quarta-feira, 5 de abril de 2017

Quem (te) morre, vive em ti.




Quem morre não volta para trás. Enraíza-se ao outro lado do caminho e torna-se invisível à presença de quem ficou. Quem morre, inscreve-se à força numa jornada que não pediu nem viu chegar. Quem morre, não parte. Partir é muito mais bonito do que morrer. Escolhemos a palavra partir para falar da morte porque detestamos pronunciar-lhe o nome. Quem morre, não volta. Precipita-se num fim que o coração não compreende nem abarca. Quem morre, morre. Não parte. As partidas são despedidas que se querem. A morte, não. A morte é uma despedida rasgada. Uma ferida que não se anuncia. Talvez tratá-la por tu seja meio caminho andado para a encarar. Dizer-lhe o nome. Ter menos medo de a colocar na voz. A morte é a morte. Ponto final.

Mesmo assim, depois de um ponto final, abre-se um livro de hipóteses e possibilidades. Depois da morte, o que sobra?! Depois da morte, o que se faz e o que se diz?!

Nada. Ponto final. As palavras escondem-se todas dentro da pele, à espera de não serem vistas. Nunca mais. Somos todos irmãos de sangue quando nos morre alguém. Sentimos igual. Perdemos igual. Choramos igual. Morremos igual. Vamos agarrados à vida que nos abandonou como se fosse nossa também. E voltamos, de repente, a ser crianças de colo outra vez. Quem morre, fica. Connosco e por nós. Através da pele que temos e da voz que somos. Ficamos juntos entre o lado de cá e o lado de lá da vida. Ou da morte. Ficamos de mãos suspensas como quem sabe que, um dia, as dará outra vez. Mãos apertadas como antes. Coração espalmado um contra o outro. Como dantes. A temperatura da alma outra vez sintonizada. Como dantes. Os olhos fecham-se e permitem-nos tornar novas as memórias que não sabem o caminho de regresso. Afinal ninguém chega a morrer. Nem mesmo pela dor de quem nos morreu. Estamos juntos. À beira da maré de quem nos pertenceu, um dia. Estamos juntos. À porta de uma casa que se encheu de vazios e de silêncios. Estamos juntos. Separados apenas por aquilo que não chegou a acontecer. Ainda assim, o que aconteceu foi (sempre) muito maior.

Quem morre, fica. Em forma de asa e de sopro de vento que se há-de guardar sempre no lugar mais bonito do mundo. Deste. Ou do outro.

Marta Arrais (29-03-2017) em iMissio

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