sábado, 22 de abril de 2017

DO CONFLITO À COMUNHÃO



Em 31 de março passado, Francisco, recebeu os participantes no simpósio internacional promovido pelo Pontifício Comité das Ciências Históricas e sob o tema “Lutero 500 anos depois. Uma releitura da Reforma Luterana em seu contexto Histórico Eclesial”. O Santo Padre, depois de ouvir uma síntese sobre o enquadramento deste Congresso, manifestou o que sentia: “Confesso-vos que o meu primeiro sentimento perante esta louvável iniciativa do Pontifício Comité de Ciências Históricas é um sentimento de gratidão a Deus, acompanhado também por uma certa admiração, ao pensar que não há muito tempo um congresso deste tipo teria sido totalmente impensável. Falar de Lutero, católicos e protestantes juntos, por iniciativa de um organismo da Santa Sé: deveras verificamos concretamente os frutos da ação do Espírito Santo, que ultrapassa qualquer barreira e transforma os conflitos em oportunidades de crescimento na comunhão. Do conflito à comunhão é precisamente o título do documento da Comissão Luterana-Católica Romana em vista da comemoração comum do quinto centenário do início da Reforma de Lutero.
Alegrei-me quando tomei conhecimento que esta comemoração ofereceu a estudiosos provenientes de várias instituições a oportunidade de olhar juntos para aqueles eventos. Aprofundamentos sérios sobre a figura de Lutero e a sua crítica contra a Igreja do seu tempo e o papado contribuem sem dúvida para superar aquele clima de desconfiança recíproca e de rivalidades que por demasiado tempo no passado caraterizou as relações entre católicos e protestantes. O estudo atento e rigoroso, livre de preconceitos e polémicas ideológicas, permite que as Igrejas, hoje em diálogo, possam discernir e assumir o que de positivo e legítimo houve na Reforma, e de se distanciar dos erros, exageros e falências, reconhecendo os pecados que tinham levado à divisão. Estamos todos bem cientes de que o passado não pode ser mudado. Todavia, hoje, depois de cinquenta anos de diálogo ecuménico entre católicos e protestantes, é possível efetuar uma purificação da memória, que não consiste em realizar uma correção impraticável de quanto aconteceu há quinhentos anos, mas em «narrar esta história de forma diferente» (Comissão Luterana-Católica Romana para a unidade, Do conflito à comunhão, 17 de junho de 2013, 16), já sem vestígios daquele rancor pelas feridas sofridas que deforma a visão que temos uns dos outros. Hoje, como cristãos, somos todos chamados a libertar-nos dos preconceitos em relação à fé que os outros professam com uma ênfase e uma linguagem diferente, e a conceder-nos reciprocamente o perdão pelas culpas cometidas pelos nossos pais e a invocar juntos de Deus o dom da reconciliação e da unidade….”.
O amigo leitor sabe, com certeza, que quando falamos em diálogo ecuménico, estamos a falar do diálogo entre as Igrejas cristãs: as Igrejas Católica, Ortodoxa, Anglicana, Presbiteriana, Evangélica, Metodista... São João Paulo II, ao dobrar do milénio, afirmava que a unidade dos cristãos “é um problema crucial para o testemunho evangélico no mundo” (TMA 34). Aos Secretários de “Christian World Communions”, em 12/10/2016, Francisco dizia que “muitas vezes pensamos que o trabalho ecuménico é só dos teólogos. Por isso é importante que os teólogos estudem, se ponham de acordo e exprimam o desacordo; isto é importante. Mas, ao mesmo tempo, o ecumenismo é feito a caminho. A caminho com Jesus, não com o meu Jesus contra o teu Jesus. O caminho é simples: é feito com a oração e com a ajuda aos outros. Rezar juntos: o ecumenismo da oração, uns pelos outros e todos pela unidade”.
Por sua vez, quando falamos em diálogo inter-religioso, estamos a falar do diálogo entre as grandes tradições religiosas do mundo. O Concílio Vaticano II referia quatro grandes religiões: o Judaísmo, o Islão, o Hinduísmo e o Budismo. A reflexão e o diálogo posteriores, porém, foram incluindo religiões tradicionais da África e afro-índias da América.
A necessidade do diálogo inter-religioso aparece nos textos do Vaticano II e a Igreja Católica tem procurado aproximar a todos nesse sentido, como, por exemplo, com as Jornadas conjuntas em Assis, sempre realizadas sem simplismos niveladores nem entrincheiramentos descabidos. São João Paulo II, percebendo para este novo milénio um pluralismo cultural e religioso mais acentuado, afirmava que o diálogo inter-religioso “é importante até para criar uma segura premissa de paz e afastar o espectro funesto das guerras de religião que já cobriram de sangue muitos períodos na história da humanidade. O nome do único Deus deve tornar-se cada vez mais aquilo que é: um nome de paz, um imperativo de paz (NMI 55).
Hans Kung, por sua vez, escreveu que “Não haverá paz entre as nações sem a paz entre as religiões. Não haverá paz entre as religiões sem o diálogo entre as religiões. Não haverá diálogo entre as religiões se não se investigam os fundamentos das religiões”.

D.Antonino Dias - Bispo de Portalegre Castelo Branco
21-04-2017

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