Testemunho de um Peregrino do Caminho de Santiago
Depois, o caminho propriamente dito também não foi fácil. Tive as minhas crises. A pior delas, logo ao terceiro dia. 800km e 32 dias depois, pensei que, ao chegar a Santiago, sentiria uma alegria inexplicável. Não senti. Uma enorme comunhão com Deus. Não senti. Estaria à espera de notar crescimento interior - ao menos na proporção em que perdi peso e ganhei cor. Não senti. Senti antes aquilo a que chamei 'síndrome do pós-Caminho': uma sensação desconfortável, algures entre o atordoamento e a atonia. Não pude senão resignar-me e aceitar a minha condição. Mas hoje percebo.
Os frutos demoraram a chegar. Agora, passados três anos, posso dizer que teria preferido ver crescer em mim campos de girassóis e vinhas como as que se estendiam pelas planícies de Castela. Claro que sim. Mas o Caminho decidiu plantar em mim árvores de grande porte - como as das florestas galegas. Por isso demoraram tanto a aparecer. São árvores daquelas que não caem com qualquer vento ou tempestade. E aí, sim: inexplicavelmente sinto que cresceu em mim uma confiança de fundo que não havia antes. Portanto hoje é um dia para agradecer a experiência do Caminho, aquele marco, as pessoas, a floresta plantada em mim. E é tempo de pedir por todos os que se sentem peregrinos.
João Delicado
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