sexta-feira, 9 de março de 2018
NEM ERA RAPAZ NEM AZARIAS...E LEVARAM O CÃO!...
Quando os pais de Tobias o mandaram procurar um companheiro de confiança para ir com ele recuperar um dinheiro – 300 quilos de prata - que tinham deixado a Gabael, em Rages, na Média, Tobias encontrou, logo à saída da porta, um jovem que se fez encontrado e que pedia trabalho. Tobias foi apresentá-lo ao pai que quis saber de que família e de que tribo era e qual o seu nome. Satisfeito com as informações dadas pelo jovem, ficou a saber que se chamava Azarias, que conhecia todos as planícies, montanhas e caminhos até chegar a essa terra, e que até já se tinha hospedado em casa desse tal Gabael. Alinhado o acordo, Azarias ficou contratado para acompanhar Tobias. Antes de partirem, Azarias prometeu a Tobit, pai de Tobias, que em breve iria recuperar a vista. Como sabemos, a pontaria de um pardalito sem problemas de obstipação, traquina e atrevido, tinha-lhe destruído a vista, quando ele, em tarde de assanhada canícula, descansava, de papo para o ar, lá no pátio da sua casa. Com o cão a acompanhá-los, Tobias e Azarias partiram então para Média ao encontro de Gabael. E de tal eficácia foi o companheirismo de Azarias que, ao passarem por Ecbátana, tendo pernoitado em casa de uma família cujo casal se chamava Raguel e Edna, convenceu Tobias a pedir a filha destes em casamento. E casaram!... E houve festa rija por largos dias! De tal forma foi o envolvimento na alegria dos preparativos para a festa, que, só depois, e a partir dali, Azarias, agora acompanhado por quatro criados e dois camelos lá de casa, foi junto de Gabael a buscar o dinheiro e a convidá-lo também para a festa. Tanto os noivos como os familiares e convidados, todos alinhavam no desejo e na preocupação de que o casamento acontecesse segundo os desígnios de Deus, que Deus o abençoasse e o protegesse. De facto, o matrimónio não é uma relação egoísta que se possa assumir de-ânimo-leve, nem a prazo. É uma relação de partilha onde a mulher e o homem crescem juntos e juntos, sabendo ultrapassar os solavancos da vida, vivem o presente com alegria e constroem o futuro com esperança a caminho da eternidade. O modo como Tobias, Sara, Raguel e Edna se tratavam, mostra como o matrimónio amplia a relação familiar e, ao mesmo tempo, como abre a família à sociedade, deixando constatar também como a alegria da mãe é a presença viva dos filhos e a alegria do pai é ver os filhos bem-sucedidos na aventura da vida. Mas todos procuravam contribuir para que isso pudesse traduzir-se em realidade, sem intromissões indevidas, com discrição e em liberdade responsável.
Quando Tobias ganhou balanço e coragem para pedir Sara em casamento, o pai de Sara, Raguel, com uma certa dúvida sobre o futuro do casamento, pois sabia das mágoas que a sua filha já tinha sofrido, depois do convincente parlatório do pretendente, disse-lhe: “A minha filha vai ser-te dada em casamento … Que o Senhor do céu vos ajude … vos conceda a Sua misericórdia e a Sua paz”. Após os bem-sucedidos festejos do casamento, despediu-se dele, dizendo-lhe: “…Vai em paz. Que o Senhor do céu te conduza a ti e à tua esposa Sara pelo bom caminho...” E disse a Sara: “…Vai em paz minha filha! Que eu tenha sempre boas notícias tuas durante toda a minha vida”. A mãe de Sara, Edna, por sua vez, muito lacrimosa pela filha, disse a Tobias, agora seu estimado genro: “Meu filho Tobias… que o Senhor um dia te faça voltar e que, antes de morrer, eu possa ver os teus filhos e de minha filha Sara. Não lhe causes tristeza durante todos os dias da tua vida. Vai em paz…”. Ao se afastarem, Tobias reafirma-lhes: “Que eu seja digno de vós, todos os dias da minha vida”.
Quando chegaram a casa de Tobit e Ana, pais de Tobias, que não tinham estado nem sabiam do casamento, encontraram-nos preocupados com tanta demora do filho nessa viagem. Lá se explicaram sobre o porquê da demora e Azarias não perdeu tempo. Com o fel que Tobias tinha arrancado ao peixe que o assustara quando, na viagem, lavava os pés no rio, fez com que Tobit, pai de Tobias, recuperasse a vista. Agradecido e testemunhando a todos que Deus teve misericórdia dele e lhe devolveu a visão, Tobit saiu eufórico ao encontro de Sara, esposa de seu filho, e deu-lhe a bênção: “Sê bem-vinda, minha filha! …Sê bem-vinda a esta casa. Fica alegre e à vontade. Entra…”. E “todos os judeus que viviam em Nínive … durante sete dias festejaram alegremente o casamento de Tobias”.
Para sossego dos mais curiosos e impacientes com o que lhe terá acontecido, sei que o cão foi e regressou com eles, são e salvo. Não sei é se conseguiu entrar nalgum restaurante, se era perigoso, se tinha pedigree, se levava trela ou açaime, se tomava banho, se tinha as vacinas em dia, se constava lá no registo canino do tempo... sim, nada consta, nada disso eu sei.
Mas chega agora um delicado momento, até porque Tobias, filho de um judeu justo, bom e fiel a Deus e aos homens, tinha sido educado na verdade, na justiça, na gratidão e no respeito pelos outros. Era preciso fazer as contas com o rapaz, com Azarias: “Pai, quanto lhe devo dar? Ele conduziu-me são e salvo, libertou a minha mulher, resgatou o dinheiro e ainda o curou a si. Como é que lhe vou pagar?”. Chamaram o jovem e acordaram pagar-lhe metade de quanto tinham trazido. Azarias, porém, não era quem dizia ser, muito menos quem eles pensavam que fosse. Depois de mais alguma conversa sobre deveres da pessoa para com Deus, para consigo mesma e para com o próximo, Azarias apresentou-se-lhes e os dois ficaram boquiabertos e caíram de rosto por terra: “… Eu sou Rafael, um dos sete anjos… Não tenhais medo! Que a paz esteja convosco! Bendizei a Deus para sempre …Vós julgáveis que eu comia, mas era só aparência. Agora, bendizei ao Senhor na terra e agradecei a Deus. Vou voltar para aquele que me enviou …”.
Tobias e Sara, cientes de que o casamento era para sempre e que os devia levar a crescer juntos com abertura para Deus que os amava e unira, logo depois do casamento convidaram-se mutuamente à oração. Rezaram juntos, deram graças a Deus pelo dom de cada um deles para o outro e para o bem de ambos. Pediram ao Senhor que lhes concedesse a sua misericórdia e a sua proteção. Que tivesse piedade deles e os fizesse chegar juntos a uma ditosa velhice.
Na verdade, quando a vida e as opções fundamentais da vida, como, por exemplo, a constituição duma família, quando todas as coisas se assumem com responsabilidade e tudo é sonhado em Deus e com Deus, Deus está, não falha, e até nos confia a um Anjo da Guarda que nos rege, protege e ilumina. O justo nunca vive sozinho, está sempre acompanhado e protegido por Deus. ((Aconselho a ler este pequeno livro sapiencial do Velho Testamento, o Livro de Tobias, uma espécie de romance ou novela que transmite belos ensinamentos e se lê com muito agrado e proveito)).
D. Antonino Dias - Bispo de Portalegre Castelo Branco
Portalegre, 09-03-2918
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