domingo, 28 de fevereiro de 2021

ESCUTAI-O

 

https://www.youtube.com/watch?v=HIjhce36rrc


No segundo Domingo da Quaresma, a Palavra de Deus define o caminho que o verdadeiro discípulo deve seguir para chegar à vida nova: é o caminho da escuta atenta de Deus e dos seus projectos, o caminho da obediência total e radical aos planos do Pai.
O Evangelho relata a transfiguração de Jesus. Recorrendo a elementos simbólicos do Antigo Testamento, o autor apresenta-nos uma catequese sobre Jesus, o Filho amado de Deus, que vai concretizar o seu projecto libertador em favor dos homens através do dom da vida. Aos discípulos, desanimados e assustados, Jesus diz: o caminho do dom da vida não conduz ao fracasso, mas à vida plena e definitiva. Segui-o, vós também.
Na primeira leitura apresenta-se a figura de Abraão como paradigma de uma certa atitude diante de Deus. Abraão é o homem de fé, que vive numa constante escuta de Deus, que aceita os apelos de Deus e que lhes responde com a obediência total (mesmo quando os planos de Deus parecem ir contra os seus sonhos e projectos pessoais). Nesta perspectiva, Abraão é o modelo do crente que percebe o projecto de Deus e o segue de todo o coração.
A segunda leitura lembra aos crentes que Deus os ama com um amor imenso e eterno. A melhor prova desse amor é Jesus Cristo, o Filho amado de Deus que morreu para ensinar ao homem o caminho da vida verdadeira. Sendo assim, o cristão nada tem a temer e deve enfrentar a vida com serenidade e esperança.

 À ESCUTA DA PALAVRA.
A sua Palavra como uma semente de vida... "Mestre, como é bom estarmos aqui! Façamos três tendas: uma para Ti, outra para Moisés, outra para Elias". Dito de outro modo: instalemo-nos, fiquemos aqui para sempre, estamos tão bem a contemplar a tua glória! Como seria tão bom se nós tivéssemos podido guardar Jesus glorioso no meio de nós! Ele manifestaria desde agora a sua vitória sobre todas as forças do mal e sobre a própria morte. Ele curaria todas as doenças, Ele estabeleceria a justiça, Ele apaziguaria todas as tempestades, Ele suprimiria todas as violências. Jesus estaria sempre ao nosso serviço, à nossa disposição! Seria verdadeiramente o paraíso na terra! Mas Jesus não se deixou apanhar na armadilha. "Olhando em redor, não viram mais ninguém, a não ser Jesus, sozinho com eles". Foi necessário retomar o caminho quotidiano. Será preciso que atravessem a noite do Gólgota, depois os seus próprios sofrimentos e a sua própria morte. Jesus não veio tirar-nos da nossa condição humana com uma varinha mágica. Mas Ele vem juntar-se a nós nos nossos caminhos pedregosos, dando-nos o seu Espírito para que nos tornemos capazes de O escutar, no mais íntimo de nós mesmos. Então a sua Palavra pode enraizar-se cada vez mais profundamente em nós, como uma semente de vida. Não a percebemos sempre... mas ela rebentará na plenitude da luz, na Ressurreição com Jesus.

https://www.dehonianos.org/portal/liturgia/?mc_id=3263


sábado, 27 de fevereiro de 2021

Quem fala do que não sabe, pode ouvir o que não quer!



Temos ouvido muitos especialistas, muitos médicos, muitos epidemiologistas, muitos políticos, muitos jornalistas, muitos moderadores, muitos enfermeiros, muitos professores, muitos pais e muitas mães, muitos alunos, muitos cuidadores, muitas pessoas. Todos se sentem no direito de dar a sua opinião. De comentar. De desdizer. De contrariar. De concordar. De rebater. De ironizar. De intimidar. De apoiar. De sentir compaixão. De gerir a informação.

Todos temos, realmente, o direito de falar sobre o que se vai passando connosco e, na verdade, todos estamos profundamente implicados no contexto catastrófico dos dias que experimentamos.

Aquilo que me parece pouco adequado, e pouco pertinente também, é ver pessoas de áreas que não são a sua a emitir juízos de valor sobre assuntos que não dominam. Que não conhecem e sobre os quais não sabem absolutamente nada.

No meio do mar de informações contrárias, de comentários e de discursos com mais ou menos sentido, há que selecionar a água limpa do meio do lodo. Há que descobrir a folha fresca no meio das folhas velhas. Há que retirar a frase importante do meio da “palha” do que se diz.

Se não sabemos de ciência, procuremos saber antes de falar. Se não sabemos de medicina, de enfermagem, de cuidados em fim de vida, de apoio aos doentes, procuremos ficar em silêncio sobre essas matérias e limitar-nos a ouvir (e a ler) quem sabe. Não é preciso ouvir nem ler todos os que sabem. Escolher uma “fonte” fidedigna e revisitá-la é, talvez, a melhor maneira de gerir o exagero de dados com que somos confrontados todos os dias.

E outra coisa… quando ouvirmos falar alguém que SABE do assunto, optemos por não interromper, por não falar antes de tempo. Por não fazer perguntas idiotas. Por optar por atitudes de água fresca em vez de atitudes de atirar madeira em brasa.

Isto é difícil (para dizer o mínimo) para todos.

Vê se ouves mais e falas menos.



Marta Arrais

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

UM GENERAL FURIBUNDO RENDIDO À EVIDÊNCIA



Muito antes do tempo dos afonsinhos, há cerca de três mil anos mais segundo menos segundo, Israel sofreu as passas do Algarve com a Síria, ao tempo uma grande potência. Neste tempo da Quaresma em que cada um é convidado a guerrear-se contra as adversas potências interiores, é bom reconhecer a capacidade de resistência e deitar mão das armas que conduzam à vitória. Porque o testemunho, negativo ou positivo, de outros nos pode ajudar nessa tarefa, hoje apresento-lhes um belo exemplar.
Nos tempos referidos, o exército da Assíria era comandado por Naamã, um grande estratega, muito aplaudido e confiante nas suas próprias forças. Um dia, porém, a doença bateu-lhe à porta, ficou fraco e leproso. A lepra, uma das doenças mais antigas da humanidade, era uma doença terrível, não só pelos danos ao corpo, mas também porque era atribuída a libertinagens, pecados, castigos divinos, e sei lá mais o quê!... Sem cura e contagiosa, ela reclamava o afastamento da comunidade, osso duro de roer e ruminar , mas era assim, um grilhão difícil de suportar. E que fazer agora com o ilustre general? O que não fazer? Como sair desta? Eis a questão!... Sim, essa era a questão de Naamã e dos seus. E qual será a nossa questão nestas pelejas da Quaresma?
Quando as tropas da Assíria atacaram Israel, levaram, prisioneira, uma jovenzinha, que ficou ao serviço da esposa de Naamã. Sem ressentimentos por ter sido deportada - apanágio dos simples e humildes! -, esta jovem compadeceu-se do doente e falou à sua patroa, que, em Israel, havia um senhor, o profeta Eliseu, que seria capaz de o curar. Naamã, talvez incrédulo, .contou ao rei da Assíria o que esta menina havia dito à sua esposa. O rei animou Naamã, e, como já nesse tempo as havia, até lhe meteu uma cunha: “Vá. Eu lhe darei uma carta que você entregará ao rei de Israel”. Animado pela sugestão da jovem, feliz pelo empurrão do rei, confiante na possibilidade de recuperar a saúde, o general lá partiu, ele e a sua comitiva. Ao chegar ao destino, logo entrega a carta ao rei de Israel, que dizia: “Quando receber esta carta, verá que lhe mando o meu servo Naamã para que o cure da lepra”. Ora, não se reconhecendo com capacidade de curar fosse quem fosse, o rei de Israel ficou com os azeites, “rasgou as próprias vestes”, diz o texto. Como gato escaldado de água fria tem medo, pensou que aquilo era uma engenhosa cilada do rei da Assíria para o tramar. E foi o cabo dos trabalhos!
Entretanto, Eliseu, o homem de Deus, soube que o seu rei, o rei de Israel, estava em apuros, não sabia o que fazer perante aquela comitiva reforçada pela cunha do rei da Assíria. Então, Eliseu comunicou ao rei de Israel que mandasse o general assírio ter com ele. Ó pernas para que vos quero!... Dito e feito, o rei, em jeito de quem lhe saiu a sorte grande e mais qualquer coisa, logo despachou Naamã e toda a comitiva ao encontro de Eliseu. Eliseu, porém, se queria dizer ao rei de Israel que na sua própria terra existia um profeta, também quis usar de pedagogia para com o importante general assírio. Encheu-se de nove horas, empoleirou-se, fez-se caro, não apareceu para recebeu pessoalmente o famoso militar. E se não o mandou aos ninhos, mandou alguém dizer-lhe que fosse tomar banho, que fosse mergulhar-se no rio e ficaria curado: “Vai, lava-te sete vezes no Jordão, e a tua carne será restaurada, ficarás limpo” (2 Reis 5,10). Naamã, um general de gabarito, de tantos pergaminhos e feitos heroicos, sentiu-se humilhado, não gostou, ficou aborrecido e bravo. Esperava um acolhimento pessoal e delicado da parte do profeta e, com certeza, pensaria que ele fizesse para ali umas mezinhas, o curasse e mandasse embora são e salvo, tal como hoje, infelizmente, até entre cristãos, ainda se procura no ler ou deitar das cartas, no bruxedo, magos, adivinhos e quejandos a solução para os problemas da vida. Não sendo assim, e tendo-o ele mandado mergulhar no rio Jordão, Naamã bateu o pé e prendeu o burrinho, qual criança caprichosa. Como se não bastasse, casquinou para quem quis ouvir que, na sua terra, havia rios muito mais importantes que aquele e com águas muito mais cristalinas que essas. Apressado e a rabujar, pôs os pés a caminho para se ir embora e mandar o profeta à fava. Como afirmava Clemente XIV, “nada mais pequeno do que um grande dominado pelo orgulho”, o que até dá espetáculo digno de se admirar, pela negativa! Podemos imaginar a fita deste senhor, que, cheio de importâncias balofas, superioridades presumidas e preconceitos injustos, até no pedir se manifestava pretensioso e a querer mandar, seguro que estava no seu amor próprio de quem se julga sempre com razão!
Os membros da sua comitiva, embora apreciando a tensão do momento, estavam mais racionais e mais frescos para resistir ao embate. Encaixaram o recado de Eliseu e deitaram água na fervura de Naamã. Porque não era coisa difícil, convenceram Naamã a que, mesmo contrariado, descesse ao rio e se banhasse. Naamã, talvez com vontade bélica de armar ali mais uma guerra e enfiar o profeta e os presentes na barca de Caronte, cedeu à força de persuasão dos seus servos. Mesmo contrariado, lá foi mergulhar sete vezes no Jordão.
Se o profeta foi “malandro” para o fazer descer à terra, aquilo que para Naamã não fazia sentido e seria uma humilhação, foi o que realmente o curou. Só quando saiu dos seus búnqueres e castelos de defesa, só quando desceu das suas importâncias e orgulho pátrio, só quando resolveu deixar-se de preconceitos e aceitar o que lhe era proposto, é que foi curado. Vendo-se recauchutado e novo, ficou sem jeito por ter reagido como reagiu e desfaz-se em salamaleques. Fez um ato de fé no Deus único de Israel, reconheceu Eliseu como aquele que mostra a presença de Deus no meio do povo e quis dar-lhe um valioso presente, com o qual vinha prevenido. Eliseu, mesmo perante a insistência do general, não aceitou. O general promete deixar a idolatria e, doravante, só prestar culto ao Deus de Israel, o único que pode curar e a quem se sentia profundamente grato pelo facto de o ter tornado um homem verdadeiramente novo. E parte, feliz e saudável, reiterando fidelidade ao Senhor Deus de Israel e, agora humildemente, pedindo terra, terra dali, terra que carregasse duas mulas, para, lá, na Assíria, sobre essa terra, levantar um altar ao Deus único.
Deus faz-se encontrado através duma lógica muito diferente da nossa lógica. Ele serve-se das coisas mais díspares e insignificantes para nos dizer que está presente e atento. Quem crê em Deus e acredita que Ele pode restaurar o centro e as periferias da sua vida, não pode ter a pretensão de lhe querer dar ordens, de lhe querer dizer como é que Ele deve fazer, apoiado em egocentrismos que destroem. Nem deve encaprichar só porque Ele não age como se gostaria que agisse. Essa atitude seria sinal de que não estamos dispostos a deixar as nossas razões e importâncias, as nossas rotinas e seguranças, sendo julgadas, por nós e só por nós, como verdadeiro caminho de fidelidade e salvação. Mas será que serão se não estamos dispostos a fazer o que Ele pede, tal como aconteceu com o referido general? Este queria impor-lhe como é que Ele haveria de fazer. Também pode acontecer que permaneçamos ensonados ou fossilizados nessas rotinas egocêntricas, vivendo instalados na idolatria e na indiferença, julgando-nos não só bons, mas os primeiros entre os bons, sentindo-nos até com razões para exigir de Deus o bom e o melhor, e da forma que nós entendemos. Se assim for, não passaremos de cristãos de meia-tigela. Mesmo que difícil e em revolta, o general acabou por fazer caminho e ficar curado, no corpo e no espírito, não como resultado de um ritual mágico nas águas do Jordão, mas como fruto da ação salvífica de Deus que atuou através da palavra do profeta. É interessante reparar que foi aquela jovenzinha, escrava no estrangeiro, que iniciou o processo. Ultrapassou fronteiras, apontou o Deus único capaz de curar e dar a vida. Também foram os humildes servos do general que o ajudaram a seguir a palavra do profeta. Se estamos desafiados à humildade e à conversão, reconheçamos também quanto bem podemos fazer anunciando Aquele que cura e dá a Vida.
A Quaresma não é só para os outros, também é para nós!

D. Antonino Dias- Bispo Diocesano
Portalegre-Castelo Branco, 26-02-2021.


quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

O que estás a fazer com o teu tempo?



Vivemos os nossos dias como se a vida não estivesse (sempre) para acabar. Vivemos como se nos sentíssemos heróis. Heróis invencíveis que são senhores de tudo e de todos.

Ainda não conseguimos desligar o botão da nossa arrogância, da nossa prepotência, da nossa síndrome de seres inabaláveis.

O outro interruptor que também ainda não desligámos é o que nos permite ter tempo para pensar no que estamos a fazer, na forma como estamos a viver a nossa vida, na maneira de gastar os dias e as horas que vamos tempo. Não conseguimos apagar a luz para descansar. É como se o nosso corpo e a nossa cabeça estivessem sempre alerta para trabalhar mais um par de horas, para ser produtivos durante mais um par de dias, para dar provas da invencibilidade e do ritmo do nunca-parar.

Muitas vezes, não temos noção do círculo viciado em que estamos mergulhados. Outras vezes temos, mas não sabemos como saltar do carrossel em andamento, como mergulhar noutras águas, como abandonar a turbulência que nos domina.

Talvez valha a pena cortar o círculo. Pôr uma pedra forte na engrenagem do carrossel. Avistar o azul claro de águas novas.

Precisamos de nos dar conta do que à nossa volta para fazer, para além do que fazemos sempre.

Precisamos de nos deixar abrandar. De deixar fatias do nosso tempo por preencher, por usar, por estrear.

Não fazer nada também é usar bem o tempo que se tem, sabias?



Marta Arrais

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

No fim de contas, o que é que conta?



No fim de contas, o que é que conta? Andas adormecido e não queres acordar para o que realmente te inquieta. É só mais um pouco. É só mais um dia, no entanto ainda nem começaste. Ainda nem te dedicaste a dar um único passo na descoberta daquilo que verdadeiramente te completa.

No fim de contas, o que é que conta? Sim, que contas tens vindo a apresentar a ti mesmo? Andas preocupado em ter a razão ou em fazer a união? Andas aflito com o mundo ou em possuí-lo a teu belo prazer? Andas em busca daquilo que momentaneamente te eleva ou desejas deixar que os teus atos elevem os outros? Andas stressado e agoniado com o quê? Com quem?

No fim de contas, o que é que conta? É certo que não podes virar tudo do avesso. E muito menos podes ignorar por completo a realidade que te assiste, mas isso não te pode impedir de seres melhor e de quereres mais segundo as medidas do alto. Não é um caminho fácil. Muito menos um trajeto sem quedas, mas é um trilho de libertação. Onde muitas vezes terás de ficar calado. Noutras terás até que perdoar quem não consegues ver. E em tantas outras, terás de perdoar o que foste e permitires que possas recomeçar. É este o caminho da liberdade que exige e que te pede a autenticidade.

No fim de contas, o que é conta? Não deixes que a falta de respostas te encha de medo. Nem te deixes paralisar por tudo à tua volta começar a parecer sem sentido, sem valor. Questiona-te calmamente. Vai dando valor àquilo que te deixa vivo. Vai reconhecendo em ti a beleza de te saberes ser sem precisares de ter.

No fim de contas, o que é que contas?


Emanuel António Dias


terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Temos medo de quê?



Temos medo de quê? Questiono-me muitas vezes, como cristão, do que temos medo quando fugimos a tantos temas. Teremos medo da possibilidade de admitirmos que não sabemos tudo? Teremos medo da nossa melhor resposta ser o silêncio? Teremos medo de não sermos assim tão cristãos?

Temos medo de quê, quando fugimos daqueles que achamos que não têm uma vida “digna”? Teremos medo de aceitar que também eles são filhos e filhas de Deus? Teremos medo de aceitar que também eles são merecedores da Sua misericórdia? Teremos medo de não sermos ninguém para julgar ou condenar?

Temos medo de quê, quando as palavras que os outros usam para falar dEle são diferentes das nossas? Teremos pavor da possibilidade de existir outras formas de amar? Teremos receio de que a religiosidade seja apenas uma forma de mascarar a nossa falsidade? Teremos medo de que a nossa relação não seja tão próxima com Aquele que nos sustenta? Teremos medo que o amor conte muito mais do que a doutrina?

Temos medo de quê, quando os outros nos mostram um Deus que não está preocupado em medir vidas ou pecados? Teremos medo de que Ele nos perdoe mais e melhor do que nós alguma vez conseguiremos ou imaginaríamos? Teremos medo de que este Deus seja mais humano, e por isso divino, do que milagreiro ou castigador? Teremos receio de que as dúvidas nos retirem a Sua presença?

Temos medo de quê, quando fugimos das diferentes visões que existem sobre este Deus? Teremos receio que isso nos abale? Teremos medo de que isto da fé não seja somente uma segurança? Teremos medo que as imagens que temos sobre Deus estejam erradas? Teremos medo de que a Sua revelação não seja linear?

Não sei do que temos medo, mas sei que não podemos continuar a fugir. Sei que não podemos continuar a guardar-nos dentro da igreja ou dos rituais vazios e decorados. Sei que não podemos senão olhar para o outro com verdadeiro amor e deixar que cada um, na sua simplicidade e humildade, se possa encontrar com este Deus independentemente da sua condição.

Não sei do que temos medo, mas espero que não tenhamos medo da possibilidade de Ele amar tudo e todos e permitir que voltemos sempre à Sua presença!


Emanuel António Dias


segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

PODE UM POBRE SER FELIZ?



Para ter paz é preciso que as nossas necessidades básicas estejam satisfeitas e asseguradas. O dinheiro é indispensável para conseguir chegar a esse ponto, mas a partir daí talvez não seja tão importante quanto as nossas convicções o julgam.
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O desapego é essencial para se ser feliz. Quem se agarra a coisas torna a sua bagagem pesada demais para viagem que é ser feliz.
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Importa dedicarmo-nos ao que é ao mesmo tempo interior e superior. Não a todas as coisas que neste mundo prometem dar-nos paz.
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E é assim, com os pés descalços numa poça de lama, que alguém ergue o seu olhar até ao céu e sorri. Porque é do alto que nos chega a felicidade, e é do mais íntimo da nossa intimidade que se faz presente na nossa vida. Mas basta olhar o céu? Não.
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A falta de amor faz de qualquer um de nós um miserável. Um pobre porque, por mais dinheiro e bens materiais que possua, de nada lhe servem, uma vez que não os coloca ao serviço do bem. São alimentos para um egoísmo que, ainda por cima, traz consigo os medos da perda, próprios de quem julga que não é senão o que tem.
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É preciso que nos façamos pobres para nos libertarmos das coisas, para as considerarmos como são: meios que devem servir alguém e não fins aos quais estamos amarrados e que nos escravizam.
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Se eu der tudo o que tenho torno-me pobre? Ou será que é assim que fico rico?
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Muitos abastados descobrem que só quando têm paz longe das suas fortunas é que são felizes. Quanto vale uma casa onde a solidão faz de mim seu inquilino? Não será melhor uma casa humilde onde me amem apesar de todas as minhas faltas?
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Muitos consideram que os pobres são seres humanos inferiores, murmurantes e invejosos, criminosos porque são culpados das suas carências. A sentença mais comum é que são pessoas imperfeitas.
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Somos todos imperfeitos. Se a alguns faltam bens, a outros falta o bem.
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Todos sonham. Uns iludem-se julgando que com mais dinheiro terão mais razões para viver, outros convivem, cada um dos seus dias, com a divina providência, aquela que faz milagres tão importantes quanto simples, mas sempre de forma que parece coincidência!
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Uns desconfiam do próximo, outros confiam.
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Se os pobres são desgraçados ou cheios de graça, só no fim se saberá.
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Só o infinito nos basta e não se chega lá acumulando coisas, mas sim sendo reto.



José Luís Nunes Martins




domingo, 21 de fevereiro de 2021

NO DESERTO

 

https://www.youtube.com/watch?v=ukX32Qo8m38

No primeiro Domingo do Tempo da Quaresma, a liturgia garante-nos que Deus está interessado em destruir o velho mundo do egoísmo e do pecado e em oferecer aos homens um mundo novo de vida plena e de felicidade sem fim.
A primeira leitura é um extracto da história do dilúvio. Diz-nos que Jahwéh, depois de eliminar o pecado que escraviza o homem e que corrompe o mundo, depõe o seu "arco de guerra", vem ao encontro do homem, faz com ele uma Aliança incondicional de paz. A acção de Deus destina-se a fazer nascer uma nova humanidade, que percorra os caminhos do amor, da justiça, da vida verdadeira.
No Evangelho, Jesus mostra-nos como a renúncia a caminhos de egoísmo e de pecado e a aceitação dos projectos de Deus está na origem do nascimento desse mundo novo que Deus quer oferecer a todos os homens (o "Reino de Deus"). Aos seus discípulos Jesus pede - para que possam fazer parte da comunidade do "Reino" - a conversão e a adesão à Boa Nova que Ele próprio veio propor.
Na segunda leitura, o autor da primeira Carta de Pedro recorda que, pelo Baptismo, os cristãos aderiram a Cristo e à salvação que Ele veio oferecer. Comprometeram-se, portanto, a seguir Jesus no caminho do amor, do serviço, do dom da vida; e, envolvidos nesse dinamismo de vida e de salvação que brota de Jesus, tornaram-se o princípio de uma nova humanidade
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Portal dos Dehonianos


sábado, 20 de fevereiro de 2021

Oração de comunhão espiritual

 

Deixamos-lhe uma proposta de oração de comunhão espiritual, para rezar quando assistir à Missa pela TV, rádio e internet.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

O NOSSO PARLAMENTO E OS APELOS DA QUARESMA


Vivemos em democracia, é certo e bonito. O debate é sempre possível e salutar, não existe a lei da rolha, pelo menos em teoria. No entanto, o uso deste dom maravilhoso que é a liberdade de pensar e dizer, é muito assaltado pela apetência de ultrapassar linhas vermelhas que interpelam pela negativa.
Acho estranho que, no século XXI, o Estado, em nome do progresso civilizacional, ainda se sinta no direito e dever de fomentar a cultura da morte em vez de garantir o necessário apoio para que cada pessoa se sinta estimada e cuidada até à morte e morte natural. Inclusive com os cuidados paliativos a que tem direito, mas que a maior parte do povo nem sabe que existem, nem o que são, nem para que servem, nem lhe é explicado tanto quanto baste, não convém!
É estranho que, para satisfazer desejos pessoais, por mais respeitáveis que eles sejam, o Estado, não satisfeito com os filhos órfãos de pais vivos, queira ser causador do nascimento de filhos órfãos por inseminação ‘post mortem’, desvalorizando todas as consequências e o direito de todas as crianças a ter um pai e uma mãe, em comunidade familiar de vida e amor. Tendo em atenção o caso que provocou este debate, alguém insinua que uma criança assim concebida, é mais olhada como instrumento e remédio para satisfazer o sofrimento saudosista de alguém, mesmo que compreensível, do que considerada como um valor em si mesma. O dever do Estado é cuidar do bem comum, não de casos pontuais fruto de meros sentimentos de alguém.
Perante tão estranhas questões da nossa polis, constatam-se vários posicionamentos. Uns, os filósofos de serviço, esmeram-se em busca de altíssimas razões, as suas, para provar a justeza e a oportunidade destes temas. Puxam da sua pieguice e dó em favor da dignidade e da humanidade de quem sofre, iludindo os menos precavidos. Outros, fidelizados até ao tutano aos seus mentores ou chefes, mesmo discordando na matéria, engrunham-se na hora de bater o pé, preferindo onerar a sua própria consciência e tornarem-se cúmplices do que vier a acontecer, a morte dos mais frágeis, o matar através do Serviço Nacional de Saúde! Outros, porém, menos pensantes e sem qualquer opinião, voláteis, preferem dar ares de progressista, encostando-se, amorfos, a fazer monte e número, na defesa de tais causas. Outros, ainda, da esquerda à direita, têm os pés bem assentes no chão, buscam o melhor, sabem ouvir quem mais sabe e têm a noção das consequências de tais iniciativas, mas nada conseguem fazer valer perante o desertar da razoabilidade dos seus pares. A vergonha assalta-os, o País parece que manifesta saudades pela pena de morte! Sendo a política uma arte nobre que deve ser exercida com nobreza, é estranho que, os representantes do povo, uma vez eleitos, se tenham logo como omniscientes e omnipotentes, desprezando até a ciência e os mais elementares princípios da Ética e do próprio bom senso ou do senso comum, em jeito de l’état cést moi.
Enquanto que a imprensa, nacional e estrangeira, refere que estamos na cauda da Europa, e do mundo!, em mortes covid, por exemplo, não se desiste de estar na linha da frente em causas fraturantes. É a forma encontrada pelo Estado para se esquecer das verdadeiras mazelas sociais e se devotar à promoção da cultura da morte e dar nas vistas, pelas piores razões. As filas da fome em busca da marmita não incomodam tais arautos, apesar de ser garantida por quem lhes merece o maior repúdio: a Caridade, o Amor! Negando o mais fundamental dos princípios humanos, isto é, o direito à vida e a garantia da sua inviolabilidade, lutam pela eutanásia, isto é, pela morte assistida, ou melhor ainda, defendem o homicídio e o suicídio, aquilo a que, para confundirem o povo e gerarem simpatia, eufemisticamente apelidam de morte medicamente assistida, como se de um ato médico se tratasse. Enchem-se de fogo, e zelo! De forma beata, fingindo muita compaixão por quem sofre, falam ao sentimento e compaixão de outros – não à razão! -, para arrebanhar prosélitos mesmo que estes nem saibam bem do que é que se trata. O que interessa é o ruído, o monte, o número. Se escutam alguém, não ouvem, nem sequer prestam atenção aos pareceres negativos dos especialistas em Ética, do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, assim como de professores universitários, juristas, Associação de médicos, especialistas em bioética ou de entidades como a Associação Portuguesa de Fertilidade ou o Conselho Superior do Ministério Público, e de tantas outras, e de tantos outros. Inclusive, tapam os ouvidos e os olhos aos abusos e aos interesses imparáveis que já acontecem noutros países onde se abriu essa porta, uma porta a desembocar numa rampa cada vez mais larga e inclinada a convidar a tais abusos e interesses, interesses até de famílias e herdeiros.
Avalia-se o progresso civilizacional, não construído sobre o melhor que se recebe do passado e já confirmado pela História e pela convivência sadia dos povos, mas tentando inovar, sofregamente, se possível de forma rápida e em tempos de distração do povo, sobre matérias como se da descoberta da pólvora se tratasse e fossem até passíveis de prémio Nobel. Quantos erros por se fazer vista grossa às lições da História! Por razões semelhantes, até Jesus Cristo chorou sobre o povo e a cidade de Jerusalém, pois os seus chefes agiam como donos e levianamente, conduzindo a todos, sobretudo o povo, para a tragédia sem igual!
Entre nós, ao quererem levar a água ao seu moinho, quem contrariar tais pretensões, é logo rotulado de direita, de conservador, de tradicionalista, ou, então, se for alguém da Igreja, autoridade ou cristão assumido, é tido como retrogrado e obscurantista, a quererem fazer crer que, o que estes defendem, não passa de uma questão meramente religiosa, desprezível, e não de uma causa verdadeiramente humana e justa, de verdadeiro progresso histórico e humano. É a sua versão da lei da rolha, importa fazer calar!
O ruído em favor da cultura da morte e da orfandade vai continuar. Tal como aconteceu com a morte das crianças, isto é, com o aborto, ao qual, para suavizar e iludir, chamam, eufemisticamente, interrupção voluntária da gravidez, esperam que o mesmo aconteça com a eutanásia e com a introdução da inseminação ‘post mortem’ na lei da procriação medicamente assistida. Resta-nos a certeza de saber que aquilo que é legal, nem sempre é moral e eticamente aconselhável. A verdade e a dignidade humana não dependem de maiorias parlamentares, muito menos quando a maioria obtida é feita de silêncios pusilânimes ou subservientes, e na busca de uma nesga na Constituição para que tais leis possam por lá furar e dizerem: vencemos!, como se de uma vitória se tratasse. Além disso, a objeção de consciência é uma saudável arma na mão daqueles a quem querem impor a aplicação dessas leis, se, de facto, vierem a ser aprovadas.
Ninguém vai pedir aos senhores parlamentares que entrem num processo de metanoia. Até porque, se pararem, refletirem e tiverem como referência a verdade e o bem comum, a sua consciência o fará. Apenas lhes pedimos que não esqueçam os verdadeiros problemas do povo que neles confiou e a quem prometeram servir. Que lhe proporcionem uma vida saudável e feliz e que não fomentem a cultura da morte e outras velharias mais. Legislar e executar a morte, é estimular à morte, não é humano! Pode até o sofrimento físico, à partida, não ser grande, mas porque o sofrimento tem muitas caras e feitios, pode tornar-se “em situação de sofrimento intolerável”, sobretudo quando a pessoa percebe e sente que está a ser um grande incómodo ou um enorme peso para a família ou a sociedade, e entende que lhe estão a apontar a porta para que se suicide ou peça a um homicida que a mate! Como afirmava Miguel Torga, “o mais trágico na velhice doente é vermo-nos morrer antecipadamente no cansaço e no enfado de quem nos rodeia”. Entre quem nos rodeia, estão estes tão misericordiosos e sábios legisladores!..
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D. Antonino Dias -Bispo Diocesano
Portalegre-Castelo Branco, 19-02-2021.


Propostas do Papa Francisco para a Quaresma



Para a Quaresma, o Papa Francisco propõe 15 simples atos de caridade que ele mencionou como manifestações concretas de amor:
1. Sorrir, um cristão é sempre alegre!
2. Agradecer (embora não “precise” fazê-lo).
3. Lembrar ao outro o quanto você o ama.
4. Cumprimentar com alegria as pessoas que você vê todos os dias.
5. Ouvir a história do outro, sem julgamento, com amor.
6. Parar para ajudar. Estar atento a quem precisa de você.
7. Animar alguém.
8. Reconhecer os sucessos e qualidades do outro.
9. Separar o que você não usa e dar a quem precisa.
10. Ajudar alguém para que ele possa descansar.
11. Corrigir com amor; não calar por medo.
12. Ter delicadezas com os que estão perto de você.
13. Limpar o que sujou, em casa.
14. Ajudar os outros a superar os obstáculos.
15. Telefonar para seus pais.
O MELHOR JEJUM
• Jejum de palavras negativas e dizer palavras bondosas.
• Jejum de descontentamento e encher-se de gratidão.
• Jejum de raiva e encher-se com mansidão e paciência.
• Jejum de pessimismo e encher-se de esperança e otimismo.
•Jejum de preocupações e encher-se de confiança em Deus.
• Jejum de queixas e encher-se com as coisas simples da vida.
• Jejum de tensões e encher-se com orações.
• Jejum de amargura e tristeza e encher o coração de alegria.
• Jejum de egoísmo e encher-se com compaixão pelos outros.
• Jejum de falta de perdão e encher-se de reconciliação.
• Jejum de palavras e encher-se de silêncio para ouvir os outros.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

Morrer e ressuscitar

 



O grande desafio que se nos coloca todos os dias é o de dar sentido à vida. Somos seres vivos que sabemos da nossa morte e que, precisamente por isso, valorizamos e afirmamos o facto e o valor de viver.

Viver e ser ameaçado pela presença da morte não é, contudo, uma consciência apenas ocasional. É o tecido da própria vida. A consciência da sua origem (de onde), da sua vocação (para onde), da sua capacidade para a transcendência (o projecto, o outro e o Outro), da necessidade da felicidade (a ânsia da harmonia), da fragilidade e da finitude (os limites), da morte não são, por isso, apenas fases da vida. São a sua própria densidade.

Quando pensamos em vida, pensamos em realidade dinâmica, multi-facetada, não asséptica, não estática, que é passível de avanços e recuos e na qual se experimentam imensas tensões e contradições, mas que possui uma unidade interior. A vida não se resume a um conjunto de acasos; e o seu sentido não se define em relação a neutralidades, mas sim em relação a valores acolhidos e afirmados em liberdade. Dela fazem parte a memória, o amor e a esperança como definidores de sentido.

A alegria e o sofrimento surgem assim contextualizados na própria vida. Não são apenas algo que em alguns momentos se junta (justapõe) à vida, mas são a própria vida a acontecer. O homem não tem vida, é vida. A vida é o viver e é viver.

A tendência de olhar para alegria apenas como o que é motivado pelo que de bom nos acontece e de perspectivar o sofrimento pelo que de mau se nos depara, é imensamente redutora da pessoa humana. Como e em relação a quê definimos o que é bom e o que é mau? Apenas em relação ao imediato projecto pessoal da consciência de cada um (o apetecer ou gostar)?

Então a alegria seria sempre a concretização daquilo que cada um quer e da forma que quer, e o sofrimento seria sempre a incapacidade ou impossibilidade de fazer o que se quer e da forma que se gosta. Não ficaríamos demasiado reduzidos? Não passaríamos rapidamente de indivíduos a individualistas!? É que não é a mesma coisa. Se tudo fosse … quando houvesse resistência não haveria alegria e quando houvesse alegria nada nem ninguém nos poderia resistir. Mas, evidência, a realidade resiste-nos. E nós resistimos à realidade.

Alegria e sofrimento são faces da mesma realidade porque têm que ver com a tensão e a densidade do viver. Não somos perfeitos, não somos plenos, mas somos perfectíveis, podemos atingir plenitudes. Estamos a caminho na história e dentro de nós. É a nossa dinâmica. E, vendo bem as coisas, só há liberdade quando se exercita o discernimento e existem opções.

Se a nossa vida se pode comparar a uma caminhada, então não se avança para o amanhã se não se morrer ao hoje, constantemente. O sofrimento conduzirá à alegria e a alegria, para ser cada vez mais plena, passará pelo sofrimento. Haverá, evidentemente, muitas formas de sofrimento como também muitas formas de alegria. Mas é sempre assim que a liberdade humana se re-ordena e é assim que acontece a transformação da vida. A busca do sentido gera sofrimento porque é tensão entre o que se é (ou ainda não se é) e o que se pode vir a ser (que ainda não se possui). Mas essa busca, porque é de sentido, porque é de crescimento, gera sempre alegria porque está cada vez mais perto de plenitudes, sementes de verdade.

No horizonte da nossa fé cristã, alegria e sofrimento dão corpo à experiência do dinamismo pascal. É pela morte que se vai à vida. Não se ressuscita apenas depois da morte, mas ressuscita-se na morte, ou seja, na medida em que se morre. É o carácter pascal do nosso viver quotidiano. São as “bem-aventuradas perdas de cada dia” que abrem a vida ao amanhã.

E a vida ressuscitada dá os seus frutos: actividade fecunda e unificada, capacidade de renúncia por amor e de entrega, esperança firme, oração perseverante (2 Cor 4, 10-12) e, enfim, alegria. A vitória está em, todos os dias, passar pela morte (conceito simbólico de muita coisa), não em fugir-lhe. É sofrer o desapego do pecado, sofrer a libertação em relação ao egoísmo, sofrer a libertação da dependência de bens materiais e outros, sofrer a conversão. É nesse núcleo existencial que se corrigem as vaidades balofas e auto-suficiências, promove a humildade, purifica as fraquezas e, sobretudo, faz aprender a discernir o essencial. Mas é assim que se alcança alegria. E aí, sem masoquismos, o próprio “sofrimento” é fonte de alegria porque é a ocasião das vitórias do crescimento.

O Evangelho e toda a História da Salvação convidam-nos a olhar a caminhada de Jesus para a Cruz como não acontecendo apenas após a condenação, mas sim desde a encarnação. De facto, toda a vida de Jesus foi uma caminhada para a Cruz porque toda a sua vida Jesus foi Dom-de-Si: a encarnação do Verbo de Deus é caminho de Cruz, a vida pública é caminho de Cruz, os milagres e confrontos com os judeus por causa da Lei e da religião são caminho para a Cruz, as faltas de entendimento dos discípulos são caminho para a Cruz, a última Ceia é caminho de Cruz, enfim, tudo é caminho para a Cruz.

Mas a Cruz não é o fim. A Cruz é precisamente o limite da vida humana de Jesus e, ao mesmo tempo, a superação do limite e, por isso, a manifestação maior da sua identidade como Filho de Deus. No Dom-de-Si, Jesus descobre a sua identidade e realiza a sua liberdade. A Cruz não é uma casualidade mas a expressão de um Deus que existe em nosso favor e que, dessa forma, em Cristo morreu por nós. Cruz é a vida de Deus em nosso favor (Mc 1, 11; Jo 3, 16; Rom 8, 3. 32), a definição histórico-salvífica de Deus-connosco. É o dinamismo pascal da vida em Jesus Cristo.É este, portanto, o grande desafio do Cristianismo e, nele, da Igreja: realizar na vida humana quotidiana o mistério pascal do próprio Cristo; aprender que o homem não vive apenas a partir de si mas aprende a viver uma vida realmente humana a partir de outros e do Outro (Deus). O dinamismo pascal da vida é uma alegria que fica e perdura. Há outras alegrias que até parecem brilhar mais, mas desvanecem-se.

                                                                                           
Fotografia: Dimitri Conejo Sanz
Padre Emanuel Silva


terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

QUARESMA- QUARTA FEIRA - CINZAS- CELEBRAÇÕES ONLINE








A Paróquia Catedral Portalegre, no Facebook, transmite em directo, aos Domingos às 11h00, a Eucaristia para as paroquias da Sé, Arronches, Carreiras e Vale de Cavalos .com a presença dos 4 padres das respectivas paróquias. Amanhã, quarta-feira de cinzas, às 21h00, celebração das cinzas como inicio da quaresma, da mesma forma.

domingo, 14 de fevereiro de 2021

Deus de amor, bondade e ternura

 



https://www.youtube.com/watch?v=gYbJ97MLLVw

A liturgia do 6º Domingo do Tempo Comum apresenta-nos um Deus cheio de amor, de bondade e de ternura, que convida todos os homens e todas as mulheres a integrar a comunidade dos filhos amados de Deus. Ele não exclui ninguém nem aceita que, em seu nome, se inventem sistemas de discriminação ou de marginalização dos irmãos.
A primeira leitura apresenta-nos a legislação que definia a forma de tratar com os leprosos. Impressiona como, a partir de uma imagem deturpada de Deus, os homens são capazes de inventar mecanismos de discriminação e de rejeição em nome de Deus.
O Evangelho diz-nos que, em Jesus, Deus desce ao encontro dos seus filhos vítimas da rejeição e da exclusão, compadece-Se da sua miséria, estende-lhes a mão com amor, liberta-os dos seus sofrimentos, convida-os a integrar a comunidade do "Reino". Deus não pactua com a discriminação e denuncia como contrários aos seus projectos todos os mecanismos de opressão dos irmãos.
A segunda leitura convida os cristãos a terem como prioridade a glória de Deus e o serviço dos irmãos. O exemplo supremo deve ser o de Cristo, que viveu na obediência incondicional aos projectos do Pai e fez da sua vida um dom de amor, ao serviço da libertação dos homens.

https://www.dehonianos.org/portal/liturgia/?mc_id=3261



sábado, 13 de fevereiro de 2021

Mensagem do Papa Francisco para a Quaresma 2021






Papa Francisco na Quarta-feira de Cinzas de 2020. Foto: Vatican Media


Vaticano, 12 fev. 21 / 08:15 am (ACI).- O Vaticano publicou nesta sexta-feira, 12 de fevereiro, a mensagem do Papa Francisco para a Quaresma 2021, intitulada “‘Vamos subir a Jerusalém...’ (Mt 20, 18). Quaresma: tempo para renovar fé, esperança e caridade”.

No texto, dirigido a todos os fiéis católicos do mundo, o Santo Padre convidou a “viver a Quaresma como percurso de conversão, oração e partilha dos nossos bens”, assim como a viver “uma Quaresma de caridade significa cuidar de quem se encontra em condições de sofrimento, abandono ou angústia por causa da pandemia de Covid-19”.

“Na Quaresma, estejamos mais atentos a ‘dizer palavras de incentivo, que reconfortam, consolam, fortalecem, estimulam, em vez de palavras que humilham, angustiam, irritam, desprezam’. Às vezes, para dar esperança, basta ser ‘uma pessoa amável, que deixa de lado as suas preocupações e urgências para prestar atenção, oferecer um sorriso, dizer uma palavra de estímulo, possibilitar um espaço de escuta no meio de tanta indiferença’”, advertiu o Papa.

A seguir, a mensagem do Papa Francisco para a Quaresma 2021:

“Vamos subir a Jerusalém...” (Mt 20, 18). Quaresma: tempo para renovar fé, esperança e caridade.

Queridos irmãos e irmãs!

Jesus, ao anunciar aos discípulos a sua paixão, morte e ressurreição como cumprimento da vontade do Pai, desvenda-lhes o sentido profundo da sua missão e convida-os a associarem-se à mesma pela salvação do mundo.

Ao percorrer o caminho quaresmal que nos conduz às celebrações pascais, recordamos Aquele que «Se rebaixou a Si mesmo, tornando-Se obediente até à morte e morte de cruz» (Flp 2, 8). Neste tempo de conversão, renovamos a nossa fé, obtemos a «água viva» da esperança e recebemos com o coração aberto o amor de Deus que nos transforma em irmãos e irmãs em Cristo. Na noite de Páscoa, renovaremos as promessas do nosso Batismo, para renascer como mulheres e homens novos por obra e graça do Espírito Santo. Entretanto o itinerário da Quaresma, como aliás todo o caminho cristão, já está inteiramente sob a luz da Ressurreição que anima os sentimentos, atitudes e opções de quem deseja seguir a Cristo.


O jejum, a oração e a esmola – tal como são apresentados por Jesus na sua pregação (cf. Mt 6, 1-18) – são as condições para a nossa conversão e sua expressão. O caminho da pobreza e da privação (o jejum), a atenção e os gestos de amor pelo homem ferido (a esmola) e o diálogo filial com o Pai (a oração) permitem-nos encarnar uma fé sincera, uma esperança viva e uma caridade operosa.

1. A fé chama-nos a acolher a Verdade e a tornar-nos suas testemunhas diante de Deus e de todos os nossos irmãos e irmãs

Neste tempo de Quaresma, acolher e viver a Verdade manifestada em Cristo significa, antes de mais, deixar-nos alcançar pela Palavra de Deus, que nos é transmitida de geração em geração pela Igreja. Esta Verdade não é uma construção do intelecto, reservada a poucas mentes seletas, superiores ou ilustres, mas é uma mensagem que recebemos e podemos compreender graças à inteligência do coração, aberto à grandeza de Deus, que nos ama ainda antes de nós próprios tomarmos consciência disso. Esta Verdade é o próprio Cristo, que, assumindo completamente a nossa humanidade, Se fez Caminho – exigente, mas aberto a todos – que conduz à plenitude da Vida.

O jejum, vivido como experiência de privação, leva as pessoas que o praticam com simplicidade de coração a redescobrir o dom de Deus e a compreender a nossa realidade de criaturas que, feitas à sua imagem e semelhança, n'Ele encontram plena realização. Ao fazer experiência duma pobreza assumida, quem jejua faz-se pobre com os pobres e «acumula» a riqueza do amor recebido e partilhado. O jejum, assim entendido e praticado, ajuda a amar a Deus e ao próximo, pois, como ensina São Tomás de Aquino, o amor é um movimento que centra a minha atenção no outro, considerando-o como um só comigo mesmo [cf. Enc. Fratelli tutti (= FT), 93].

A Quaresma é um tempo para acreditar, ou seja, para receber a Deus na nossa vida permitindo-Lhe «fazer morada» em nós (cf. Jo 14, 23). Jejuar significa libertar a nossa existência de tudo o que a atravanca, inclusive da saturação de informações – verdadeiras ou falsas – e produtos de consumo, a fim de abrirmos as portas do nosso coração Àquele que vem a nós pobre de tudo, mas «cheio de graça e de verdade» (Jo 1, 14): o Filho de Deus Salvador.

2. A esperança como «água viva», que nos permite continuar o nosso caminho

A samaritana, a quem Jesus pedira de beber junto do poço, não entende quando Ele lhe diz que poderia oferecer-lhe uma «água viva» (cf. Jo 4, 10-12); e, naturalmente, a primeira coisa que lhe vem ao pensamento é a água material, ao passo que Jesus pensava no Espírito Santo, que Ele dará em abundância no Mistério Pascal e que infunde em nós a esperança que não desilude. Já quando preanuncia a sua paixão e morte, Jesus abre à esperança dizendo que «ressuscitará ao terceiro dia» (Mt 20, 19). Jesus fala-nos do futuro aberto de par em par pela misericórdia do Pai. Esperar com Ele e graças a Ele significa acreditar que, a última palavra na história, não a têm os nossos erros, as nossas violências e injustiças, nem o pecado que crucifica o Amor; significa obter do seu Coração aberto o perdão do Pai.

No contexto de preocupação em que vivemos atualmente onde tudo parece frágil e incerto, falar de esperança poderia parecer uma provocação. O tempo da Quaresma é feito para ter esperança, para voltar a dirigir o nosso olhar para a paciência de Deus, que continua a cuidar da sua Criação, não obstante nós a maltratarmos com frequência (cf. Enc. Laudato si’, 32-33.43-44). É ter esperança naquela reconciliação a que nos exorta apaixonadamente São Paulo: «Reconciliai-vos com Deus» (2 Cor 5, 20). Recebendo o perdão no Sacramento que está no centro do nosso processo de conversão, tornamo-nos, por nossa vez, propagadores do perdão: tendo-o recebido nós próprios, podemos oferecê-lo através da capacidade de viver um diálogo solícito e adotando um comportamento que conforta quem está ferido. O perdão de Deus, através também das nossas palavras e gestos, possibilita viver uma Páscoa de fraternidade.

Na Quaresma, estejamos mais atentos a «dizer palavras de incentivo, que reconfortam, consolam, fortalecem, estimulam, em vez de palavras que humilham, angustiam, irritam, desprezam» (FT, 223). Às vezes, para dar esperança, basta ser «uma pessoa amável, que deixa de lado as suas preocupações e urgências para prestar atenção, oferecer um sorriso, dizer uma palavra de estímulo, possibilitar um espaço de escuta no meio de tanta indiferença» (FT, 224).

No recolhimento e oração silenciosa, a esperança é-nos dada como inspiração e luz interior, que ilumina desafios e opções da nossa missão; por isso mesmo, é fundamental recolher-se para rezar (cf. Mt 6, 6) e encontrar, no segredo, o Pai da ternura.

Viver uma Quaresma com esperança significa sentir que, em Jesus Cristo, somos testemunhas do tempo novo em que Deus renova todas as coisas (cf. Ap 21, 1-6), «sempre dispostos a dar a razão da [nossa] esperança a todo aquele que [no-la] peça» (1 Ped 3, 15): a razão é Cristo, que dá a sua vida na cruz e Deus ressuscita ao terceiro dia.

3. A caridade, vivida seguindo as pegadas de Cristo na atenção e compaixão por cada pessoa, é a mais alta expressão da nossa fé e da nossa esperança

A caridade alegra-se ao ver o outro crescer; e de igual modo sofre quando o encontra na angústia: sozinho, doente, sem abrigo, desprezado, necessitado... A caridade é o impulso do coração que nos faz sair de nós mesmos gerando o vínculo da partilha e da comunhão.

«A partir do “amor social”, é possível avançar para uma civilização do amor a que todos nos podemos sentir chamados. Com o seu dinamismo universal, a caridade pode construir um mundo novo, porque não é um sentimento estéril, mas o modo melhor de alcançar vias eficazes de desenvolvimento para todos» (FT, 183).

A caridade é dom, que dá sentido à nossa vida e graças ao qual consideramos quem se encontra na privação como membro da nossa própria família, um amigo, um irmão. O pouco, se partilhado com amor, nunca acaba, mas transforma-se em reserva de vida e felicidade. Aconteceu assim com a farinha e o azeite da viúva de Sarepta, que oferece ao profeta Elias o bocado de pão que tinha (cf. 1 Rs 17, 7-16), e com os pães que Jesus abençoa, parte e dá aos discípulos para que os distribuam à multidão (cf. Mc 6, 30-44). O mesmo sucede com a nossa esmola, seja ela pequena ou grande, oferecida com alegria e simplicidade.

Viver uma Quaresma de caridade significa cuidar de quem se encontra em condições de sofrimento, abandono ou angústia por causa da pandemia de Covid-19. Neste contexto de grande incerteza quanto ao futuro, lembrando-nos da palavra que Deus dera ao seu Servo – «não temas, porque Eu te resgatei» (Is 43, 1) –, ofereçamos, juntamente com a nossa obra de caridade, uma palavra de confiança e façamos sentir ao outro que Deus o ama como um filho.

«Só com um olhar cujo horizonte esteja transformado pela caridade, levando-nos a perceber a dignidade do outro, é que os pobres são reconhecidos e apreciados na sua dignidade imensa, respeitados no seu estilo próprio e cultura e, por conseguinte, verdadeiramente integrados na sociedade» (FT, 187).

Queridos irmãos e irmãs, cada etapa da vida é um tempo para crer, esperar e amar. Que este apelo a viver a Quaresma como percurso de conversão, oração e partilha dos nossos bens, nos ajude a repassar, na nossa memória comunitária e pessoal, a fé que vem de Cristo vivo, a esperança animada pelo sopro do Espírito e o amor cuja fonte inexaurível é o coração misericordioso do Pai.

Que Maria, Mãe do Salvador, fiel aos pés da cruz e no coração da Igreja, nos ampare com a sua solícita presença, e a bênção do Ressuscitado nos acompanhe no caminho rumo à luz pascal.

Roma, em São João de Latrão, na Memória de São Martinho de Tours, 11 de novembro de 2020.

Francisco

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

QUARESMA - “SAÍA D’ELE UMA FORÇA QUE A TODOS CURAVA”



Na Igreja, a Quaresma é, por natureza, um tempo catecumenal, um tempo de descoberta e redescoberta da fé cristã como relação vital de absoluta confiança no Senhor Jesus Cristo. Aliás, a Páscoa, celebração da revelação plena de Cristo para onde a Quaresma nos conduz, só ganhará densidade espiritual e existencial se a Quaresma se assumir como caminho e exercício de descoberta e redescoberta da relação com Jesus Cristo. A condição humana, cada um de nós, surpreende-se, comove-se diante de Jesus Cristo. Ele é, ao mesmo tempo, tão nosso e tão de Deus, tão humano e tão divino, tão histórico e tão do Céu e da eternidade. Antes de nos dizermos, já Ele nos conhece. Antes de lhe pedirmos, já Ele se nos disponibilizou. Com a sua palavra e os seus gestos de proximidade, cativa-nos. Com o mistério da sua Pessoa, colhe o nosso afeto, a nossa inteligência, a nossa vontade. Tocados pela sua humanidade, tornamo-nos, por bênção sua, capazes de tocar a sua divindade. Assim, rendidos e livres, estabelecemos com Ele uma relação vital de absoluta confiança, por onde, doravante, passará a vida toda. D’Ele brota uma força que não deixa ninguém indiferente e cura todos os males.
A fé não é, portanto, uma invenção de religiões. Nenhuma imposição a conseguiria legitimar. Nenhuma lei a conseguiria impor. Nenhum moralismo a conseguiria justificar e ser seu alicerce. Nenhuma tradição, por si só, a conseguiria manter. Tudo isso seriam insuficiências, andaimes solitários sem construção a erguer. Dom recebido e resposta dada, a fé cristã vai buscar muitas das suas dinâmicas mais elementares à vida humana. Mas é na surpresa graciosa do encontro com o dom de Deus em Jesus Cristo que ela se radica como atitude e ritmo. É esta fé, vivida como bênção, presença de Cristo sentida ao nosso lado, é esta fé que vai atravessar a nossa vida com as suas graças e desgraças, os seus encantos e desesperos, as suas alegrias e tristezas. É esta fé, vivida como bênção, que purifica a nossa vida com paixão, com graciosidade e com ousadia profética de batizados. É o nosso batismo, que o mesmo é dizer a nossa fé, que está em causa em cada Quaresma. Conversão e penitência, jejum, esmola e oração são exercícios batismais da nossa vida cristã porque são expressão da nossa vital confiança em Jesus Cristo e da nossa reação ao tempo e aos modos da vida.
A pandemia que atravessamos pode ser bem o contexto de humanidade em que a nossa fé é chamada a redescobrir-se e a dar fruto. Exigidas pela situação de crise, há um conjunto de ações que, nos crentes, são autênticos imperativos de consciência da vida cristã: na solidão, saber ser presença construtiva e não escravo da desconfiança; no desespero, saber ser força de esperança; na doença, saber ser cuidador; na dificuldade económica ou social, saber partilhar e promover; na prossecução do bem comum, saber comprometer-se e fazer caminho em comum; nas palavras, saber edificar e promover a verdade; nas atitudes quotidianas, saber eleger e construir a justiça; nas relações pessoais e de cidadania, saber respeitar e acolher. A pandemia, com a doença e a pressão que exerce em toda a sociedade, pode tornar-nos hipersensíveis, facilmente descarriláveis e irascíveis. Pode pressionar-nos e trazer constrangimentos vários à nossa vida. E é aí que é necessário ter sempre Cristo diante dos olhos, ter sempre Cristo no coração e nas mãos. Os cristãos não temos de ser uma maioria social, percentual, para sermos uma maioria virtuosa. Podemos até ser uma minoria, mas, sem nos acanharmos e ganharmos complexo de seita, saberemos ser Igreja à dimensão do mundo e à dimensão do próprio Cristo.
Este ano, e por vontade do Papa Francisco, conjugam-se com a nossa Quaresma o Ano da “Família Amoris Laetitia” e o Ano de S. José. Na sua Carta Apostólica para este ano, o Papa Francisco diz-nos que foi com “coração de pai” que José amou Jesus. Humilde, discreto, trabalhador, sempre pronto a realizar a vontade de Deus, homem do silêncio como escuta, atento aos sinais de Deus e aos sinais dos tempos, corajoso, pedagogo e, sobretudo, justo. Em José confrontamo-nos com um homem que é justo porque se ajustou a Deus. E é por se ajustar a Deus que cedo aprendeu a pensar como Deus, a agir como Deus, a amar como Deus. A sua fé e a alegria do seu amor foram o grande motor da sua vida. É também a alegria do amor que o Papa Francisco nos convida a encontrar na família cristã quando promove o Ano “Família Amoris Laetitia”. Ele insiste na leitura da Exortação Apostólica Amoris Laetitia e deseja levar ao aprofundamento da identidade da família cristã como dom de pessoas e como dom à Igreja e ao mundo. Deseja promover o acompanhamento dos esposos, a educação integral dos filhos, a reflexão sobre as luzes e sombras da vida da família cristã, as crises familiares, a participação das famílias nas estruturas de evangelização e da Igreja. Tempo de redescoberta e revitalização da nossa fé, a Quaresma deste ano faz com que se cruzem a fé e a pandemia, a fé e a família, a fé e a gratidão pelo dom da santidade de S. José.
De Jesus, na sua Palavra, nos seus gestos, na vida da Igreja como Comunidade, brota uma força que não deixa ninguém indiferente. Como discípulos de Jesus sempre em processo de conversão, somos, pois, desafiados a viver mais uma Quaresma, mais um dom que acontece ao longo da nossa existência. Se a mundaneidade convida ao ter, ao parecer e ao poder, a Quaresma pede especial atenção ao ser. É um tempo de penitência e conversão. Um tempo de oração filial que nos ajuda a limpar, arrumar e romper a dureza do coração, convertendo-nos a Deus e aos irmãos. Uma oração que leve ao jejum do pecado, à mudança menos boa de estar, pensar e falar, à privação do que não é essencial, à penitência e austeridade pessoal, ao sacrifício que liberta. Uma oração que converta e leve àquela partilha a que chamamos “renúncia quaresmal” e que tem um destino determinado por cada Bispo diocesano, tornado público no início da Quaresma e, ao longo da Quaresma, entregue em cada paróquia. Não se trata de renunciar para poupar, não se trata de um peditório, não se trata de uma recolha de fundos, não se trata de dar para ficar arrumado e não me incomodarem mais, não se trata de pagar, não se trata tanto de dar uma esmola a quem a pede ou necessita, embora não se deva permanecer indiferente e fazer vista grossa. Trata-se duma caminhada espiritual disciplinada e vivida na alegria da oração, da conversão interior, do pensar em Deus e nos outros, do sentir a importância da gratuidade e da fraternidade. Trata-se da mudança de mentalidade e de coração que também se pode traduzir em renunciar a isto ou àquilo, que, embora se julgue apetecível, não é necessário, e o seu custo se coloca de parte para a causa social anunciada. Para além disso, a conversão pode mesmo implicar o aliviar dos bolsos (Lc 19, 1-10; Lc 18, 18-23). É uma pedagogia familiar de que tantas crianças e tantos jovens nos dão tão belos testemunhos, renunciando a um bolo, a um cigarro, a um café, a um programa televisivo, a ser escravo das redes socias... ou os leva a estudar mais e melhor, a programar momentos de oração, a visitar o vizinho acamado ou a viver mais comprometido nas causas da fé e do bem comum, a respeitar os apelos ao confinamento e a vivê-lo com esperança, pensando na própria saúde e saúde dos outros... Enfim, trata-se de cada um, pelos caminhos possíveis, viver a Quaresma de tal forma que o conduza à Páscoa, descobrindo e redescobrindo cada vez mais o gesto do amor de Deus para connosco manifestado em Cristo Jesus seu Filho.
A Renúncia Quaresmal de 2020, em toda a Diocese, e devido ao ambiente de confinamento rigoroso, foi mesmo mesmo residual (1.769,34€). Tinha como destino ajudar à construção de um Centro de Acolhimento e Saúde na Arquidiocese de Kananga, República Democrática do Congo, donde temos dois sacerdotes a trabalhar nesta nossa Diocese. Este ano de 2021, destinamos 60% para o mesmo fim e 40% para o Fundo Social Diocesano, gerido pela Cáritas. De um Arciprestado, chegou à Cúria Diocesana uma verba de renúncia quaresmal atrasada, a qual será enviada para o destino anunciado nessa altura.
D. Antonino Dias Bispo Diocesano
Portalegre-Castelo Branco, 12-02-2021.

Papa convida a rezar sempre, antídoto contra o «sumo amargo» do negativismo



Francisco destaca impacto da oração na vida de todos os dias



Cidade do Vaticano, 10 fev 2021 (Ecclesia) – O Papa disse hoje no Vaticano que a oração é um antídoto contra o “sumo amargo do negativo”, iluminando os momentos difíceis da vida, em particular no atual momento de pandemia.

“A oração cristã infunde no coração humano uma esperança invencível: qualquer que seja a experiência que toque o nosso caminho, o amor de Deus pode transformá-la em bem”, referiu, durante a audiência geral que foi transmitida online, desde a biblioteca do Palácio Apostólico.

Francisco evocou a celebração, esta quinta-feira, do Dia Mundial do Doente, na festa litúrgica de Nossa Senhora de Lurdes.

“Peçamos por sua intercessão que o Senhor conceda a saúde da alma e do corpo a todos aqueles que sofrem de alguma doença e com a atual pandemia, fortalecendo aqueles que os assistem e os acompanham neste momento de provação”, apelou.

A intervenção, com saudações aos ouvintes de várias línguas, convidou os católicos à oração diária, “principalmente nesta época de pandemia”, apresentando a Deus as suas próprias necessidades e as do mundo inteiro.

O Papa afirmou que a oração está presente na vida quotidiana, “nas ruas, nos escritórios, nos meios de transporte”.

Francisco destacou que rezar permite entrar no “mistério” de Deus, com confiança.

“O conhecimento de Cristo faz-nos confiar que, onde o nosso olhar e os olhos da nossa mente não podem ver, não há o nada, mas há alguém que nos espera, uma graça infinita”, apontou.

A reflexão destacou a necessidade de rezar a partir do “concreto do real”, porque a oração acontece no “hoje”.

“Hoje encontro-me com Deus. Há sempre o hoje do encontro. Não há um outro dia maravilhoso, a não ser o hoje que vivemos”, precisou.


Cada dia que começa, se for acolhido na oração, é acompanhado de coragem, para que os problemas a enfrentar já não sejam obstáculos à nossa felicidade, mas apelos de Deus, ocasiões para o nosso encontro com Ele”.

O Papa desafiou a rezar por tudo e por todos, “também pelos inimigos”.

“Rezemos especialmente pelos infelizes, por quantos choram na solidão e perdem a esperança de que ainda haja um amor que pulse por eles”, pediu.

Francisco realçou que a oração ajuda a “amar os outros”, apesar das suas falhas, imitando Jesus, que “não julgou o mundo, mas o salvou”.

“Amando assim este mundo, amando-o com ternura, descobriremos que cada dia e cada coisa traz dentro de si um fragmento do mistério de Deus”, prosseguiu.


Somos seres frágeis, mas sabemos rezar: esta é a nossa maior dignidade. É a nossa força. Coragem: rezem em todos os momentos, em qualquer situação. O Senhor está perto e quando uma oração está em sintonia com o coração de Jesus, obtém milagres”.

No final da audiência semanal, o Papa deixou uma saudação aos ouvintes de língua portuguesa.

“Queridos irmãos, a oração transforma o nosso olhar e nos ajuda a fazer-nos próximos de todos, mesmo daquelas pessoas que são diferentes de nós. Vele sobre o vosso caminho a Virgem Maria e vos ajude a ser sinal de um amor sem condições no meio dos vossos irmãos”, afirmou.

OC

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

Covid-19: Igreja celebra Dia Mundial do Doente, evocando vítimas da pandemia

Mensagem do Papa denuncia «insuficiências dos sistemas de saúde» perante a pandemia

Foto: Lusa/EPA



Cidade do Vaticano, 11 fev 2021 (Ecclesia) – A Igreja Católica celebra hoje o 29.º Dia Mundial do Doente, recordando as vítimas da pandemia e denunciando as “insuficiências dos sistemas de saúde”, perante o desafio da Covid-19.

“Penso de modo particular nas pessoas que sofrem em todo o mundo os efeitos da pandemia do coronavírus. A todos, especialmente aos mais pobres e marginalizados, expresso a minha proximidade espiritual, assegurando a solicitude e o afeto da Igreja”, escreve Francisco, na sua mensagem para esta jornada anual.

O texto destaca que cada doente tem “um rosto”, evocando as pessoas que “se sentem ignoradas, excluídas, vítimas de injustiças sociais que lhes negam direitos essenciais”.

“A atual pandemia pôs em evidência muitas insuficiências dos sistemas de saúde e carências na assistência às pessoas doentes”, adverte.

O Papa lamenta que “nem sempre seja garantido o acesso aos cuidados médicos” aos idosos, aos mais frágeis e vulneráveis.


Isto depende das opções políticas, do modo de administrar os recursos e do empenho de quantos assumem funções de responsabilidade. Investir recursos nos cuidados e na assistência às pessoas doentes é uma prioridade ditada pelo princípio de que a saúde é um bem comum primário”.

Francisco elogia a “dedicação e generosidade” de profissionais de saúde, voluntários, trabalhadores e trabalhadoras, sacerdotes, religiosos e religiosas que, “com profissionalismo, abnegação, sentido de responsabilidade e amor ao próximo, ajudaram, trataram, confortaram e serviram tantos doentes e os seus familiares”.

“Uma série silenciosa de homens e mulheres que optaram por olhar para aqueles rostos, ocupando-se das feridas de pacientes que sentiam como próximos em virtude da pertença comum à família humana”, aponta.

A celebração do 29.º Dia Mundial do Doente acontece na memória litúrgica de Nossa Senhora de Lurdes.

O tema escolhido pelo Papa é “«Um só é o vosso Mestre e vós sois todos irmãos» (Mt 23,8). A relação de confiança na base do cuidado dos doentes”.

Francisco convida a “escutar, estabelecer uma relação direta e pessoal, sentir empatia e enternecimento, deixar-se comover” pelo sofrimento do outro.

“A experiência da doença faz-nos sentir a nossa vulnerabilidade e, ao mesmo tempo, a necessidade inata do outro”, assinala.

O texto destaca a importância da proximidade e do aspeto relacional, “através do qual se pode conseguir uma abordagem holística da pessoa doente”.

O Papa convida a “estabelecer um pacto entre as pessoas carecidas de cuidados e aqueles que as tratam”.

“Um pacto baseado na confiança e no respeito mútuos, na sinceridade, na disponibilidade, de modo a superar toda e qualquer barreira defensiva, colocar no centro a dignidade da pessoa doente, tutelar o profissionalismo dos agentes de saúde e manter um bom relacionamento com as famílias dos doentes”, prossegue.


Uma sociedade é tanto mais humana quanto melhor souber cuidar dos seus membros frágeis e atribulados e o fizer com uma eficiência animada por amor fraterno. Tendamos para esta meta, procurando que ninguém fique sozinho, nem se sinta excluído e abandonado”.

Francisco admite que a doença coloca questões de “fé” a quem “procura um significado novo e uma nova direção para a existência”.

“Confio todas as pessoas doentes, os agentes de saúde e quantos se prodigalizam junto aos que sofrem, a Maria, Mãe de Misericórdia e Saúde dos Enfermos. Que ela, da Gruta de Lurdes e dos seus inumeráveis santuários espalhados por todo o mundo, sustente a nossa fé e a nossa esperança e nos ajude a cuidar uns dos outros com amor fraterno”, conclui.

OC

Papa: Mundo precisa tanto de vacinas como de fraternidade e esperança



«O ano de 2021 é um tempo a não perder; e não se perderá na medida em que soubermos colaborar com generosidade e empenho. Neste sentido, considero que a fraternidade é o verdadeiro remédio para a pandemia e os inúmeros males que nos atingiram. Fraternidade e esperança são remédios de que o mundo precisa, hoje, tanto como as vacinas.»

Foi com estas palavras, de estímulo, otimismo, mas também compromisso e responsabilidade, que o papa concluiu o discurso anual aos membros do corpo diplomático acreditado junto da Santa Sé, no qual exortou os governos a emergirem do coronavírus focados na criação de uma economia mais justa, enfrentando os perigos crescentes das mudanças climáticas e fornecendo cuidados básicos de saúde aos seus cidadãos.

A pandemia foi o fio condutor de uma reflexão sobre o mundo atual e como a fraternidade - na sequência da recente encílcia "Fratelli tutti", como remédio e método a aplicar às relações internacionais, para que estas se restabeleçam sobre outros vírus além do Covid-19, como os da indiferença e da incúria.

Francisco afirmou que a pandemia iluminou crises interligadas - sanitária, ambiental, económica e social, politica - que atacam o mundo, colocando-o «perante uma alternativa: continuar pela estrada percorrida até agora ou empreender um novo caminho».

«É precisa uma espécie de «nova revolução coperniciana» que coloque de novo a economia ao serviço do homem, e não vice-versa»

«A mais grave de todas» as crises é a «dos relacionamentos humanos, expressão duma crise antropológica geral, que tem a ver com a própria conceção da pessoa humana e a sua transcendente dignidade».

Ao tratar do «valor» e da «dignidade» da pessoa, «em todos os momentos do seu itinerário terreno desde a conceção no ventre materno até ao seu fim natural», o papa considera como «é doloroso constatar que, a pretexto de garantir pretensos direitos subjetivos, um número crescente de legislações no mundo está a afastar-se do dever imprescindível de defender a vida humana em cada uma das suas fases».

Para Francisco, está em curso «uma espécie de "catástrofe educativa"»: «Deixai-me repeti-lo: assistimos a uma espécie de "catástrofe educativa", face à qual não se pode permanecer inerte; exige-o o bem das futuras gerações e da sociedade inteira».

Entre os elementos para uma "nova economia" propostos na intervenção inclui-se «o acesso universal aos cuidados básicos de saúde» («não pode ser a lógica do lucro a guiar um campo tão delicado como o da assistência e tratamento sanitários»), «uma distribuição equitativa das vacinas», «um acordo eficaz para enfrentar as consequências da alteração climática» aquando de Conferência das Nações Unidas sobre o Clima (COP26), marcada para novembro, em Glasgow , e «repensar a relação entre a pessoa e a economia».

O papa comparou a necessidade de mudanças no sistema de mercado global como semelhante à compreensão, no século XVII, de que a Terra gira em torno do Sol, vincando que «é precisa uma espécie de «nova revolução coperniciana» que coloque de novo a economia ao serviço do homem, e não vice-versa».

«A proteção dos lugares de culto é uma consequência direta da defesa da liberdade de pensamento, consciência e religião, sendo um dever das autoridades civis, independentemente da sua cor política e filiação religiosa»

Referindo-se à política, Francisco considera que que «manter vivas as realidades democráticas é um desafio» que, atualmente, «toca de perto todos os Estados».

«A crise da política, que já há algum tempo se faz sentir em muitas sociedades e cujos efeitos dilacerantes surgiram durante a pandemia», tem como uma das principais consequências «o aumento das contraposições políticas e a dificuldade, senão mesmo a incapacidade, de procurar soluções comuns e partilhadas para os problemas».

República Centro-Africana (onde Portugal mantém um contingente militar, várias vezes chamado a atuar em cenários de combate), Myanmar, Líbia, Israel, Palestina, Iémen, Líbia, Síria, Coreia do Norte e Coreia do Sul, foram países mencionados por Francisco devido aos conflitos ou à instabilidade política.

Sobre o terrorismo, em particular na «África subsariana, mas também na Ásia e na Europa», Francisco salienta «que a proteção dos lugares de culto é uma consequência direta da defesa da liberdade de pensamento, consciência e religião, sendo um dever das autoridades civis, independentemente da sua cor política e filiação religiosa».

Este encontro com oo corpo diplomático estava inicialmente agendado para 25 de janeiro, tendo sido adiado devido à ciática que atingiu o papa, que se manteve de pé durante todo o discurso, e depois, ao saudar, sem aperto de mão, cada um dos embaixadores.


[Stefania Falasca, Joshua J. McElwee | 

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

Se tu manténs o silêncio, faz isso por amor



A era da internet, do whatsapp, das redes sociais permitiu-nos aproximar-nos dos nossos que estão mais distantes; permitiu-nos divulgar os nossos dons na escrita, na pintura, na fotografia, no vídeo; permitiu-nos dar a conhecer os nossos atributos e qualidades, bem como as nossas opiniões… O que é fabuloso!

No entanto e ao mesmo tempo, predispôs-nos para o pior que há no ser humano: conhecedores multifacetados de tudo o que é ciência, sabedoria e conhecimento; peritos na interpretação do que o outro pensa ou da circunstância que vive; juízes das ideias ou escolhas que os outros fazem, ou no mínimo, advogados de acusação e raramente de defesa quando pensa o meu contrário.

Dói ouvir as mesmas noticias acerca da pandemia. Repetitivas ou em diferentes texturas consoante o especialista na matéria. Nunca, como nos nossos dias, se viu tanta gente que percebe de vírus e do seu combate; de confinamentos e de vacinas; de culpa e de culpados… Se saltarmos para as redes sociais, a variedade destes espertos excedem a nossa imaginação.

Precisamos de Silêncio. Silêncio que não significa dizer nada. Precisamos daquele silêncio que é a inexpressividade do que se está a viver, pois nem sempre as palavras explicam. Aquele silêncio que não é a ausência de palavras, mas a riqueza de uma presença que dá plenitude à vida, um sentimento que envolve toda a pessoa e sintetiza cada palavra humana. Tal como na oração mais intima com Deus. Silêncio habitado por Deus.

Este silêncio, preenchido pelo Espírito Santo, permite-nos sair de nós próprios, sem dispersão e ajuda-nos a entrar em relação com os nossos irmãos e falar palavras que dão e geram vida. É o silêncio da empatia, da proximidade, da solidariedade, da unidade…

Sem este silêncio, muitas vezes, as nossas palavras são palavras vazias, estéreis ou pior, como diz o Papa Francisco, «mortais, fruto de uma interioridade dissipada e despedaçada, incapaz de escutar a vida, os irmãos, as irmãs, Deus. Neste caso as nossas palavras podem tornar-se semelhantes a facas que ferem e criam conflitos. Quantas vezes já passamos por isso!»



Termino citando Santo Agostinho:


«Ama e faz o que quiseres.

De uma vez por todas, uma pequena regra é exigida de ti: ama e faz o que desejas.


Se tu manténs o silêncio, faz isso por amor;


Se gritas, fá-lo por amor;

Se corrigires, corrigirás com amor;

Se perdoares, perdoarás com amor;

Se evitas punir, faz isso por amor.



Cultiva em ti a planta do amor, pois dela só poderá vir o que é verdadeiramente bom.

Por amor.


Quem ama nunca faz o mal, e é para o bem que nascemos.»

Paulo J. A. Victória

terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

Cuidar da vida frágil, por Tolentino Mendonça


Guardo em mim uma gratidão para com a enfermeira que, há uns anos, vendo a minha angústia por não estar a conseguir ajudar uma pessoa de família a encontrar o que então me parecia um equilíbrio psíquico ao seu alcance, me disse: “Perceba que isto não é ela, mas a doença dela.” É verdade: levamos muito tempo a perceber o óbvio. Porque sabemos mais ou menos cuidar de nós próprios e sustentar a nossa autonomia, julgamos saber automaticamente cuidar dos outros. E não é assim. O cuidado requer, como tudo na vida, uma aprendizagem. Mas é um dado universal: todos podemos aprender. O cuidado não é apenas uma espécie de técnica de manutenção. Certamente há uma dimensão técnica importante no cuidado, mas ele não se realiza humanamente sem a escuta, o reconhecimento do outro, a empatia, a solicitude, a participação ou a delicadeza. No princípio do cuidado está a ativação da nossa responsabilidade pelo outro. Como no seu oposto está a indiferença, o abandono ou o descarte.

Penso nos largos milhares de cuidadores (na verdade, de cuidadoras, pois as estatísticas dizem que mais de 60% são mulheres) que, entre nós, se ocupam dos pais ou familiares doentes, que tratam de jovens e adultos portadores de deficiência, acompanhando-os jornada após jornada. Prestando atenção à toma dos medicamentos, preparando as refeições, ajudando-os a caminhar um pouco, estimulando-os com conversas, roubando para eles, de qualquer parte, pequenos fragmentos de azul e recebendo em troca cintilações que, na sua intensidade, se diria não serem apenas cintilações. Lutando muitas vezes, em solidão, para afirmar o valor da vida humana numa sociedade que em vez de simplificar os auxílios, burocratiza, distancia-se e dificulta. Porém, não tenhamos dúvidas: é o cuidado a grande experiência humanizadora, o lugar do mundo onde mais aprendemos, o grande espaço de sabedoria autêntica. Sem a cultura do cuidado não haverá futuro e tudo representará sempre mais um beco sem saída. Há quem contraponha: “O cuidado só por si não oferece a solução.” A resposta é: pelo menos oferece caminhos.

A vida é também prática e esperança de reparação. Ora, uma forma histórica de reparação devida à dor humana é precisamente o cuidado

A gramática bíblica traduz este debate num fundamental conceito, que em hebraico se diz tiqqun. O termo tiqqun, mesmo se inclui outros significados, é normalmente traduzido como “reparação” ou “restauração”. A história narrada na Bíblia não é uma história linear ou que escolha omitir a sua condição vulnerável, trágica e ferida. Pelo contrário: os livros sagrados constituem documentos inapagáveis do sofrimento humano no tempo; contam avalanchas e razias, perdas de estatuto político e deportações, a dor dos prisioneiros e a mortificação incomensurável dos escravos; falam de doenças individuais, de infortúnios e desastres, de cercas sanitárias (como no caso da lepra) e de histórias clínicas agravadas. Mas na conceção bíblica a vida não se resume ao enredo niilista dos seus agravos. A vida é também prática e esperança de reparação. Ora, uma forma histórica de reparação devida à dor humana é precisamente o cuidado.

Em Portugal, com solavancos e atrasos, lá se chegou a uma das leis que correspondem efetivamente a um avanço civilizacional: a aprovação do Estatuto do Cuidador Informal. Estima-se que possam reclamar o direito a ele (porque, em concreto, já o exercem) cerca de 800 mil portugueses. Contudo, a lentidão dos processos administrativos e a escassa informação pública têm provocado uma ralentização inaceitável. Até meio de dezembro passado, o número dos cidadãos que pediu o documento de acesso ao estatuto não chegava aos 4 mil. E este facto torna ainda mais violenta e incompreensível a pressa em aprovar uma lei desumana como a da eutanásia.

[SEMANÁRIO#2519 - 5/2/21]

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

O mérito fala por si mesmo, sem ruído




Não é necessário que alguém chame a atenção dos outros para as suas próprias virtudes. Se a virtude existe, então dar-se-á a saber de forma subtil, como se se tratasse de um perfume.

Quem merece uma aclamação, não precisa dela.

Se falta o mérito, então muitos gostam de o fingir, até porque neste mundo há também muita gente que prefere a aparência à verdade. Assim, os que fingem gostam de quem os admira, mesmo que se trate de gente que não é capaz de reconhecer o que é autêntico; estes, por sua vez, gostam de quem se preocupa com eles, criando belas mentiras.

É muito difícil distinguir a verdade por entre muitas falsidades. Mais do que estar atento às palavras de alguém, devemos focar a nossa atenção em quem as diz. Depois, devemos meditar no porquê de as ter dito. Perceber o mérito de outra pessoa implica que sejamos capazes de ser humildes e isso é, por si só, um mérito raro.

O tempo, que passa em silêncio, fará com que o que estava escondido se revele. Devagar.

Não fiques a olhar para os sinais, mas que a tua atenção se dirija para onde eles apontam.

Mais do que seres o caminho, procura que a tua vida seja um exemplo, um bom sinal para quem estiver à procura e atento.

Não há maior mérito do que percorrer o caminho do amor, aquele por onde se é feliz a cada passo, apesar de tudo.



José Luís Nunes Martins