sexta-feira, 2 de junho de 2023

UNS NÃO PODEM - OUTROS NÃO QUEREM...


Que alegria encontrar jovens que amam a vida e gostam de viver, em liberdade interior e exterior, com responsabilidade, em comunhão dinâmica! Francisco escreveu que “Em alguns jovens reconhecemos um desejo de Deus, embora este não tenha todos os contornos do Deus revelado. Noutros, poderemos vislumbrar um sonho de fraternidade, que não é pouco. Em muitos, haverá um desejo real de desenvolver as capacidades que neles existem para dar um contributo ao mundo. Em alguns vemos uma sensibilidade artística especial ou uma busca de harmonia com a natureza. Noutros talvez haja uma grande necessidade de comunicação. Em muitos deles encontraremos um profundo desejo de uma vida diferente. Trata-se de verdadeiros pontos de partida, de fibras interiores que esperam, com abertura, uma palavra de estímulo, de luz e de alento” (CV84).
Sabemos que a vida concreta dos jovens por esse mundo além é muito diversa. Uma olhadela pelo capítulo III da Exortação ‘Cristo Vive’ dá-nos conta disso. Uns têm tudo, outros não têm nada. Uns têm todas as oportunidades para singrar na vida, outros têm poucas ou nenhumas. Uns vivem apaparicados sem darem valor a nada, outros sofrem as vergastadas da vida e tudo sabem valorizar. Uns vivem em lares cinco estrelas, outros em bairros degradados. Uns constroem a sua vida com o esforço pessoal, outros destroem a sua pela falta dele. Uns trabalham porque precisam, outros só trabalham se quiserem. Uns comprometem-se em mudar a sociedade, outros ficam a olhar da janela. Uns querem ganhar o necessário para viverem com dignidade, outros desperdiçam o que têm. Uns, mais pobres, cedo entram no mercado de trabalho, abandonando os estudos e, mesmo assim, em situações precárias, outros têm mais tempo para os estudos, seguem estudos superiores e assumem cargos de maior prestígio e maior qualificação no mercado de trabalho. Uns vivem em contextos de guerra ou de violência indesejável, outros não sabem agradecer a tranquilidade e a paz que os envolve. Uns, sem família, sofrem sequestros, extorsões, tráfico humano, escravidão e exploração sexual, outros esquecem o valor dum lar que lhes deu a vida, o amor e o bem-estar social. Uns são manipulados, colonizados ideologicamente e usados em ambientes de crime organizado, tráfico de droga, terrorismo ou força de choque para vandalizar e destruir, outros, mercê das suas circunstâncias, tornam-se individualistas, egoístas como se fossem o centro do mundo. Uns convertem-se em presa fácil para propostas desumanizadoras de grupos políticos ou poderes económicos centralizados em si, outros dispensam-se da colaboração política, social e económica em prol do bem-comum. Uns sofrem a exclusão social por razões religiosas, étnicas ou económicas, outros zombam da fé de terceiros e agem com discriminação. E que dizer da difícil situação de adolescentes e jovens que ficam grávidas em situações de marginalização, e que dizer das várias formas de dependência ou de escravização de que sofrem tantos jovens e da situação de crianças, adolescentes e jovens de rua, que carecem de casa, família e recursos económicos...
E afirma o Papa Francisco: “Não podemos ser uma Igreja que não chora à vista destes dramas dos seus filhos jovens. Não devemos jamais habituar-nos a isto, porque, quem não sabe chorar, não é mãe. Queremos chorar para que a própria sociedade seja mais mãe, a fim de que, em vez de matar, aprenda a dar à luz, de modo que seja promessa de vida. Choramos ao recordar os jovens que morreram por causa da miséria e da violência e pedimos à sociedade que aprenda a ser uma mãe solidária. Esta dor não passa, acompanha-nos, porque não se pode esconder a realidade. Talvez aqueles de nós que levamos uma vida sem grandes necessidades não saibamos chorar. Certas realidades da vida só se veem com os olhos limpos pelas lágrimas. Convido cada um de vós a perguntar-se: Aprendi eu a chorar, quando vejo uma criança faminta, uma criança drogada pela estrada, uma criança sem casa, uma criança abandonada, uma criança abusada, uma criança usada como escravo pela sociedade? Ou o meu não passa do pranto caprichoso de quem chora porque quereria ter mais alguma coisa?» Procura aprender a chorar pelos jovens que estão pior do que tu. A misericórdia e a compaixão também se manifestam chorando. Se o pranto não te vem, pede ao Senhor que te conceda derramar lágrimas pelo sofrimento dos outros. Quando souberes chorar, então serás capaz de fazer algo, do fundo do coração, pelos outros. Às vezes o sofrimento dalguns jovens é lacerante, um sofrimento que não se pode expressar com palavras, um sofrimento que nos fere como um soco. Estes jovens só podem dizer a Deus que sofrem muito, que lhes custa imenso continuar para diante, que já não acreditam em ninguém. Mas, neste grito desolador, fazem-se ouvir as palavras de Jesus: «Felizes os que choram, porque serão consolados» (Mt 5, 4).
Há jovens que conseguiram abrir caminho na vida, porque lhes chegou esta promessa divina. Que junto dum jovem atribulado, possa haver sempre uma comunidade cristã para fazer ressoar aquelas palavras com gestos, abraços e ajuda concreta! (cf. Cristo Vive, cap. III).
Que a JMJ seja uma festa da fé, uma experiência de igreja e de missão, uma ocasião de discernimento vocacional, uma experiência de peregrinação e de fraternidade universal. Um momento para descobrir Deus presente no coração da história do mundo e de cada um.

D.Antonino Dias - Bispo Diocesano
Portalegre-Castelo Branco, 02-06-2023.


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