sexta-feira, 2 de setembro de 2022

AS NAÇÕES UNIDAS E A PRÁTICA DA CARIDADE



A Assembleia Geral das Nações Unidas, reconhecendo os esforços das organizações de caridade e de indivíduos, decidiu designar o dia 5 de setembro de cada ano - dia do aniversário da morte de Madre Teresa de Calcutá -, como Dia Internacional da Caridade. Declarou-o pela Resolução de 17 de dezembro de 2012, celebrá-lo-emos na próxima segunda-feira. Aí, a ONU “convida todos os Estados Membros, organizações do sistema das Nações Unidas e outras organizações internacionais e regionais, bem como a sociedade civil, incluindo organizações não governamentais e indivíduos, para comemorar o Dia Internacional da Caridade de forma adequada, incentivando a caridade, inclusive por meio de atividades de educação e conscientização pública”.
Sabemos que há preconceitos em relação à palavra caridade. Quer a aceitemos como uma das virtudes teologais, quer a vejamos como sinónimo de filantropia a remeter para o amor à humanidade, quer a tenhamos como expressão de solidariedade ou de mero desejo de fazer o bem, quer a entendamos como apoio aos mais necessitados e desfavorecidos ou a outras causas sociais e culturais, a caridade só será Caridade se não procura o seu próprio interesse, se for fruto do amor efetivo que não espera recompensa.
O objetivo deste dia é sensibilizar pessoas, organizações não governamentais e empresas do mundo inteiro para a importância de ajudar o outro, bem como reconhecer o papel fundamental do setor privado, da sociedade civil, do voluntariado e de iniciativas solidárias. A ONU afirma que a caridade contribui para sociedades mais inclusivas e resilientes, para promover os direitos das pessoas marginalizadas e desprivilegiadas, pode aliviar os piores efeitos das crises humanitárias, ajuda a fornecer serviços de saúde e educação, de residência e proteção infantil, promove a cultura, a ciência e o desporto, protege o património cultural.
Sendo a fonte de qualquer comportamento verdadeiramente humano, a caridade leva a ter gestos solidários, respondendo adequadamente a problemas humanitários, e não só. Para nós, cristãos, é qualquer coisa mais que mera filantropia ou desejo de fazer o bem. É expressão de amor e de justiça, é uma exigência da vida da fé porque a fé em Deus tem de ser vivida na história concreta das pessoas. Bento XVI afirma que a caridade “supera a justiça e completa-a com a lógica do dom e do perdão” por “relações de gratuidade, misericórdia e comunhão”, sublinhando que se a caridade não tiver como base a justiça, estamos a construir sobre a areia.
Na Exortação Apostólica sobre a Vocação e Missão dos Leigos na Igreja e no Mundo, lemos que, “com a caridade para com o próximo, os fiéis leigos vivem e manifestam a sua participação na realeza de Jesus Cristo, isto é, no poder do Filho do homem que «não veio para ser servido, mas para servir»: vivem e manifestam essa realeza na forma mais simples que é possível a todos e sempre e, ao mesmo tempo, na forma mais digna, pois a caridade é o dom mais alto que o Espírito dá em ordem à edificação da Igreja e ao bem da humanidade. A caridade anima e sustenta a solidariedade ativa que olha para a totalidade das necessidades do ser humano. Uma caridade assim, atuada não só pelos indivíduos, mas também, de forma solidária, pelos grupos e pelas comunidades, é e será sempre necessária: nada e ninguém a pode e poderá substituir, nem sequer as múltiplas instituições e iniciativas públicas, que também se esforçam por dar resposta às carências - muitas vezes hoje tão graves e generalizadas - de uma população. Paradoxalmente, essa caridade é tanto mais necessária quanto mais as instituições, ao tornarem-se complexas na organização e pretendendo gerir todos os espaços disponíveis, acabam por se esvaziar devido ao funcionalismo impessoal, à burocracia exagerada, aos interesses privados injustos e ao desinteresse fácil e generalizado” (ChFL 41).
A erradicação da pobreza em todas as suas formas e dimensões é o primeiro objetivo de desenvolvimento sustentável da Agenda 2030, aprovada em 2015. Isso implica, sem dúvida, “um espírito mais forte de solidariedade global”. A nós, cristãos, São Paulo aponta-nos o caminho a seguir. Escreveu ele: “Vou mostrar-vos um caminho de perfeição que ultrapassa tudo. Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver caridade, sou como bronze que ressoa ou como símbolo que retine. Ainda que eu tenha o dom da profecia e conheça todos os mistérios e toda a ciência, ainda que eu possua a plenitude da fé, a ponto de transportar montanhas, se não tiver caridade, nada sou. Ainda que distribua todos os meus bens aos famintos e entregue o meu corpo para ser queimado, se não tiver caridade, de nada me aproveita. A caridade é paciente, a caridade é benigna; não é invejosa, não é altiva nem orgulhosa; não é inconveniente, não procura o próprio interesse; não se irrita, não guarda ressentimento; não se alegra com a injustiça, mas alegra-se com a verdade; tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O dom da profecia acabará, o dom das línguas há de cessar, a ciência desaparecerá; mas a caridade não acaba nunca. De maneira imperfeita conhecemos, de maneira imperfeita profetizamos. Mas quando vier o que é perfeito, o que é imperfeito desaparecerá. Quando eu era criança, falava como criança, sentia como criança e pensava como criança. Mas quando me fiz homem, deixei o que era infantil. Agora vemos como num espelho e de maneira confusa, depois, veremos face a face. Agora, conheço de maneira imperfeita; depois, conhecerei como sou conhecido. Agora permanecem estas três coisas: a fé, a esperança e a caridade; mas a maior de todas é a caridade” (1Cor 13).

D. Antonino Dias - Bispo Diocesano
Portalegre-Castelo Branco, 02-09-2022.

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