas parábolas vendem tudo aquilo que possuem, abandonando assim suas seguranças materiais. Disso se entende que a construção do Reino exige não somente a graça de Deus, mas também a disponibilidade ativa do homem.”

Os gestos daquele homem e do mercante que vão em busca, privando-se de seus bens, para comprar realidades mais preciosas, são gestos decididos e radicais. “E, sobretudo, feitos com alegria, porque ambos encontraram o tesouro.”

“Somos chamados a assumir a atitude destes dois personagens evangélicos, tornando-nos também nós saudáveis buscadores irrequietos do Reino dos Céus. Trata-se de abandonar o pesado fardo de nossas seguranças mundanas que nos impedem de buscar e construir o Reino: a ganância pela posse, a sede de lucro e de poder, o pensar somente em nós mesmos.”


Em nossos dias, prosseguiu o Papa,
 “a vida de alguns pode resultar medíocre e sem brilho porque provavelmente não foram em busca de um verdadeiro tesouro: contentaram-se com coisas atraentes, mas efêmeras, cintilantes, mas ilusórias, porque depois deixam na escuridão.”
Verdadeiro tesouro

Segundo o Papa, o Reino dos Céus “é um tesouro que renova a vida a cada dia e a expande em direção a horizontes mais amplos”, e “quem encontrou este tesouro tem um coração criativo e em busca, que não repete, mas inventa, traçando e percorrendo novos caminhos, que nos levam a amar Deus, a amar os outros, a amar verdadeiramente a nós mesmos”.

“Jesus, que é o tesouro escondido e a pérola de grande valor, só pode suscitar alegria, toda a alegria do mundo: a alegria de descobrir um sentido para a própria vida, a alegria de senti-la comprometida com a aventura da santidade.”

“Que a Santíssima Virgem nos ajude a buscar todos os dias o tesouro do Reino dos Céus, a fim de que em nossas palavras e em nossos gestos se manifeste o amor que Deus nos deu através de Jesus”, disse o Papa Francisco.

https://pt.aleteia.org/

domingo, 26 de julho de 2020

DE NOVO A DESGRAÇA DOS INCÊNDIOS

a foto de perfil de Antonino Dias, A imagem pode conter: 1 pessoa, grande plano

A nossa Diocese de Portalegre-Castelo Branco, mais uma vez está a ser tragicamente atingida pelos incêndios. Um flagelo constante, que mata, faz sofrer, angustia.
Quanta dor nas populações, quanto sofrimento, quanto aflição, quanto desânimo e quanta mais pobreza a curto e a longo prazo!
Sentindo-nos pequeninos e impotentes perante tanta calamidade, apresentamos as nossas mais sentidas condolências à família do jovem Diogo Dias, Bombeiro de 21 anos que, na primavera de vida tão promissora, foi vítima de trágico acidente neste incêndio.
Que descanses em paz, amigo Diogo.
Manifestamos a nossa proximidade e gratidão junto das Corporações dos Bombeiros que, de forma tão abnegada, atuam no terreno. Exprimimos a nossa comunhão junto dos Senhores Presidentes das Câmaras Municipais, das Juntas de Freguesia, dos Senhores Padres das Paróquias atingidas, e, particular e afetuosamente, junto das queridas populações tão sofridas. Formulamos votos de rápidas melhoras aos outros Bombeiros que foram vítimas do mesmo acidente.
Estando a acompanhar, com tristeza, tais acontecimentos com a fúria do fogo, apelo à união de toda a Diocese para que, fazendo o que devemos fazer, não deixemos de rezar ao nosso Deus que, em Jesus Cristo, se revelou um Deus próximo de cada experiência humana, sobretudo a experiência da dor e do sofrimento. Que n’Ele todos possam encontrar a serenidade e a força para darmos as mãos e, na caridade cristã, nos valermos uns aos outros.


Antonino Eugénio Fernandes Dias
Bispo da Diocese de Portalegre-Castelo Branco
Dia dos Avós - 26-07-2020


A imagem pode conter: uma ou mais pessoas, texto que diz "SINREZAR NOSSA MISSA 26 DE JULHO São Joaquim e Sant'Ana, rogai por nós!"

Os Avós são um tesouro



São os primeiros a chegar à maternidade e reconhecem de imediato qualquer parecença familiar. Seguram com confiança a fragilidade de um recém-nascido e adormecem birras de sono como mais ninguém. São avós. Andam de mãos dadas pelos passeios. Ficam quietos à beira-mar, enquanto as ondas molham pés pequeninos. Compram aquele gelado, limpam os joelhos feridos em brincadeiras de rua, dão o banho ao final do dia, à espera dos pais que hão de chegar. São avós.

Reparam que é preciso comprar sapatos novos, descobrem qual o brinquedo sonhado e dizem adeus, com os olhos molhados, quando recebem abraços demorados nas despedidas. Mais tarde, ouvem em silêncio as queixas, as dúvidas e os sobressaltos. Compensam em amor as ausências, as zangas, as dificuldades de pais ocupados, de vidas separadas. Conhecem os primeiros namorados, ajudam a pagar as despesas das escolas e aquela viagem tão desejada. São avós.

Emocionam-se com etapas vencidas, com os estudos terminados. Preocupam-se com os fracassos, acendem velas em dias de exame, rezam pelos seus netos. Criam laços que não conhecem limites, que não reparam na aparência das coisas, mas que se focam na disponibilidade total, no amor incondicional. Os avós sustentam a vida das famílias, não só porque muitas vezes permitem a sobrevivência ou algum desafogo, mas porque são as raízes de tantas vidas. Contam as histórias de cada passado, ajudam a perceber a diferença entre essencial e supérfluo.

Talvez sintamos a vontade de correr para os braços de um avô velhinho, de uma avó sozinha. Ou de rezar por quem já partiu. Ou de contar a um filho, a uma neta, a história dos avós, dos bisavós, de todos os que nos deram a vida. Os avós são um tesouro

Os avós são testemunho concreto e real de outros tempos, tantas vezes marcados por dificuldades, lutas e carências. E quando o contam, sentados à mesa em almoços de domingo ou felizes com uma visita inesperada, transformam histórias antigas em lições de vida. E quem os escuta com mais atenção são os mais novos, encantados com as aventuras passadas em terras distantes ou a descrição cuidada de uma casa, de um passeio, de umas férias. Os avós são um tesouro.

Neste tempo que vivemos, precisamos de o dizer de forma clara, de o defender de forma assertiva. E os tesouros são protegidos, tocados com cuidado e admiração. Uma sociedade que não protege, não cuida, não admira os mais velhos, está condenada ao fracasso. Porque tal como a natureza nasce e renasce, tal como a semente cresce e é lançada à terra, assim a vida corre e decorre. Quem é cuidado será capaz de cuidar. Quem aprende será capaz de ensinar. Quem é protegido será capaz de proteger. Quem é amado será capaz de amar.

Os avós são um tesouro? Se pudéssemos fazer a pergunta a Jesus Menino, se pudéssemos ouvir Nossa Senhora a falar-nos de Seu Pai, São Joaquim, ou de Sua Mãe, Santa Ana, talvez percebêssemos melhor a verdade deste tesouro. Aparentemente não podemos e sabemos tão pouco sobre estes Avós…, mas no nosso coração podemos escutar o que Jesus tem para nos dizer. E talvez, talvez sintamos a vontade de correr para os braços de um avô velhinho, de uma avó sozinha. Ou de rezar por quem já partiu. Ou de contar a um filho, a uma neta, a história dos avós, dos bisavós, de todos os que nos deram a vida. Os avós são um tesouro.

O Dia dos Avós é uma oportunidade para dar graças, abraçar e celebrar a presença dos Avós no passado e no presente, ir às próprias raízes e descobrir neles a ternura e o amor de Deus.


[Comissão Episcopal do Laicado e Família | Mensagem para o Dia dos Avós (26.07.2020)]

O Tesouro supremo é o Reino


https://www.youtube.com/watch?v=BczV36k_9nk

A liturgia deste domingo convida-nos a reflectir nas nossas prioridades, nos valores sobre os quais fundamentamos a nossa existência. Sugere, especialmente, que o cristão deve construir a sua vida sobre os valores propostos por Jesus.
A primeira leitura apresenta-nos o exemplo de Salomão, rei de Israel. Ele é o protótipo do homem "sábio", que consegue perceber e escolher o que é importante e que não se deixa seduzir e alienar por valores efémeros.
No Evangelho, recorrendo à linguagem das parábolas, Jesus recomenda aos seus seguidores que façam do Reino de Deus a sua prioridade fundamental. Todos os outros valores e interesses devem passar para segundo plano, face a esse "tesouro" supremo que é o Reino.
Porque é que os cristãos apresentam, tantas vezes, um ar amargurado, sofredor, desolado? Quando a tristeza nos tolda a vista e nos impede de sorrir, quando apresentamos semblantes carrancudos e preocupados, quando deixamos transparecer em gestos e em palavras a agitação e o desassossego, quando olhamos para o mundo com os óculos do pessimismo e do desespero, quando só nos deixamos impressionar pelo mal que acontece à nossa volta, já teremos descoberto esse valor fundamental - o Reino - que é paz, esperança, serenidade, alegria, harmonia?
A segunda leitura convida-nos a seguir o caminho e a proposta de Jesus. Esse é o valor mais alto, que deve sobrepor-se a todos os outros valores e propostas.
Diante da oferta de Deus, somos livres de fazer as nossas opções - opções que Deus respeita de forma absoluta. No entanto, a vida plena está no acolhimento desse "valor mais alto" que é o seguimento de Jesus e a identificação com Ele. É esse o "valor mais alto", o "tesouro" pelo qual eu optei de forma decidida no dia do meu baptismo? Tenho sido, na caminhada da vida, coerente com essa escolha?

https://www.dehonianos.org/

sábado, 25 de julho de 2020

Honra os teus velhos, por Tolentino Mendonça




Um facto ao qual não nos deveríamos habituar é este: que na informação sobre as vítimas da pandemia venha associada a sua idade e a indicação de que eram afetados por outras patologias. Não nos damos conta, mas com isso descemos, de forma irreversível, alguns degraus daquele precioso património comum a que chamamos civilização. Não discuto que a intenção possa ser virtuosa, pois supostamente visa serenar os outros segmentos da população. Mas certas serenidades induzidas têm de ser questionadas, sobretudo se reforçam a vulnerabilidade de quem já tem de suportar tanto. É fundamental que para as nossas sociedades seja claro que há coisas piores do que a infeção com o vírus da covid-19. Se os velhos são reduzidos a números, e a números com escassa relevância humana e social, podemos até superar airosamente a crise sanitária, mas sairemos diminuídos como comunidade. Rodarão as estações. A esta primavera suceder-se-á outra, porventura, mais risonha, distendida e ampla. Mas nunca mais respiraremos da mesma maneira.

É que não se envelhece para morrer. Penso no modo extraordinário e preciso como o livro do Génesis descreve a caminhada do patriarca Abraão. “Abraão expirou... velho e saciado de dias” (Gen 25:8). Sim, não se envelhece para morrer. Envelhecemos para nos saciarmos de vida e desse modo sentir que, mesmo escassa ou vacilante, a vida é o milagre mais espantoso, mais indescritível e pródigo que nos tocou em sorte. Com razão, James Hilmann escreveu: “Envelhecendo eu revelo o meu carácter, não a minha morte.” A velhice é um laboratório de vida presente e não só passada, uma escola onde se aprofunda o significado da esperança e do amor. Quando estes sentimentos, despidos já das contaminações do cálculo, distantes do enganador afã dos objetivos que lhe colocámos, revelam finalmente a sua natureza. O que é o amor em si, o que é a esperança sem mais — os velhos sabem-no melhor. E, contudo, resistimos tanto a perguntar-lhes, como se essa transmissão de sabedoria não nos fosse indispensável. Que os velhos se tenham tornado uma abandonada periferia — e os condicionamentos da pandemia podem ainda dramaticamente acentuá-lo — diz muito da crise interior que mina o nosso tempo.

Envelhecemos para nos saciarmos de vida e desse modo sentir que, mesmo escassa ou vacilante, a vida é o milagre mais espantoso, mais indescritível e pródigo que nos tocou em sorte

Há cem anos, no início dos anos 20 do século passado, Max Weber escrevia que, diferentemente das gerações que nos precederam, “os homens já não morrem saciados de vida, mas simplesmente cansados”. O dogmatismo com que hoje encaramos a produtividade, a eficiência e o consumo tornou-nos uma sociedade desligada de dimensões essenciais. Nela, os velhos perderam o seu papel social, pois deixámos de valorizar o depósito de conhecimento e experiência que representam, e passamos a apostar todas as nossas fichas numa ideia de progresso baseada na mudança contínua, sem freios nem memória.

Precisamos de nos reconciliar com a velhice. É um erro grosseiro representar os velhos como um peso: experimentam-no quotidianamente as famílias que sem a colaboração dos avós não saberiam como conjugar as vidas profissionais com a vida familiar; sabem-no as crianças e os jovens que nos mais velhos encontram disponível um bem que mais ninguém lhes oferece com aquela gratuidade: tempo; constatam-no todos os espaços de convivência humana que dos velhos recebem testemunhos de sabedoria, afeto e resiliência, pois eles felizmente têm olhos para aquilo que mais ninguém vê. O antiquíssimo Livro do Levítico recorda-nos este imperativo de futuro: “Ficarás de pé diante do que tem cabelos brancos; honrarás o rosto de quem é ancião” (Lev 19:32).


Cardeal José Tolentino Mendonça

sexta-feira, 24 de julho de 2020

AS FESTAS CRISTÃS MERECEM ATENÇÃO!...


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Foi com a palavra que Jesus conquistou o coração das pessoas que vinham ao seu encontro ou das quais Ele se abeirava. Todos ficavam maravilhados com o que Ele dizia, pois falava como quem tem autoridade. De entre os seus discípulos, escolheu doze, a quem chamou Apóstolos. Chamou-os para estarem com Ele. Constituiu-os em corpo colegial estável, com Pedro a presidir. Enviou-os a pregar por toda a parte sob a assistência do Espírito Santo e com uma autoridade que não se cifraria em termos de poder mas de serviço. Por sua vez, os fiéis leigos, participantes também, a seu modo, do múnus sacerdotal, profético e real de Cristo, são chamados a exercer esta mesma missão de ir e anunciar segundo a sua própria condição e circunstâncias concretas da sua vida, em comunhão eclesial. A fé nasce da pregação. Quem anuncia não se anuncia a si mesmo, mas a Cristo Jesus, o Senhor, que se entregou por nós, por amor, para nos salvar. Caminhar com alegria entre o abraço que Deus Pai nos deu aquando do nosso Batismo e o abraço que o mesmo Pai misericordioso espera dar-nos aquando da chegada à sua glória é o desafio (cf. EG144). “O pregador tem a belíssima e difícil missão de unir os corações que se amam: o do Senhor e os do seu povo” (EG143). Por isso, o Papa Francisco refere que quem não se prepara “é desonesto e irresponsável quanto aos dons que recebeu” (EG145). E todos nós, clérigos e leigos, pais e mães, confrarias e irmandades, comissões de festas e outras instituições eclesiais e agentes da pastoral, todos temos de bater com a mão no peito. Nem sempre estamos à altura da responsabilidade que nos cabe. Todos somos destinatários da evangelização, é certo. Mas todos somos também protagonistas da mesma, somos evangelizadores, anunciadores, pregadores, pela palavra e pelo testemunho, como verdadeiros discípulos. O Senhor confiou em nós, embora as circunstâncias, as funções, os tempos e o espaço de ação sejam diferentes. E agora que alguns cristãos deixam de viver uma adesão cordial à Igreja na sua rica diversidade e se encostam a este ou àquele grupo, diferente e especial (EG98), ou se julgam portadores duma verdade subjetiva própria que nada mais vê senão a concretização dos seus desejos pessoais, é sempre muito mais exigente a evangelização e o modo de a fazer.
É por isso que todas as oportunidades que surgem para anunciar e avivar a fé das pessoas devem ser bem preparadas e bem aproveitadas. Quem ama quer o bem do outro. Uma festa religiosa, mesmo no meio de toda a alegria que a envolve, é uma dessas oportunidades. Deus quer alcançar a todos pela força da sua Palavra. Isso acontece através da iniciativa e da linguagem humana, em fidelidade ao Espírito. É evidente que nesta preparação se deve envolver toda a comunidade cristã. Se todos se estimularem uns aos outros, todos virão a beneficiar. Por isso, a própria sensibilização para esta preparação não deve ser entendida como uma tarefa apenas do Pároco e dos seus colaboradores mais próximos, nem estes a devem centralizar em si. É de toda a comunidade, a começar pelas famílias com todo o seu agregado familiar, os filhos precisam de perceber isso pelo testemunho dos pais. É importante que se possa auscultar o sentir da comunidade sobre qual a melhor formação neste ano ou para esta festa, e ser bem ponderada a melhor hora, ou horas, para a formação. Manter a hora que é costume, só porque é costume, e manter o mesmo estilo pastoral ou nenhum, empobrece e desmotiva as pessoas. Quem orienta essas formações e momentos de oração deve preparar-se o melhor possível para o fazer com sabedoria e humildade, de forma simples, direta, clara e adaptada, como a Igreja nos pede. Nesse caminho, não deve faltar o apelo à conversão e a disponibilidade, a horas convenientes, para o atendimento das pessoas no Sacramento da Reconciliação.
É de bom senso que “os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a estrutura eclesial se tornem um canal proporcionado mais à evangelização do mundo atual que `à auto preservação” (EG27). Como refere a última Instrução sobre a conversão pastoral da comunidade paroquial ao serviço da missão evangelizadora da Igreja, “a mera repetição de atividade sem incidência na vida das pessoas concretas, permanece uma tentativa estéril de sobrevivência, diversas vezes acolhida pela indiferença geral. Caso não se viva o dinamismo espiritual comum da evangelização, a paróquia corre o risco de se tornar autorreferencial e de se esclerosar” (Instrução da Congregação do Clero, n. 17, 29/06/2020).
Se a vivência cristã da festa implica preparação, as Comissões de Festas devem ter este objetivo como prioritário. Não podem esquecer a sua missão e responsabilidade e deveriam ser as primeiras a provocar a reflexão e a programação conjunta para todos se sentirem comprometidos em alcançar os objetivos traçados. Sabemos que há, por vezes, dificuldade em reunir com estes responsáveis. Muitas vezes até vivem um pouco à margem da comunidade cristã e apresentam-se com todos os direitos e nenhuns deveres. No entanto, já é importante o facto de quererem colaborar. Sem quebrar a cana rachada ou apagar a torcida que ainda fumega (Is 42,3; Mt 12,20), tudo deve ser conseguido em clima de empatia e diálogo fraterno. Muita coisa acontece, ou não acontece, por ignorância das normas, por falta de formação cristã, por falta de acolhimento amigo, por não haver disponibilidade para o diálogo sem preconceitos. Só desarmados e em ambiente de abertura será possível “ver a realidade com os olhos de Deus, na ótica da unidade e da comunhão” (F. 12/06/2019). Embora não seja a única instância de evangelização, o Papa Francisco afirma que a paróquia “possui uma grande plasticidade, pode assumir formas muito diferentes que requerem a docilidade e a criatividade missionária do Pastor e da comunidade”. E acrescenta que temos de reconhecer que o apelo à revisão e renovação das paróquias ainda não deu o fruto suficiente» (cf. EG28). Na sua longa história, a paróquia foi respondendo às exigências pastorais na diversidade dos tempos e das mudanças culturais. E os tempos não param. Como refere a Instrução já citada, hoje, a “rapidez das alterações, a mudança dos modelos culturais, a facilidade para as deslocações e a velocidade da comunicação estão a transformar a perceção do espaço e do tempo” (n.8). O vínculo com o território paroquial “tende a ser sempre menos observado, os lugares de pertença tornam-se múltiplos e corre-se o risco das relações interpessoais se dissolverem no mundo virtual sem compromisso nem responsabilidade com o próprio contexto relacional” (n. 9).
A nossa missão é viver a tempo o nosso próprio tempo. O tempo que nos é dado viver é este com todos os seus avanços e retrocessos, com todas as suas conquistas e desafios. Caminhemos com esperança. Quem nos enviou deu-nos o seu Espírito, confiou em nós. Não defraudemos a confiança que ELE em nós depositou.

D. Antonino Dias . Bispo Diocesano
Portalegre-Castelo Branco, 24-07-2020.


O orgulho destrói as relações




Se lhe abrirem a porta, não é preciso muito tempo até que o orgulho tome conta de qualquer relação. Devorando-a sem que ninguém se aperceba. Chegando a um ponto em que as guerras e as indiferenças se vão sucedendo umas às outras. Não há paz, apenas ruínas e inquietações.

O orgulhoso é incapaz de sair de si e colocar-se no lugar do outro, compreendendo-o, ao mesmo tempo que alimenta a falsa certeza de que ele mesmo está certo e se está a tornar numa vítima do outro.

O orgulho é um dos resultados da ignorância arrogante. Devora tudo à sua volta, até mesmo os méritos verdadeiros. Quando se é soberbo, não se respeita ninguém, nem mesmo que lhe faz bem.

O orgulhoso é um egoísta cheio de vaidade que só é capaz de se valorizar a si mesmo.

O orgulho não é capaz de pedir. Para quem se julga o centro do mundo, a humildade é uma desonra.

O orgulho eleva-nos até ao alto de uma montanha, para de lá nos precipitar para o abismo da infelicidade mais profunda.

Numa qualquer relação, o orgulho impede de ceder e de perdoar, dois momentos fundamentais ao amor em cada dia.


José Luís Nunes Martinso

quinta-feira, 23 de julho de 2020

O laborioso primado da consciência




Declarou o concílio Vaticano II:
«No fundo da própria consciência, o homem descobre uma lei que não se impôs a si mesmo, mas à qual deve obedecer; essa voz, que sempre o está a chamar ao amor do bem e fuga do mal, soa no momento oportuno, na intimidade do seu coração: faze isto, evita aquilo. O homem tem no coração uma lei escrita pelo próprio Deus; a sua dignidade está em obedecer-lhe, e por ela é que será julgado. A consciência é o centro mais secreto e o santuário do homem, no qual se encontra a sós com Deus, cuja voz se faz ouvir na intimidade do seu ser» (“Gaudium et spes”, 16).

O que é, então, a consciência? É a voz de Deus em cada ser humano criado à sua imagem e semelhança, capaz de bem e de mal. É, para cada pessoa, o critério último e definitivo do seu pensar, falar e agir.

No hebraico bíblico, não há um termo correlativo do nosso “consciência”. Na tradução latina das Escrituras, o termo “conscientia” aparece 35 vezes, das quais só três no Antigo e 32 no Novo Testamento. Os termos hebraicos “conhecer” (“jada’) e “coração” (“leb”), como também o grego “syneídesis”, confluem com a sua riqueza semântica para o nosso conceito de “consciência”. Em particular, uma expressão fundamental é «coração que escuta» (1 Reis 3,9), pedido de dom a Deus por Salomão, para poder discernir como concretizar a sua função de rei: o coração capaz de escutar a voz da verdade, a voz de Deus que lhe indica o caminho. Paulo, por seu lado, afirma: «Tudo aquilo que não cem da consciência é pecado» (Romanos 14,23), palavras retomadas pelo axioma: «Quem age contra a sua consciência merece a condenação».

A consciência é voz de Deus, eco da Palavra que ressoa na intimidade, ainda que sempre limitada e condicionada pelo ser humano. Ela é um eco do Espírito Santo, eco reflexo da liberdade de que toda a pessoa é dotada, sempre condicionado pela própria condição humana. Certamente que para exercer a consciência é preciso poder dizer «eu», e, portanto, condição prévia é que haja um espaço de liberdade para este «eu». Isto, no entanto, na consciência de que sobre cada pessoa pesam vários condicionamentos: a história social, familiar, pessoas, as estruturas que nos plasmam, a cultura em que estamos mergulhados, as alterações devidas ao pecado…

A consciência deve ser ajudada a descobrir os seus erros, deve confrontar-se, mas nenhuma autoridade humana tem o direito de pisar a consciência pessoal. Nenhuma autoridade, no limite nem o papa

É sobre o terreno da consciência que todos os humanos deveriam confrontar-se para caminhar juntos. É a consciência o órgão a exaltar para indicar a verdadeira dignidade de cada homem e de cada mulher: um órgão que deve ser absolutamente exercido, para deixar às novas gerações um esboço de criticismo, de resistência, para as habilitar às escolhas que terão, com responsabilidade e criatividade, de assumir e exercer.

Por isso, os cristãos não esqueçam a realidade da consciência, porque é nela que Deus pode falar:

- quando lê a Escritura, saiba que na sua consciência elas podem tornar-se Palavra endereçada pessoalmente a ele;
- quando pensa, exercite-se no discernimento, interrogando-se longamente, em vez de procurar respostas fáceis. Com efeito, é na consciência que, através do exercício da crítica e do confronto, se pode abrir o caminho para a verdade;
- quando reza, procure antes de tudo escutar mais do que falar a Deus. A voz de Deus é um «silêncio subtil» (1 Reis 19,12), e, por vezes, se Ele parece mudo, é porque a surdez do crente se torna impedimento a uma verdadeira escuta;
- quando tem de fazer escolhas, invoque o «Espírito de sabedoria e de discernimento» (Isaías 11,2), dom sempre renovado a quem o invoca (cf. Lucas 11,13). É o Espírito que ilumina e dá força e coragem, parrésia.

A consciência não é uma voz que nos recorda uma lei “já feita”, a aplicar de maneira mecânica, mas pede-nos criatividade e profecia no discernir situações novas, sempre iluminadas pelo princípio fundamental do amor. Por isso, é inviolável, é um santuário, é o tesouro que cada humano recebeu de Deus como dom.

A consciência deve ser ajudada a descobrir os seus erros, deve confrontar-se, mas nenhuma autoridade humana tem o direito de pisar a consciência pessoal. Nenhuma autoridade, no limite nem o papa, segundo a famosa frase de John Henry Newman: «Se eu tivesse de fazer um brinde à religião após um almoço …, então brindaria pelo papa. Mas primeiro pela consciência, e depois pelo papa».



[Enzo Bianchi | In Monastero di Bose]


quarta-feira, 22 de julho de 2020

Há sempre uma casa





Há sempre uma casa. Há sempre um lugar onde podemos regressar sem que nada nos seja pedido. É um lugar de encontro e de comunhão que nos permite elevar a nossa vida.

Há sempre uma casa. Há sempre um abrigo que nos acolhe depois de tudo o que fomos e fizemos. É um espaço de acolhimento sincero e renovador capaz de nos revelar o amor depois de tanta dor.

Há sempre uma casa. Há sempre um telhado que nos deixa repousar dando-nos a certeza de que somos protegidos. É um local onde a segurança nos chega bem devagar fazendo-nos, de novo, acreditar na confiança.

Há sempre uma casa. Há sempre um albergue que nos deixa entrar por nós adentro. Permitindo que nos visitemos mais profundamente sem o medo dos julgamentos de primeira vista. Ajudando-nos a caminhar até aquilo que realmente somos e queremos vir a ser.

Há sempre uma casa. Há sempre uma casa onde a porta permanece aberta. Respeitando os horários da nossa existência. Compreendendo que a sua função é dar-nos esperança. Acolhendo-nos como se se tratasse de um abraço demorado e aconchegante.

Há sempre uma casa. Há sempre um recanto capaz de nos recordar o nosso valor. É ali que nos encontramos depois de andarmos tanto tempo perdidos. É ali que nos guardamos para que nunca se apague aquilo que tanto nos pertence. É ali, por entre as memórias, que nos apercebemos que não estamos sós.

Há sempre uma casa. Saberemos, depois de tantos desvios e trilhos caminhados, o caminho para chegar até ela?


Emanuel António Dias

terça-feira, 21 de julho de 2020

Vaticano lança guia com 124 pontos para paroquias «missionárias»

Congregação para o Clero reafirma papel central dos padres e pede maior articulação nas comunidades


Cidade do Vaticano, 20 jul 2020 (Ecclesia) – A Congregação para o Clero (Santa Sé) publicou hoje a Instrução “A conversão pastoral da comunidade paroquial a serviço da missão evangelizadora da Igreja”, propondo paróquias centradas na sua ação missionária.

“Um tal projeto missionário comum poderia ser elaborado e realizado em relação a contextos territoriais e sociais contíguos, isto é, em comunidades confinantes ou unidas pelas mesmas condições socioculturais ou em referência a âmbitos pastorais afins, por exemplo, no quadro duma necessária coordenação entre pastoral juvenil, universitária e vocacional, como já acontece em várias dioceses”, refere o documento, divulgado hoje pelo Vaticano.

O texto leva em consideração a tradicional ligação das paróquias a um território específico, sublinhando que em muitos lugares as mesmas têm hoje “contextos sociais e culturais profundamente mudados”.

A instrução defende que a paróquia seja um “lugar” que favorece “o estar juntos e o crescimento das relações pessoais duradoiras”, desenvolvendo a “arte da proximidade”.

As comunidades paroquiais, “casas no meio das casas”, são desafiadas à “criatividade” para que se tornem “centro propulsor da evangelização”.

“A ação pastoral tem necessidade de ir além somente da delimitação territorial da paróquia, de fazer transparecer mais claramente a comunhão eclesial através da sinergia entre ministérios e carismas diversos e, não menos, de estruturar-se como uma ‘pastoral orgânica’ a serviço da diocese e da sua missão”, indica o Vaticano.
"Trata-se dum agir pastoral que, através de uma efetiva e vital colaboração entre presbíteros, diáconos, consagrados e leigos e entre diversas comunidades paroquiais de uma mesma área ou região, preocupa-se de individuar junto as questões, as dificuldades e os desafios relativos à evangelização”.




O guia para as paróquias, em 124 pontos, aborda a pastoral das comunidades paroquiais e os vários ministérios clericais e leigos, procurando maior corresponsabilidade, sem deixar de destacar o papel central do pároco como “pastor adequado” da comunidade.

“O ofício de pároco não pode ser confiado a um grupo de pessoas, constituído por clérigos e leigos. Por consequência, devem-se evitar denominações como, ‘equipa guia’ ou outras semelhantes, que pareçam expressar um governo colegial da paróquia”, adverte a Santa Sé.

O documento rejeita que leigos ou diáconos possam “presidir à comunidade paroquial”, por considerar que essa missão compete ao pároco.

“Parece ser mais apropriada, por exemplo, a denominação de ‘diácono cooperador’ e, para os consagrados e os leigos, de ‘coordenador pastoral’”, indica a instrução.

Em circunstâncias excepcionais, os leigos podem celebrar a Liturgia da Palavra e o rito das exéquias, administrar o Batismo ou auxiliar nos matrimónios, com a permissão prévia da Santa Sé, e pregar na igreja ou no oratório, em caso de necessidade, mas “não podem em nenhum caso proferir a homilia durante a celebração da Eucaristia”.

O texto recomenda a criação de um Conselho Pastoral Paroquial, com o objetivo de “pesquisar e estudar propostas práticas em ordem às iniciativas pastorais e caritativas que dizem respeito à paróquia, em sintonia com o caminho da diocese”.

O organismo da Santa Sé toma em consideração vários projetos de reforma das comunidades paroquiais e reestruturação diocesana, que decorrem em vários países do mundo, incluindo Portugal, dedicando particular atenção à questão da “unidade e áreas pastorais”.


“A fim de valorizar uma ação evangelizadora de conjunto e um cuidado pastoral mais eficaz, convém que se constituam serviços pastorais comuns para determinados âmbitos (por exemplo, catequese, caridade, pastoral da juventude ou familiar) para as paróquias do reagrupamento, com a participação de todos os componentes do Povo de Deus, clérigos, consagrados e fiéis leigos”, indica a Congregação para o Clero.

Mons. Andre Ripa, subsecretário da Congregação para o Clero, destaca num comentário à instrução enviado à Agência ECCLESIA, que o sentido do documento é recordar que “na Igreja há lugar para todos e todos podem encontrar o seu lugar”, procurando valorizar cada carisma e preservar a Igreja de algumas possibilidades de “desvios”, como “clericalizar” os leigos ou “laicizar” os clérigos.

O documento remete às indicações do Papa Francisco, na “perspetiva de uma Igreja em saída, capaz de ir ao encontro das almas que têm fome e sede de Deus, com o olhar voltado principalmente aos mais necessitados e aos pobres”.

Outro tema abordado é o da finalidade das coletas e ofertas recolhidas na celebração da Missa e dos Sacramentos, como “uma importante forma de consciencializar a participação dos fiéis e o compromisso para com as necessidades da Igreja e sustentar a sua missão evangelizadora”.

“Trata-se de uma oferta que, por sua natureza, deve ser um ato livre da parte do ofertante, deixando a sua consciência e ao seu sentido de responsabilidade eclesial, não um ‘preço a pagar’ ou uma ‘taxa a exigir’”, sublinha o Vaticano.

OC

segunda-feira, 20 de julho de 2020

Quando for grande...




«Quando for grande

quero uma casa junto ao Céu…»

Helena Kendall – aDeus



Quando for grande quero caminhar à volta de Deus. Esperando que Ele me conte tudo de novo. Que me explique tudo tim-tim por tim-tim e que assim resolva as questões que trago junto do meu coração.

Quando for grande quero caminhar até mim sem nunca Lhe perder de vista. Dirigir-Lhe todos os meus pensamentos e encontrar em cada pôr do sol a certeza que Ele está junto a mim. Num encontro íntimo e duradouro.

Quando for grande quero que as minhas preces Lhe cheguem por correio registado para saber que Ele sempre está. Gostaria até de sentir que durante as minhas descidas continuo a subir até Si e que desbravo caminho de quem se sente verdadeiramente amado.

Quando for grande quero-O abraçar e poder repousar a minha cabeça junto ao Seu peito. Confidenciando-Lhe os meus medos, as minhas indecisões e os meus erros e sentir que me continua a olhar com o mesmo jeito.

Quando for grande quero sentar-me na Sua mesa e servir-Lhe o pão da minha vida para que nas Suas mãos me reinvente. Adorava brindar com Ele a minha existência e perceber, nesta simplicidade, que a ação de graças é uma oração permanente.

Quando for grande quero-Lhe mostrar os caminhos que foram escritos na minha cara. Todos eles humedecidos e salgados pela água da vida, mas também vincados e registados pela força do sorriso. Adoraria falar-Lhe de tudo e entender como é que, entrando no mistério, posso um dia vir a resolver-me.

Quando for grande quero alcançar tudo isto, mas se não puder ser como eu quero, que ao menos me ofereça uma casa junto ao (Seu) Céu!



Emanuel António Dias


domingo, 19 de julho de 2020

Um Deus bondoso e compassivo


https://www.youtube.com/watch?v=HQ4bRoFLFUA


A liturgia do 16º Domingo do Tempo Comum convida-nos a descobrir o Deus paciente e cheio de misericórdia, a quem não interessa a marginalização do pecador, mas a sua integração na comunidade do "Reino"; e convida-nos, sobretudo, a interiorizar essa "lógica" de Deus, deixando que ela marque o olhar que lançamos sobre o mundo e sobre os homens.
A primeira leitura fala-nos de um Deus que, apesar da sua força e omnipotência, é indulgente e misericordioso para com os homens - mesmo quando eles praticam o mal. Agindo dessa forma, Deus convida os seus filhos a serem "humanos", isto é, a terem um coração tão misericordioso e tão indulgente como o coração de Deus.
O Evangelho garante a presença irreversível no mundo do "Reino de Deus". Esse "Reino" não é um clube exclusivo de "bons" e de "santos": nele todos os homens - bons e maus - encontram a possibilidade de crescer, de amadurecer as suas escolhas, de serem tocados pela graça, até ao momento final da opção definitiva.
A segunda leitura sublinha, doutra forma, a bondade e a misericórdia de Deus. Afirma que o Espírito Santo - dom de Deus - vem em auxílio da nossa fragilidade, guiando-nos no caminho para a vida plena.





sábado, 18 de julho de 2020

À Sua espera




Às vezes passamos uma vida inteira à Sua espera. Na esperança que Ele nos entre pela porta adentro. Que nos arrebate por inteiro e que não deixe dúvidas que realmente está presente e ativo.

Somos capazes de permanecer nesta espera. Mantendo uma esperança vazia e sem nenhuma ação achando que este Deus Se revelará como quisermos e quando quisermos. Esquecendo que Ele não atua deste jeito. Ele não anula as leis do mundo e da vida em que vivemos, mas move-Se e deleita-Se sobre elas.

Ficamos tanto tempo à Sua espera que nem reparamos na Sua chegada. Ficamos embutidos num círculo vicioso que não nos permite ver a Sua ação simples e discreta. Caímos nesta cegueira que não nos deixa vislumbrar a Sua plenitude achando que ainda não chegou a nossa vez ou que não somos merecedores da Sua visita e estadia.

Ficamos tanto tempo à Sua espera, no entanto Ele já chegou e já fez morada em toda a nossa humanidade. Decidiu fazer juras de amor por tudo aquilo que somos, de bom e de mau, e mesmo assim não o sentimos. Parece ser algo inatingível. Parece permanecer tudo tão fora do nosso alcance que nem a Palavra consegue dar forma à Sua forma.

Ficamos tanto tempo à Sua espera e quando nos apercebemos estivemos este tempo todo à nossa espera. À espera de nos aceitarmos. À espera de percebermos que n'Ele tudo pode recomeçar. À espera de nos sentirmos merecedores do amor, de sermos amados incondicionalmente. À espera de sermos novamente recebidos em Sua casa de braços abertos e prontos a comer à Sua mesa.

Às vezes passamos tanto tempo à Sua espera, quando na verdade Ele já Se instalou em nossa casa. Nós apenas não quisemos entrar na nossa porta!


Emanuel António Dias


sexta-feira, 17 de julho de 2020

A PROCISSÃO JÁ VAI NO ADRO!...VAMOS À FESTA!...


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As procissões de que falamos aqui são os atos solenes de cariz religioso do povo fiel, caminhando, ordenadamente, com devoção e sentido de fé, de um lugar sagrado para outro, com preces e cânticos. Têm sentido teológico e simbolizam a caminhada do povo de Deus, em comunidade, rumo à pátria definitiva. O cristão precisa de se sentir povo de Deus a caminho, precisa de sair, sair para não se esquecer que é peregrino, sair para ir ao encontro dos outros, sair para anunciar o Evangelho. Falamos das procissões com imagens de Cristo, da Virgem Maria, de Santos e Santas que são levadas em andores. Também podem levar relíquias sagradas, tais como a cruz de Cristo ou outra. Estas procissões são uma realidade da fé totalmente distintas das procissões com o Santíssimo Sacramento de que hoje não falaremos. As imagens não são a pessoa, não são a realidade, são apenas uma representação de Jesus, da Virgem Maria ou de alguém, homem ou mulher, a quem a Igreja declarou santo ou santa. Não se adoram as imagens, seria idolatria. Elas apenas nos recordam a pessoa e a vida desse alguém que representam e que merece o nosso respeito, admiração e gratidão, estimulando-nos a viver como eles rumo à santidade.
Mas “a procissão ainda só vai no adro”. Não sei bem qual é a origem deste ditado popular. Mas tudo leva a crer que resultou de algum acidente, algures, com andores de festa. Se a procissão ainda só vai no adro e o andor já vai a cair, o que mais irá acontecer!... O ditado estendeu-se à vida normal: se já no princípio as coisas correm mal, o que mais aí virá....
Mas, ainda que o andor esteja direitinho, às vezes é mesmo caso para dizer: “e ainda a procissão só vai no adro!”. Mas porquê? O amigo leitor vai-me desculpar o modo como o vou dizer, pois todos temos o maior respeito pela piedade popular e pelas pessoas, tal como vivem a sua fé e trabalham para dinamizar as comunidades. Às vezes, porém, quem preside ou organiza é renitente em mudar seja o que for, entende que só ele ou só eles e elas é que sabem e têm razão. Raspar o escândalo ou pôr-nos à frente dessa gente de pernas para o ar, pode ser que as leve a enxergar que há coisas que se fazem por ser costume, mas que em nada dignificam quem o faz ou quem permite que se faça. As coisas sérias têm de se levar a sério, com responsabilidade e dignidade, não se podem improvisar. Ao longo dos meus anos de sacerdócio passei por muitas festas, em diversidade de funções, desde os distritos de Viana, Braga, e parte do Porto, Castelo Branco, Santarém e Portalegre. Assisti a muita coisa digna, construtiva e bela, felizmente a maior parte. Mas também assisti a muita coisa a que não desejava ter assistido, causando enorme sofrimento aos responsáveis pelas comunidades. São sobretudo estas experiências menos boas, vividas umas ali, outras acolá e mais além, que vou realçar para que se evitem o mais possível.
Há procissões que abrem com cavalos, às vezes com mau feitio aliado ao mau feitio das esporas do cavaleiro. Já ouvi os mais dedicados às ciências matemáticas de entre o povo a dizer que o conjunto (cavalo e cavaleiro) formavam uma verdadeira fração imprópria em que o numerador era maior que o denominador, tais eram as diabruras equinas a fazer fugir o povaréu. Em certos sítios, já são mais os andores que a gente capaz para os levar em procissão, pena é que só se dê por isso à hora da saída da mesma. Por outro lado, não raro, quem aparece para os levar não casam bem, isto é: um é gigante, outro é pigmeu, outros, assim assim. Como equilibrar e aguentar o peso do andor pelo caminho sem haver queixumes e paragens desnecessárias?. As opas, porque ninguém se lembrou delas, estão todas enrodilhadas, sem jeito nem apetite. Está ali um voluntário adulto que vem em calções e a opa cobre-lhe os calções fazendo dele uma figura muito mais excêntrica que aqueles caretos património da humanidade. Mais além, outro voluntário dá nas vistas, está a vestir a opa e a fazer lembrar o “ai! verdinho, meu verdinho, esquecer-te não há maneira”!... Há crianças a figurar como “anjinhos”, mas a chorar, porque demasiadamente pequeninas, o que não vai ajudar ao bom clima da procissão e os pais também não vão ficar bem na fotografia por sujeitarem a criança a tal sacrifício. Ali, ao canto, há confusão, ainda se discute qual a ordem das confrarias, associações e andores na procissão. Falta gente para isto, falta gente para levar aquilo, falta gente disponível para colaborar, apesar de estar por ali alguém a ver a aflição de tantos mas a agir como estranho ou como se nada lhe dissesse respeito. É sempre um momento de aflição e nada feliz a provar que a procissão não foi pensada em devido tempo nem convenientemente preparada por quem o devia ter feito.
Mas também as coisas se complicam quando há devoções mal entendidas. Por exemplo: há gente que faz a promessa de ir de joelhos debaixo ou atrás do andor. Não estou a fazer juízos sobre a fé das pessoas nem sobre os momentos aflitivos da vida em que a sua generosidade as levou a prometer o que prometeram. Só estou a dizer que há promessas que não se devem fazer. Ninguém deve fazer uma promessa cujo cumprimento depende da vontade de outros. Como sujeitar centenas ou milhares de pessoas a terem de esperar que esta pessoa vá de joelhos na procissão? Como aceitar um segundo andor do mesmo Santo ou da Virgem Maria na mesma procissão só porque alguém o prometeu? Como é que a paróquia há de aceitar a promessa da oferta de uma imagem para a igreja se lá está outra igual e até no mesmo altar? Não seria melhor perguntar aos responsáveis o que é que fará falta na igreja e oferecer o que é preciso? Não seria melhor atender a uma necessidade social ou a outra causa nobre?
Outra coisa a fazer aquecer os fusíveis é o dinheiro alfinetado nos mantos das imagens, também por promessa, dizem. Será que pensam que o Santo se deixa subornar ou que está à venda como qualquer desportista? A fé não deve ser maltratada a esse nível, nem o rosto da piedade cristã deve ser assim desfigurado. São gestos que escandalizam, fruto de atitudes sempre incómodas de quem teima em não querer compreender o ridículo da situação. Ninguém duvida que essas pessoas se sintam Igreja, mas vivem à margem das suas normas e orientações, querendo impor as suas ideias e maneiras de ver. Pior ainda quando são os próprios festeiros a exigir que isso aconteça, gerando tensão com os responsáveis paroquiais que têm a obrigação de superintender sobre a dignidade do que se faz em Igreja e cuidar do bom nome da comunidade cristã.
Outra fonte de guerra, por vezes, é o percurso da procissão. Porque sempre foi por aqui, tem de ser por aqui, mesmo que seja por entre o cheiro de grelhados, o barulho das tendas e os parques de diversão. Se, de facto, não é possível outro caminho, porque não se acordou com os feirantes etc. para tudo parar na altura da passagem da procissão? Não são a Eucaristia e a Procissão os pontos mais altos da festa cristã onde todos se empenharam? Outras vezes, pode ser por causa de alguém que dá avultada oferta para a festa, reivindicando o trajeto de costume só para se afirmar na terra e mostrar a procissão aos amigos e convidados para a sua festa, ali debruçados na sacada da sua casa, sobre uma bela colcha da sua tetravó, anualmente escavada das profundezas da arca a cheirar a naftalina e eucalipto! Enfim, tradições impostas, regra geral, por quem mandava ou quer mandar nas terras puxando por razões sem razão ou por pergaminhos já muito afetados por cupins e patologias várias. No entanto, hoje não faz qualquer sentido a procissão passar por ali. A situação local mudou. O próprio povo, que sempre é dado a conservar o costume, já entendeu que, de facto, não faz sentido. Critica quem não tem a coragem de a mudar e até sabe porque é que isso não acontece. Sim, ninguém que se respeite a si próprio e aos outros pode querer comprar a festa. Ninguém, por a oferta de alguém ser grande, lhe deve subserviência!
Noutros locais, luta-se para que a procissão tenha um percurso maior, rabujando uns para cada lado sem se sentarem e combinarem com serenidade o que será melhor. O percurso duma procissão não é o duma peregrinação. Recorda-me duma festa em que estive quando ainda era Reitor do Seminário da minha Diocese de origem, em que os festeiros teimaram em mudar o percurso da procissão, levando-a, contra todas as indicações e contra os responsáveis da Paróquia, à estrada nacional. Aconteceu que ao chegar ao local de virar pelo percurso habitual, percurso ainda bem integrado, os que iam à frente do Pálio com as bandeiras e o mais que fazia parte, resolveram ir em frente sob as ordens dos festeiros. O Pároco, que presidia, e todo o povo que o acompanhava em procissão, voltaram pelo percurso habitual. A procissão dividiu-se e não foi bonito, a festa terminou em tensão. De facto, os festeiros não estão em nome próprio nem podem esquecer quem é que estão a representar e como devem agir, há normas. A formação e o diálogo é essencial. Em muitos lados também o final da procissão não corre com aquela dignidade que se deveria esperar, as pessoas logo se despacham sem esperar pela bênção e conclusão final. Apostar na dignidade do que se faz também é evangelizar. E se é importante não desistir de formar o povo para o respeito devido a estes atos, também é sempre aconselhável que as pessoas - crianças, jovens e adultos -, se integrem na procissão, testemunhando a sua fé e devoção, lembrando que somos Igreja a caminho. Como diz o ditado, “só quem toca carrilhão, não vai na procissão”.

D.Antonino Dias - Bispo Diocesano
Portalegre-Castelo Branco, 17-07-2020.