terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

O amor existe



Há quem me abraça sempre a alma e se deixa ficar. E o amor existe.

Há quem me dá sempre a mão e se faz sempre perto. E o amor existe.

Há quem me sorri sempre com o coração. E o amor existe.

Há quem me olha sempre tão de verdade, como quem olha por dentro. E o amor existe.

Há quem me beija sempre com a ternura mais confortante. E o amor existe.

Há quem me abriga sempre em colo seguro. E o amor existe.

Há quem me faz sempre rir de mais uma forma que eu ainda não conhecia. E o amor existe.

Há quem me pede sempre para eu ficar mais um bocadinho e mais uma e outra vez. E o amor existe.

Há quem me sente sempre o coração e me vê da forma mais bonita: de verdade. E o amor existe.

Há quem me ama sempre e se faz sempre morada. E o amor existe.

Há quem me faz ser sempre mais lugar de amor. Mais lugar de tudo. De tudo o que importa. E o amor existe.

O amor existe.

Acontece-nos todos os dias. Assim. Nas nossas pessoas. Nos gestos do coração. Nos nadas que são tudo. Por aí. Quase despercebido… Mas tão perto. Tão à vista.

O amor existe. Acontece-nos todos os dias. E salva-nos de todos os dias.

Daniela Barreira



segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

Só tens o dia de hoje!



Não há mais. Só o dia de hoje e o momento presente pode ser, realmente, teu. O resto é pó. Lume já feito cinza ou chama que ainda ninguém viu.

Aproveita para sentir o que quer que esteja a habitar o teu coração. A tua vida e os teus dias. É isso que te ensinará o que precisas para enfrentar o momento que te é dado a viver. Respira a tristeza. Ou a incompreensão. Ou a raiva. Ou a injustiça. Ou a dor. Ou a alegria. Ou a euforia. Ou a tranquilidade. Respira o que quer que esteja dentro da tua alma. É isso que é suposto viveres, entregares. Mais: é isso que é preciso que vejas neste momento. O resto não existe ou nunca existiu.

Só tens o dia de hoje.

As folhas acastanhadas a dançar entre duas brisas contrárias que, por acaso, se encontraram.

Os pardais que procuram alimento no chão que pisas sem te dar(es) conta.

As gaivotas que trazem o sal do mar e das ondas preso às penas mais ou menos sujas.

As crianças que se mascaram e que ainda acreditam que o mundo há de ser delas e que as vai deixar ser o que quiserem, sem nunca as julgar.

O barulho das cadeiras da esplanada.

O copo que se senta na mesa do costume.

As pessoas que chegam e que abraçam os seus.

Tu, que vais para abraçar quem amas.

A viagem de regresso.

O sossego de ter tudo por não saber nada.

Por não saber se a guerra escala. Se o mundo acaba em água, em terra ou em sol. Se amanhã estamos vivos ou debaixo de escombros. Se a vida nos deixa continuar a ver as gaivotas. E o Tejo. E a ponte desenhada ao fundo. E a Torre de Belém que não combina com scooters e trotinetas.

Mas está tudo certo.

Porque só temos o hoje. Porque somos cegos para o futuro e essa é a maior razão da nossa alegria.

Marta Arrais

domingo, 26 de fevereiro de 2023

As tentações

 


No início da nossa caminhada quaresmal, a Palavra de Deus convida-nos à "conversão" - isto é, a recolocar Deus no centro da nossa existência, a aceitar a comunhão com Ele, a escutar as suas propostas, a concretizar no mundo - com fidelidade - os seus projectos.
A primeira leitura afirma que Deus criou o homem para a felicidade e para a vida plena. Quando escutamos as propostas de Deus, conhecemos a vida e a felicidade; mas, sempre que prescindimos de Deus e nos fechamos em nós próprios, inventamos esquemas de egoísmo, de orgulho e de prepotência e construímos caminhos de sofrimento e de morte.
Como é que chegamos a essa felicidade que está inscrita no projecto que Deus tem para os homens e para o mundo? Deus nada impõe e respeita sempre - de forma absoluta - a nossa liberdade; no entanto, insiste em mostrar-nos, todos os dias, o caminho para essa plenitude de vida que Ele sonhou para os homens. Quando aceitamos a nossa condição de criaturas e reconhecemos em Deus esse Pai que nos dá vida, que nos ama e que nos indica caminhos de realização e de felicidade, construímos uma existência harmoniosa, um "paraíso" onde encontramos vida, harmonia, felicidade e realização.
A segunda leitura propõe-nos dois exemplos: Adão e Jesus. Adão representa o homem que escolhe ignorar as propostas de Deus e decidir, por si só, os caminhos da salvação e da vida plena; Jesus é o homem que escolhe viver na obediência às propostas de Deus e que vive na obediência aos projectos do Pai. O esquema de Adão gera egoísmo, sofrimento e morte; o esquema de Jesus gera vida plena e definitiva.
Alguns acontecimentos que marcam a história do nosso tempo confirmam que uma história construída à margem das propostas de Deus é uma história marcada pelo egoísmo, pela injustiça, pela prepotência e, portanto, é uma história de sofrimento e de morte. Quando o homem deixa de dar ouvidos a Deus, dá ouvidos ao lucro fácil, destrói a natureza, explora os outros homens, torna-se injusto e prepotente, sacrifica em proveito próprio a vida dos seus irmãos... Qual é o nosso papel de crentes, neste processo? O que podemos fazer para que Deus volte a estar no centro da história e a as suas propostas sejam acolhidas?
O Evangelho apresenta, de forma mais clara, o exemplo de Jesus. Ele recusou - de forma absoluta - uma vida vivida à margem de Deus e dos seus projectos. A Palavra de Deus garante que, na perspectiva cristã, uma vida que ignora os projectos do Pai e aposta em esquemas de realização pessoal é uma vida perdida e sem sentido; e que toda a tentação de ignorar Deus e as suas propostas é uma tentação diabólica e que o cristão deve, firmemente, rejeitar.
A questão essencial que a Palavra de Deus hoje nos propõe é, portanto, esta: Jesus recusou, de forma absoluta, conduzir a sua vida à margem de Deus e das suas propostas. Para Ele, só uma coisa é verdadeiramente decisiva e fundamental: a comunhão com o Pai e o cumprimento obediente do seu projecto... E nós, seguidores de Jesus? É essa também a nossa perspectiva? O que é que é decisivo na minha vida: as propostas de Deus, ou os meus projectos pessoais?

https://www.dehonianos.org/


sábado, 25 de fevereiro de 2023

RECONSTRUIR A TUA IGREJA



Ensina-nos, Senhor, o renascimento paciente depois das duras desilusões que nos atingem. Não nos deixes reféns do mal que ganha forma na nossa história e nos captura com mil amarras diversas, tantas dessas inegavelmente trágicas. Ajuda-nos nesta hora a coragem de colocar no lugar do mal aquele bem que brota apenas da verdade e do perdão.

Ensina-nos, Senhor, a olhar com humildade o retrato que nos desgosta e a reconhecer como um caminho que deve ser percorrido o áspero cúmulo de ruínas.

Ensina-nos a colocar acima de tudo a integridade da vida de cada pessoa e a proteger de forma inequívoca os mais pequenos e frágeis. Que consideremos essa protecção como um dos pilares que sustentam a espiritualidade e a façamos equivaler à mais perfeita expressão de tudo o que nos liga a Ti.

Ensina-nos a assumir com responsabilidade a lição das feridas profundas que tantos transportam e a não desviar a nossa atenção daqueles que esperam da comunidade reconhecimento e justiça.

Não nos deixes ficar de braços caídos. Ensina-nos, Senhor, como o fizeste com o jovem Francisco de Assis, a reconstruir a Tua Igreja.


Cardeal José Tolentino de Mendonça
14.02.2023

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

VIVER A QUARESMA EM ESTILO SINODAL


Começámos o tempo litúrgico da Quaresma com o expressivo rito da imposição das cinzas. Como tempo forte no caminho da Igreja em direção à Páscoa do Senhor, somos convidados a vivê-la, não só individualmente, mas também em família e na comunidade cristã, em estilo sinodal. Viver a Quaresma e ajudar a que os outros também a possam viver é uma proposta que todos devemos aceitar e anunciar. São Paulo, numa das leituras de Quarta-Feira de Cinzas, dava-nos o testemunho deste seu dever de a todos exortar a que se reconciliassem com Deus. Ele confessava que, como embaixador de Cristo, não se afastava desta tarefa que recebeu, mas procurava cumpri-la com toda a dedicação. Por isso, exortava a todos a que se abrissem à Graça de Cristo, a que se deixassem converter por Deus, a que não recebessem em vão a graça de Deus (cf. 2 Cor 6, 1). Se outrora foi dirigida aos Coríntios, hoje, essa exortação é-nos dirigida a nós, continua atual. Todos precisamos da graça de Deus que nos converte, ilumina e fortalece. Todos podemos e devemos abrir-nos à ação de Deus em nós. Todos podemos oferecer aos outros o testemunho da nossa fé, a começar na própria casa. Pelo batismo, somos embaixadores de Cristo, somos enviados por Ele, em seu nome. E o apelo do Senhor continua a ecoar amorosamente: ‘Convertei-vos a Mim de todo o coração, com jejuns, lágrimas e lamentações. Rasgai o vosso coração... Convertei-vos ao Senhor, vosso Deus, porque Ele é clemente e compassivo, paciente e misericordioso... Tocai a trombeta, ordenai um jejum, proclamai uma reunião sagrada. Reuni o povo, convocai a assembleia, congregai os anciãos, reuni os jovens e as crianças. Saia o esposo do seu aposento e a esposa do seu tálamo. Entre o vestíbulo e o altar, chorem os sacerdotes, ministros do Senhor'...
Trata-se de uma conversão de coração, não de aparências ou do faz de conta, superficial e transitória. É um percurso espiritual que propõe atitudes de conversão a Deus, reconhecendo a sua santidade, o seu poder, a sua majestade, a sua misericórdia, o seu amor por todos e cada um de nós. O Senhor oferece-nos o seu perdão, convida-nos a que nos voltemos para Ele para que nos dê um coração novo, um coração de carne, atento, justo e sensível.
Conforme refere o Catecismo das Igreja Católica, o apelo de Cristo à conversão “continua a fazer-se ouvir ... é uma tarefa ininterrupta para toda a Igreja que tem no seu seio os pecadores e que é ao mesmo tempo santa e necessitada de purificação, prosseguindo constantemente no seu esforço de penitência e de renovação. Este esforço de conversão não é somente obra humana. É o movimento do coração contrito, atraído e movido pela graça a responder ao amor misericordioso de Deus que nos amou primeiro” (n. 1428).
Desde o início, a Quaresma aponta-nos as três obras fundamentais de piedade que já caraterizavam os judeus e estavam previstas na lei mosaica: a esmola, a oração e o jejum. No decorrer do tempo, porém, “estas prescrições tinham sido corroídas pela ferrugem do fundamentalismo exterior, ou até se tinham transformado num sinal de superioridade. Jesus põe em evidência nestas três obras de piedade uma tentação comum. Quando realizamos algo de bom, quase instintivamente surge o desejo de sermos estimados e admirados pelas ações boas, isto é, de ter uma satisfação. E isto, por um lado, leva a um fechamento em nós mesmos, por outro, conduz para fora de nós próprios, porque vivemos projetados para aquilo que os outros pensam de nós e admiram em nós. Ao repropor estas prescrições, o Senhor Jesus não exige um respeito formal por uma lei alheia ao homem, imposta por um legislador severo como um fardo pesado, mas convida a redescobrir estas três obras de piedade vivendo-as de modo mais profundo, não por amor próprio, mas por amor a Deus, como meios no caminho de conversão a Ele. Esmola, oração e jejum: é o percurso da pedagogia divina que nos acompanha, não só na Quaresma, rumo ao encontro com o Senhor Ressuscitado: um percurso que se deve percorrer sem ostentação, na certeza de que o Pai celeste sabe ler e ver também no segredo do nosso coração” (Bento XVI, Cinzas, 9/3/2011).
Na sua Mensagem para esta Quaresma, o Papa Francisco torna presente que Jesus, “tomou consigo Pedro, Tiago e seu irmão João, e levou-os, só a eles, a um alto monte» (Mt 17, 1). Isto é, chamou-os à parte, convidou-os a subir ao monte. Eles, conduzidos por Jesus, confiaram, puseram-se a caminho, “um caminho em subida, que requer esforço, sacrifício e concentração, como uma excursão na montanha”. Aí, eles foram “testemunhas de um acontecimento singular”, “de forma partilhada”, superaram “as suas falta de fé e as suas resistências em o seguir pelo caminho da cruz”. E acrescenta Francisco: “Realmente, neste tempo litúrgico, o Senhor toma-nos consigo e conduz-nos à parte”. Somos convidados a subir “a um alto monte” juntamente com Jesus, para viver com o Povo santo de Deus uma particular experiência de ascese”. Jesus quis que aquela experiência da Transfiguração do Senhor não fosse “vivida solitariamente, mas de forma compartilhada, como é aliás toda a nossa vida de fé. A Jesus, seguimo-Lo juntos; e juntos, como Igreja peregrina no tempo, vivemos o Ano Litúrgico e, nele, a Quaresma, caminhando com aqueles que o Senhor colocou ao nosso lado como companheiros de viagem. À semelhança da subida de Jesus e dos discípulos ao Monte Tabor, podemos dizer que o nosso caminho quaresmal é «sinodal», porque o percorremos juntos pelo mesmo caminho, discípulos do único Mestre. Mais ainda, sabemos que Ele próprio é o Caminho e, por conseguinte, tanto no itinerário litúrgico como no do Sínodo, a Igreja não faz outra coisa senão entrar cada vez mais profunda e plenamente no mistério de Cristo Salvador”.
E como é que mais facilmente isso poderá acontecer? Francisco dá-nos duas indicações. A primeira é a voz do Pai que, aquando da Transfiguração, dizia: “Escutai-O” (Mt 17,5). “A Quaresma é tempo de graça na medida em que nos pusermos à escuta d’Ele, que nos fala. E como nos fala Ele?”. Fala-nos na Palavra de Deus que a Liturgia e a Sagrada Escritura nos oferecem, fala-nos “nos irmãos, sobretudo nos rostos e vicissitudes daqueles que precisam de ajuda”, fala-nos também através da “escuta dos irmãos e irmãs na Igreja”, uma escuta “sempre indispensável no método e estilo duma Igreja sinodal”.
Ao ouvir a voz do Pai, os discípulos caíram por terra, assustados e admirados com o que viam, mas Jesus tocou-lhes dizendo: “Levantai-vos e não tenhais medo”. Erguendo os olhos, os discípulos apenas viram Jesus e mais ninguém” (Mt 17, 6-8). Esta é a segunda indicação: “não se refugiar numa religiosidade feita de acontecimentos extraordinários, de sugestivas experiências, levados pelo medo de encarar a realidade com as suas fadigas diárias, as suas durezas e contradições. A luz que Jesus mostra aos seus discípulos é uma antecipação da glória pascal, e é rumo a esta que se torna necessário caminhar seguindo «apenas Jesus e mais ninguém”.

D. Antonino Dias- Bispo Diocesano
Portalegre-Castelo Branco, 24-02-2023.


Deus fala-nos de muitas formas





Faz uma pergunta a Deus e não procures responder-lhe logo numa lógica de pressa. Interioriza a pergunta e pensa com calma e seriedade. Imagina que quem está a ouvir é o próprio Deus, pelo que qualquer fuga à honestidade fará perder todo o sentido. Está atento aos sinais. Os nossos dias estão cheios de pistas valiosas, ainda que as ignoremos como se já fossemos muito sábios e felizes!

A maior parte de nós vive cheio de certezas que, em boa verdade, não são mais do que opiniões sem grande fundamento.

Uma boa pergunta incomoda, porque reconhecê-la como merecedora da nossa atenção já é um passo na direção certa. Saber que não se sabe é o primeiro momento de um processo pelo qual se chega à sabedoria.

Precisamos muito de sossego para que possamos escutar o que vive no mais fundo de nós e nos faz viver.

Aceitar o desafio de perguntar algo a Deus, tentando antes de tudo o mais compreender a dimensão da pergunta, recolhendo-se depois numa escuta atenta aos sinais que podem indicar a resposta, é um caminho longo, demorado e profundo.

Ainda que as perguntas sejam quase sempre as mesmas, as respostas de cada um hão de ser construídas de muitas formas, porque, apesar da verdade ser uma só, cada um vê-a a partir da sua vida.

Um dos maiores perigos nos dias de hoje reside no relativismo absoluto, uma espécie de princípio segundo o qual a verdade não é senão algo que cabe a cada um decidir criar. Não é assim, há o bem e o mal, e a linha que os separa. Não importa o que possa pensar cada um de nós, ou todos… O bem e o mal não variam, porque não dependem do que se possa pensar deles ou do que se julga justo.

Não se entendam as perguntas como desafios para que cada um crie a sua resposta. Não. O caminho é o da paz do silêncio, onde nos serão reveladas, não as nossas respostas, mas a verdade.

Nenhuma oração muda a vontade de Deus, mas qualquer prece pode mudar quem a faz, assim a saiba rezar.

É preciso perguntar, esperando com amor por sinais da resposta. Não peças a alguém que amas aquilo que podes alcançar sozinho. Sinais hão de bastar. Por vezes, a resposta é uma pergunta maior, que, de tão grande, nos faz crescer por dentro!

A vida que nos é dada a cada dia é um dom. Compete-nos vivê-la bem. Escuta aqueles que amas, para que possas ir ao encontro das suas necessidades. Escuta aqueles que te amam, não suponhas que sabes o que te querem ou hão de dizer. Pergunta com humildade e sabedoria, escuta com paciência e atenção.

O Céu vive no nosso coração, e nós no coração do Céu, mas só encontramos Deus quando nos esvaziamos de nós mesmos.

Deus fala-nos de muitas formas, mas o que procura é sempre o mesmo: que sejamos quem podemos ser. Únicos, autênticos e felizes.


José Luís Nunes Martins

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

Talvez a nossa vida seja uma oração



Talvez a nossa vida seja uma oração. Eternamente inacabada e declamada por um grito sedento de busca. Escrita pela imperfeição do que ainda não somos e trabalhada sobre a esperança de sermos inteiramente erguidos.

Talvez a nossa vida seja uma oração. Daquelas que ninguém conhece e que, por isso, vive apenas no mistério daqueles e daquelas que testemunham a sua própria existência. Somos a oração que tantas vezes não sabemos rezar. Somos a oração que carrega os medos e as angústias. Somos a oração que tantas vezes achamos não ser escutada por Deus.

Talvez a nossa vida seja uma oração. Uma oração viva. Construída pelos gestos concretos do quotidiano, onde já não se pode separar o sagrado do profano. Somos a oração que tantas vezes é rezada por quem não acredita. Somos a oração que tantas vezes ouve as súplicas dos que já não têm forças para viver na esperança.

Talvez a nossa vida seja uma oração. Difícil de pronunciar e de explicar, mas alimentada pelos que nos acompanham. Somos a oração que salva o mundo, porque reza em nós a ação da divindade revelada na nossa humanidade.

Talvez a nossa vida seja uma oração. Daquelas que bendizem a vida de tantos e tantas. Somos a oração capaz de construir pontes sobre os que um dia foram deixados de fora. Somos a oração que permite, através do silêncio e do perdão, o recomeçar.

Talvez a nossa vida seja uma oração. Que se deixa rezar pelas ruas das nossas cidades. Somos a oração que surge das Igrejas para dar vida ao Mundo. Somos a oração capaz de ser luz na sombra de tantos. Somos a oração capaz de dar sabor a muitas vidas.

Talvez a nossa vida seja uma oração inacabada à espera que Deus a reze em nós!



Emanuel António Dias

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

92° C.C. Homens

 



Aproximando-se a realização do 92° C.C. Homens da nossa diocese, vamos estar unidos em oração com todos os que o irão viver. 
Assim, individual ou coletivamente, vamos rezar para o E.S. ali derrame as Suas Graças.
 Coletivamente, o grupo de cursilhistas de Portalegre, irá realizar as seguintes Intendências: 

5a feira, dia 23, Eucaristia -18h 30m; 6a feira, 
dia 24, Via Sacra - 18h; 
sábado, dia 25, Hora Apostólica - 18h. 
Todas estas Intendência serão realizadas na igreja de S. Lourenço. 

Domingo, dia 26- Encerramento - 17h 30m no Cine Teatro do Gavião.

 Cristo conta connosco   



 

Não tenho sorte nenhuma…. tu é que tens!



Quantas vezes ouvimos a expressão miserável: “Não tenho sorte nenhuma!”

Ou então aquela desvalorização que fazem do nosso esforço quando nos dizem: “Tu é que tens sorte!” Supostamente a sorte é um conjunto de acontecimentos, positivos ou negativos, sobre as quais tu não interferes, são fruto do acaso, destino ou em bom português, do fado.

É certo que algumas coisas que nos acontecem são pura sorte, mas até para ter sorte é preciso algo mais. Ora bem, pensemos num chamado jogo da sorte, tipo raspadinha. Para ganhar, o que quer que seja, tem sempre de haver um investimento da minha parte: tempo e dinheiro. Ou seja, há sempre, ou quase sempre, uma variável que depende de mim para que possa “ter a sorte” que tanto se inveja.

Eu considero que é muito bom sentir que temos sorte, ou melhor, que as coisas até nos correm bem! Mas não gosto quando se atribui o sucesso que temos, seja pessoal ou profissional, ao mero acaso. Acho mesmo uma desconsideração. Já te aconteceu de te dizerem, tu é que tens sorte de teres um marido bom? Eu tenho a sorte de me dizerem isto muitas vezes! Pois é, e não desconsiderando o maravilhoso marido que tenho (e que no teu caso pode ser emprego, vida, amigos) a verdade é que a sorte dá muito trabalho, não achas? A mim dá!

Muitos dos acontecimentos das nossas vidas são realmente o fruto do acaso misturado com grande dose de empenho pessoal. Gosto de pensar que o resultado do nosso bem-estar depende muito mais de nós do que da sorte, embora confesse que…há pessoas com sorte! E ainda bem, porque significa que conseguiram ver uma oportunidade que muitos outros não viram. Repara. Muitas vezes usamos a expressão “foi uma sorte encontrar aquela pessoa”, “foi uma sorte não ter tido aquela acidente”, mas se pensarmos bem, se calhar não foi a sorte a predominante no evento mas a nossa, minha e tua disposição para esse momento. Quando me cruzo com alguém e não tenho uma boa conversa, posso estar a deitar fora uma grande sorte. Quando conduzo, e estou atenta, não só a mim como aos outros, estou a salvaguardar a minha sorte.

Somos gente de sorte, eu e tu, porque usamos os nossos sentidos apurados para ver o que muitos outros consideram acaso e agarrar oportunidades sem a ter a tentação de fazermos dos outros verdadeiros muros de lamentação. Sim, porque todos conhecemos alguém que se acha tão miserável que faz de nós muros…. “muros de lamentação” porque “supostamente” não têm sorte, e para nós a sorte sobra!

E tu? O que fazes para ter sorte?


Raquel Rodrigues

terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

E o amor?


E o amor, onde fica? No meio da confusão dos dias, da penumbra, da espuma branca das marés que nos mantém imperturbáveis?

E o amor, onde fica? No meio de rosas vermelhas e corações mal pintados pela hipocrisia do costume. Pelas lojas do costume. Pelo enjoo do costume. São precisos dias disto e daquilo para lembrar que o amor existe?

Por acaso temo-nos lembrado disso nos outros dias todos? Ou gostamos só de viver mentiras e enganos, enquanto nos convencemos de que fazemos o suficiente uns pelos outros?

Não fazemos o suficiente. Nem pelo amor que nos devíamos ter. Nem pelo amor que devíamos ser para quem palmilha caminhos ao nosso lado. Sabemos lá o que é o amor de ter noção. De calçar os sapatos de quem não os tem. De olhar como quem quer ver, realmente, o que vai para além do umbigo.

Falamos de tudo. Damos opinião sobre tudo. Corremos atrás de tudo. E já não sabemos parar à sombra do que vale a pena. Do tempo que é preciso para amar os dias que nos são dados. Os momentos que nos são dados. As pessoas que nos são dadas.

Falar sobre o amor é fácil. Agora vivê-lo? Isso é para outro tipo de corajosos.

Será?

Só para o caso de ninguém te ter dito: o amor é para todos. É um presente que nos é dado a viver, a conhecer, a guardar. E é preciso ter consciência disso.

É sempre pouco e superficial escrever sobre o amor. Pela sua vastidão e pequenez, ao mesmo tempo. Pela sua complexidade e pelo tanto que nos traz de vulnerabilidade também.

No entanto, em dias tão feridos como os que vivemos, vale a pena lembrar que é para isso que aqui estamos. E estaremos. Para viver por amor.

Marta Arrais

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

ESTA SEMANA

 

~

QUARTA- FEIRA DE CINZAS
É o ínicio da Quaresma, segundo a tradição cristã e as recomendações da Igreja, dia de Jejum e Abstinência.

Celebração das Cinzas:

Arronches- 17h30
Alegrete- 18h00
Nas outras comunidades far-se-á a imposição das cinzas no fim de semana.

Via Sacra - Em ARRONCHES, quintas- feiras, 17h00 ( antes da Missa)

Esta semana não haverá celebração na terça-feira.

Renúncia Quaresmal - Este ano, é destinada ao Fundo Social Diocesano gerido pelas Cáritas para ajudar a minorar a situação das pessoas mais vulneráveis acolhidas na Diocese.

Muito mais que missas. Afinal, o que acontece na JMJ


No período de 26 a 31 de julho de 2023, antecedendo o período oficial da JMJLisboa2023, que se realiza entre 1 e 6 de agosto, realizam-se os Dias nas Dioceses, em que jovens de todo o mundo serão distribuídos por todo o território nacional, tendo oportunidade de "viver localmente uma experiência de comunhão, de partilha e de fé".

Os jovens ficam acolhidos em equipamentos como pavilhões gimnodesportivos, colégios, associações culturais, centros paroquiais ou famílias que abrem as portas de suas casas para os receber durante aquela semana.

Depois, no início da semana da Jornada — essencialmente nos dias 31 de julho e 1 de agosto —, este jovens vão ser distribuídos pelas três dioceses de acolhimento, ou seja, Lisboa, Santarém e Setúbal.

Quando começa oficialmente a JMJ?

A Jornada Mundial da Juventude tem o início oficial marcado para dia 1 de agosto, uma terça-feira, com a Missa de Abertura. A cerimónia — que está prevista acontecer no Parque Eduardo VII — vai contar com a presença de D. Manuel Clemente, Cardeal Patriarca de Lisboa. O Papa ainda não estará nesta celebração.

Quando é que o Papa chega a Portugal?

O calendário oficial da visita do Papa a Portugal ainda não foi divulgado, mas sabe-se que a cerimónia de acolhimento em Lisboa vai ter lugar na quinta-feira, 3 de agosto. A partir desse dia, há outros quatro momentos que contam com a presença do pontífice: a Via-Sacra, a Vigília, a Missa de Envio e, por fim, o encontro com os voluntários da JMJ, que deverá acontecer em Oeiras.

Sabe-se também que o Papa pretende visitar o Santuário de Fátima, mas a data para tal ainda não é conhecida.

O que são os chamados "eventos centrais"?

Além da Missa de Abertura e do acolhimento do Papa, os eventos centraisincluem a Via-Sacra, a Vigília e a Missa de Envio.

Na Via-Sacra, que em princípio deverá acontecer no Parque Eduardo VII, os peregrinos "através de uma experiência orante e imersiva", vão "acompanhar os passos de Jesus na Sua paixão", explica a organização da JMJ. Ao contrário do habitual, as 14 estações da Via-Sacra não serão feitas em movimento, devido ao grande número de participantes.

Por sua vez, a Vigília é um momento de "Adoração ao Santíssimo Sacramento", em que os peregrinos vão poder "rezar em conjunto". Por tradição da JMJ, este é um momento que desenrola por toda a noite, devendo os peregrinos pernoitar no local, neste caso o Parque-Tejo.

Na manhã seguinte, o Papa preside à Missa de Envio, que termina a JMJ Lisboa 2023. "Antes do final da Missa, o Santo Padre anuncia a cidade que acolherá a próxima edição da Jornada Mundial da Juventude", é referido.

Rise Up e Festival da Juventude. O que é isto?

Na semana da Jornada Mundial da Juventude, estão previstas várias atividades para os participantes na cidade de Lisboa, além dos eventos centrais.

No caso do Rise Up, os peregrinos vão ter acesso a momentos de catequese sobre vários temas — um pouco como foi acontecendo em cada paróquia desde que a JMJ Lisboa 2023 foi anunciada.

Estes encontros "decorrerão em igrejas e noutros espaços [ainda por anunciar], por grupos linguísticos. Os peregrinos terão oportunidade de partilhar a sua fé, de ouvir a voz da Igreja e celebrar os Sacramentos da Reconciliação e da Eucaristia", é adiantado.

Por sua vez, o Festival da Juventude consiste num "conjunto de eventosculturais, religiosos e desportivos, protagonizados pelos peregrinos da JMJ, numa partilha da vivência cristã feita por jovens de todo o mundo, fruto da sua criatividade e generosidade".

Segundo a organização, vai ser possível encontrar "eventos nas áreas de Música, Cinema, Exposições, Teatro, Dança, Conferências e Eventos Religiosos (orações, testemunhos, adoração, encontros conduzidos por Movimentos, Associações e Congregações)", todos com entrada gratuita.

Estes eventos vão acontecer "por toda a cidade de Lisboa, em palcos e espaços exteriores, mas também em espaços interiores (auditórios, salas de cinema, teatros, museus, espaços de exposições, igrejas), cedidos por entidades públicas e privadas que generosamente se querem associar à JMJ Lisboa 2023". Neste momento, os locais exatos ainda não foram divulgados.

Neste festival vai ainda haver espaço para eventos desportivos, como torneios de futebol e voleibol de praia.

Para que o Festival da Juventude seja possível, a organização abriu candidaturas— que fecharam a 5 de fevereiro, mas ainda podem ser enviadas após esta data — para grupos ou artistas que pretendam participar.

No geral, "a produção dos espetáculos/eventos e os custos associados, incluindo viagens, equipamentos e o seu transporte e seguros, serão da responsabilidade dos candidatos, salvo alguma exceção a avaliar pelo Festival da Juventude", é explicado pela organização, que aponta ainda que "a JMJ Lisboa 2023, sempre que possível, proporcionará o espaço, as estruturas e os equipamentos técnicos básicos para a realização dos eventos". De realçar ainda que "não será paga qualquer remuneração em troca da atuação no Festival da Juventude".

Segundo o que é descrito no site, algumas das atividades vão também sair da capital. "Nas cidades e vilas de acolhimento, grupos locais poderão organizar eventos a incluir no programa do Festival da Juventude ALL AROUND. Uma oportunidade de partilhar com os peregrinos aí alojados e com as populações locais os traços culturais e religiosos típicos do nosso país e de conhecer os talentos de quem veio de todo o mundo para participar na JMJ Lisboa 2023", diz a organização.

E a Cidade da Alegria?

Lisboa vai contar também com a Cidade da Alegria, uma zona que vai juntar a Feira Vocacional e o Parque do Perdão, comuns na Jornada Mundial da Juventude.

Segundo descrito no site da JMJ, a Feira Vocacional é um "espaço onde os jovens peregrinos podem entrar em contacto com diversos movimentos, associações, comunidades, ordens religiosas e projetos de cariz social".

Neste sentido, é referido que "os movimentos, associações, comunidades, ordens religiosas e projetos de cariz social interessados em ter uma 'casa' (alugar um stand) na Cidade da Alegria vão poder submeter uma candidatura que será avaliada e posteriormente aprovada". Em caso de aprovação, cada entidade participante irá pagar 600€ por stand, 1.100€ por dois ou 1.500€ por três espaços.

A Feira Vocacional estará aberta de terça-feira a sexta-feira (de 1 a 4 de agosto de 2023) das 9h00 às 20h00.

Por sua vez, o Parque do Perdão é um "espaço onde os peregrinos podem fazer um encontro com o Cristo Misericordioso através do Sacramento da Reconciliação", ou seja, da confissão. Tal como a Feira Vocacional, vai estar a funcionar de 1 a 4 de agosto, mas apenas das 10h00 às 18h00.

De acordo com a organização, "o Parque do Perdão conta com 150 confessionários. Em cada confessionário, e em diferentes idiomas, estará disponível um sacerdote para acolher e escutar os jovens peregrinos, convidando-os a fazer a experiência do amor e da misericórdia de Deus através do sacramento da Reconciliação".

Para garantir sacerdotes para este espaço, estão abertas as inscrições dos padres interessados, através da plataforma de inscrições oficial. "No seguimento do processo de inscrição, os presbíteros deverão preencher o formulário indicando o(s) idioma(s) falados e o dia da sua disponibilidade. No decorrer do evento, e uma vez validada a inscrição, devem comparecer no local no horário que lhes for atribuído, trazendo respectiva alva e estola", é frisado.

[ALEXANDRA ANTUNES]


domingo, 19 de fevereiro de 2023

O Caminho do Cristão

 


A liturgia do sétimo Domingo do Tempo Comum convida-nos à santidade, à perfeição. Sugere que o "caminho cristão" é um caminho nunca acabado, que exige de cada homem ou mulher, em cada dia, um compromisso sério e radical (feito de gestos concretos de amor e de partilha) com a dinâmica do "Reino". Somos, assim, convidados a percorrer o nosso caminho de olhos postos nesse Deus santo que nos espera no final da viagem.
A primeira leitura que nos é proposta apresenta um apelo veemente à santidade: viver na comunhão com o Deus santo, exige o ser santo. Na perspectiva do autor do nosso texto, a santidade passa também pelo amor ao próximo
Como o nosso texto deixa claro, ser santo não significa viver de olhos voltados para Deus esquecendo os homens; mas a santidade implica um real compromisso com o mundo. Passa pela construção de uma vida de verdadeira relação com os irmãos; e isso implica o banimento de qualquer tipo de agressividade, de vingança, de rancor; implica uma preocupação real com a felicidade e a realização do outro ("corrigirás o teu próximo"); implica amar o outro como a si mesmo. Tenho consciência de que não posso ser santo se o amor não se derramar dos meus gestos e das minhas palavras? Tenho consciência de que não posso ser santo se vivo fechado em mim mesmo, na indiferença para com os meus irmãos (ainda que reze muito)?Para que a santidade não seja uma miragem, temos de ter o cuidado de viver num contínuo processo de conversão, que elimine do nosso coração as raízes do mal, responsáveis pelo egoísmo, pelo ódio, pela injustiça, pela exploração.No Evangelho, Jesus continua a propor aos discípulos, de forma muito concreta, a sua Lei da santidade (no contexto do "sermão da montanha"). Hoje, Ele pede aos seus que aceitem inverter a lógica da violência e do ódio, pois esse "caminho" só gera egoísmo, sofrimento e morte; e pede-lhes, também, o amor que não marginaliza nem discrimina ninguém (nem mesmo os inimigos). É nesse caminho de santidade que se constrói o "Reino".
Jesus pede, também, aos participantes do "Reino" o amor a todos, inclusive aos inimigos, subvertendo completamente a lógica do mundo. Como é que eu me situo face a isto? A minha atitude é a de quem não exclui nem discrimina ninguém, mesmo aqueles de quem não gosto, mesmo aqueles contra quem tenho razões de queixa, mesmo aqueles que não compreendo, mesmo aqueles que assumem atitudes opostas a tudo em que eu acredito?
Na segunda leitura, Paulo convida os cristãos de Corinto - e os cristãos de todos os tempos e lugares - a serem o lugar onde Deus reside e Se revela aos homens. Para que isso aconteça, eles devem renunciar definitivamente à "sabedoria do mundo" e devem optar pela "sabedoria de Deus" (que é dom da vida, amor gratuito e total).
A nossa comunidade paroquial ou religiosa é uma comunidade fraterna, solidária, e que dá testemunho da "loucura da cruz" com gestos concretos de amor, de partilha, de doação, de serviço, ou é uma comunidade fragmentada, dividida, cheia de contradições, onde cada membro puxa para o seu lado, ao sabor dos interesses pessoais?
O que é que preside à minha vida: a "sabedoria de Deus" que é amor e dom da vida, ou a "sabedoria do mundo", que é luta sem regras pelo poder, pela influência, pelo reconhecimento social, pelo bem estar económico, pelos bens perecíveis e secundários?

https://www.dehonianos.org/

sábado, 18 de fevereiro de 2023

30 segundos

 


Era um de tantos dias normais, daqueles dias que saímos do trabalho, arregaçamos as mangas para enfrentarmos o duro trânsito da cidade, com um brilhozinho especial nos olhos de quem vê o dia de trabalho finalmente terminado. Esta normalidade inquietante, porém, deixou de o ser...

Quando estamos parados no semáforo, temos tendência a vaguear um pouco com o olhar, procurando não sabemos quem, qualquer coisa para nos afastar da realidade do pára- arranca... Nesta busca, dei por mim a observar um senhor de nome incerto, que estava a atravessar na passadeira. Aparentava ter uns 50 anos, cara dura, gasta pelos anos, roupas simples e pesadas que contrastavam com um céu limpo e quente. O seu caminhar não era ligeiro, era lento e curvado, parecia procurar algo no chão pois a sua cabeça estava virada para o piso negro da estrada. Debaixo do braço levava um pedaço de cartão e na mão um copo de plástico branco. O tempo parou!

Quando chegou junto à parede, trocamos o primeiro olhar... Ele não viu os meus olhos, escondidos pelos óculos de sol, mas eu vi os dele, fitando-me. Talvez fosse o meu ar descontraído com o braço apoiado sobre a porta, talvez porque sentiu que eu o observava, talvez porque estava á procura de alguém e sentiu que no fundo eu próprio também o procurava... olhando-me, encolheu os ombros... O que significa este gesto feito para mim? - pensei. Perante tal gesto, levantou-se uma grande tempestade na minha cabeça, as questões saltavam-me do pensamento como a espuma que o mar faz quando beija as rochas. Quem seria aquele homem? Qual o seu nome? Porque não tinha casa? Porque pedia esmola? Porque encolheu os ombros? Seria resignação? Seria um mea culpa? Seria o quê? Eu não lhe perguntei, não fui capaz de esboçar qualquer gesto de conforto. Nada, eu não fiz nada!.... Respondi-lhe com um impercetível franzir de olhos. Tão pouco para tão grande gesto, aquele gesto que parecia contar a sua vida, um gesto que procurava exprimir um estado de alma, uma angústia, uma esperança... O que seria? Sentou- se com alguma dificuldade e finalmente denunciou aquilo que o trazia ali: Sou sem abrigo! Esmola para comer. Era o que dizia o cartão...

Então, os meus olhos comunicaram ao cérebro o que tinha acabado de ler, o meu cérebro estimulou todo o corpo que se arrepiou, contraindo todos os músculos no sentido do coração. O coração apertou... A onda de compaixão chegou rapidamente ao cérebro. Os membros superiores e inferiores, articulados com uma coluna flexível, levaram as minhas mãos a procurar alguma moeda no meu bolso... Encontrei duas! Perdi-o de vista... Um carro parou do meu lado esquerdo, tapando-me o contacto visual e eu ali com o braço de fora com as duas moedas na mão. Para que será a esmola? Será mesmo para comer ou será para beber? Percorri na mente a sua figura, a sua silhueta, os traços do rosto para me facilitar a avaliação. O egoísmo falou mais alto e decidi dar-lhe somente uma moeda.

Voltei a estabelecer contacto visual, fiz-lhe um gesto com a mão demonstrando que queria lhe dar uma moeda... Já sentado, não fez qualquer esforço para se levantar, apenas deu- me indicações para lhe atirar o que quer que fosse sair da minha mão... Um outro carro impaciente, tocou a buzina! Arranquei e atirei a moeda. Seguiu com o olhar o percurso da moeda, a curiosidade de saber o seu valor assim o obrigou, e já em andamento, olhei pelo espelho retrovisor a observá-lo. Ainda demorou um pouco de tempo a levantar-se, quase semelhante ao tempo que demorou a sentar-se. Perdi-o de vista...

O tempo começou novamente a contar e tinham passado apenas 30 segundos! No trajeto, até casa, não consegui esquecer todos estes momentos, estes segundos em que senti que aquele encontro tinha sido especial, único. Certamente, nunca mais irei encontrar esta personagem, mas queria. Queria porque não lhe falei, porque não fiz tudo o que estava ao meu alcance para lhe dar mais de mim do que somente uma moeda. Será que eu fiquei no seu pensamento? Não sei mas também não importa pois para ele eu fui mais um caridoso a dar-lhe qualquer coisa para o fim que ele desejar.

Decidi dar-lhe um nome: Jesus! O encontro com Jesus, fez com que o amasse, que o desejasse voltar a encontrar, que ainda o tenha no pensamento imaginando quando ele poderá voltar a ter casa, quando lhe aparecerá novamente outro igual a mim, que lhe dê alguma atenção, que lhe dê aquilo que ele mais precise mas que lhe dê sobretudo palavras de conforto! É assim que ficamos quando encontramos Jesus! E a nossa vida, realmente, fica diferente.

Copi Lmc

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

OLHARES ESCURECIDOS QUE A QUARESMA CURA



Em Quarta-Feira de Cinzas, a Igreja veste-se de roxo e acolhe as cinzas que lhe recordam a sua permanente condição de peregrina. Com sinais e atitudes que a ligam à sua raiz, ela inicia um caminho de conversão que a conduzirá à celebração da Páscoa, o acolhimento da vida nova de Cristo que faz novas todas as coisas (2 Cor 5, 17). Em Cristo, na sua vida, todas as coisas se verão de forma nova, justa, autêntica, verdadeira.
Em cada início há sempre encanto, projeto e propósito. É assim também o caminho da Quaresma. Se percorrido com a graça da oração, da partilha e da purificação, a Páscoa será bênção, o âmago da verdadeira vida cristã e do estilo cristão de viver.
Havia um cego que, certo dia, foi levado a Jesus para que o curasse. Jesus tomou-o pela mão, conduziu-o para fora da aldeia, impôs-lhe as mãos, uma e outra vez. E o que fora cego começou a ver cada vez com maior nitidez, progressivamente, até ser capaz de tudo ver claramente (Mc 8, 22).
Antes do encontro com Jesus, aquele cego não via e tudo confundia. Agora, depois de Jesus o ter tomado pela mão e o ter conduzido, já distingue todas as coisas. Jesus é a Luz com a qual tudo se vê.
A Quaresma será, seguramente, este caminho de deixar que Jesus nos tome pela mão, nos conduza para fora das nossas circunstâncias estagnadas e inertes, nos imponha as suas mãos de irmão e amigo, nos abra os olhos e nos ensine a ver como novas todas as coisas, continue a fazer caminho connosco e a nosso lado.
Existem muitas circunstâncias a determinar o que se vê e o que não se vê. É o ângulo, a luz, a perspetiva, a capacidade. Na penumbra não se distinguem as formas e as presenças, na escuridão nada se vê. Há escuridões que dependem do meio ambiente, do contexto. Há escuridões que são o próprio “olhar escurecido” (Mt 6, 22-23). A determinar o que se vê e não vê está também a necessidade, o desejo, a liberdade, a atenção, a satisfação, o horizonte definido, a história de cada um, a altivez ou a humildade, a adequação e reação a cada realidade, o que nos é dado e o que nos cabe fazer.
Ao tomar aquele cego pela mão, Jesus não lhe abre apenas os olhos. Ensina-o também a ver. Coloca luz no seu olhar para não acontecer que o cego continuasse apenas a ver as coisas como ele próprio era mas, agora, renovado, as veja como elas são.
Guiado pela mão de Jesus, o cego faz todo um caminho que pode iluminar os nossos caminhos e que assim podemos sintetizar:
1. Começa pela memória de si próprio e da sua origem, a consciência que tem de si, da sua vida e das suas limitações. Pressentindo a presença dos discípulos de Jesus que o podem levar a Jesus, deixa que se forme no seu coração a esperança e o desejo de um encontro transformador;
2. No seu íntimo, talvez calado há muito tempo, nasce um pedido, uma súplica, um desejo: ele quer ver. Cansado da escuridão, o seu desejo de luz mobiliza a sua liberdade. E, naturalmente, no seu íntimo, pede para ver;
3. Ao pedir luz, o cego revê a sua vida em escuridão, mas revê também o seu desejo. Analisa até onde o levou a escuridão e onde fugiu ele da luz;
4. Da revisão da sua vida, surge a perceção do que poderia ter feito e não fez, celebra o amor de Jesus e, no seu íntimo, pede perdão. Mas é precisamente aí que sente a mão de Jesus a pegar na sua vida. Deus não estava longe, estava mesmo ali;
5. Na presença de Jesus e por Ele conduzido, o cego renova a sua vida. Já não há sombras nem confusão. Agora, em Cristo, ele vê novas todas as coisas. Com coragem, empatia, lucidez, tenacidade, compaixão.
Ver todas as coisas em Cristo, com o olhar de Cristo, com a sua experiência de Homem e de Filho de Deus, com a sua Palavra, com a sua forma de relação, com a sua Graça e Dom, é o grande remédio para as muitas e variadas cegueiras.
Este ano, a Quaresma é vivida em plena caminhada para as Jornadas Mundiais da Juventude que se realizam em Lisboa no próximo mês de Agosto. A caminhada já começou e está a acontecer. Na nossa Diocese, e em Dioceses por esse mundo fora. As Comunidades preparam e antecipam já esse encontro em tantas e tão belas realizações.
Um encontro mundial de Jovens, que se cruzaram com Cristo e O deixaram conduzir as suas vidas, não é apenas um aglomerado de pessoas. É a experiência da Igreja. Significa que, em Cristo, ver novas todas as coisas é mais do que a experiência daquele cego ou de cada participante sozinho e por si mesmo. É a experiência da comunidade que nasce da luz de Cristo partilhada e testemunhada.
Que a Páscoa aonde queremos chegar nos revele o caminho de uma Quaresma em que deixámos Cristo iluminar cada recanto do nosso coração e da nossa vida inteira.
A Renúncia Quaresmal deste ano destinamo-la ao Fundo Social Diocesano gerido pela Cáritas para ajudar a minorar a situação das pessoas com maior vulnerabilidade acolhidas na Diocese. No ano de 2022, foram realizados, pelos grupos paroquiais e pela Cáritas Diocesana, 25.818 atendimentos. Deste total, 2.545 foram realizados na Cáritas Diocesana, sendo 1.081 relativos a migrantes provenientes de 37 países. Foram apoiados em respostas sociais (257), habitação (26), reagrupamento familiar (56), empreendedorismo (1), emprego (145), habitação (26), acesso à educação (52), acesso ao SNS (29), Finanças (139), Segurança Social (104), SOS Ucrânia (41), bem como assuntos relacionados com a legalização, a nacionalidade, a permanência em território nacional, a proteção internacional, o racismo e discriminação, o retorno voluntário, o asilo, o ensino da língua, entre outros.
O apoio social a residentes na Diocese tem-se traduziu sobretudo no pagamento de despesas de emergência, na entrega de bens de primeira necessidade e de material escolar, bem como em visitas domiciliárias, no encaminhamento para outras entidades e no apoio a crianças desfavorecidas na aquisição de óculos, tratamentos dentários e outros, no pagamento de creche, infantário e ATL.
Através do serviço de apoio ao emprego que a Cáritas Diocesana criou, foram inscritos para emprego 40 pessoas, das quais 23 foram colocados. São 76 empresas que a Cáritas Diocesana contactou e registou, como potenciais contratantes de pessoas vulneráveis, das quais 20 já contrataram trabalhadores por ela apresentados.
Deixemos que Jesus nos tome pela mão, nos conduza para fora de nós mesmos, nos imponha as mãos, uma e outra vez. De certeza que também começaremos a ‘ver’ cada vez com maior nitidez o que está dentro de nós e ao nosso redor, até sermos capazes de tudo ver claramente. O caminho da Quaresma, percorrido com a graça da oração, da partilha e da purificação, far-nos-á olhar a Páscoa como bênção, o cerne da verdadeira vida cristã e do estilo cristão de viver.

D.Antonino Dias . Bispo Diocesano
Portalegre-Castelo Branco, 17-02-2023.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

Se amas o passado, ele não passa



O amor, sob a forma de saudade, prolonga no tempo aquilo que ama, se for autêntico, então torna-o eterno.

O tempo nunca se suspende, avançando sempre em direção ao que há de ser. Se a saudade for desregrada, então acaba por impedir que se viva o presente, como se fosse uma recusa à forma simples do tempo ser. Assim também, a saudade em excesso implica uma cegueira em relação à esperança.

O que deve fazer um adolescente que teme vir a ter saudades da sua juventude?

O tempo é um dom divino. Ninguém tem o direito de estar vivo hoje. Poucos são os que agradecem o facto de terem oportunidade de envelhecer… nenhum dia deve ser desperdiçado como se não servisse para nada. Uma hora só é entediante se não a aproveitarmos para… viver.

Não posso partir-me entre o ontem e o hoje.

Viver é estarmos, completos, aqui e agora. Esta hora é um instante do nosso caminho, entre o que já fizemos e o que havemos de sonhar, construir e percorrer.

Se amas o passado, ele não passa. Mas importa saber qual a medida certa deste amor, porque amar também é deixar ir. Respeitar o outro e o seu tempo, não o prendendo nem arrastando, por melhor que julguemos ser a nossa intenção.

Só não é feliz quem nunca experimentou a felicidade, ou quem não o quer ser, porque teme que o ser não seja mais forte do que o ter.

No amor, nada se perde do que foi dado.

Queiramos ou não, aquilo que outrora tivemos e vivemos, faz agora parte do que somos. E assim será. Sempre.


José Luís Nunes Martins


terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

Ser «página» do Evangelho



A vivência da fé é indissolúvel daquilo que nos define como pessoas. Os cristãos não dão testemunho apenas nas suas comunidades paroquiais ou junto daqueles que partilham a mesma fé. Ser-se cristão é ser rosto de Deus para todos e todas, sejam crentes, ateus ou agnósticos. E, claro, para um cristão todos os que se cruzam na sua vida são também oportunidade de vislumbrar o rosto de Deus, no entanto sabemos que a vivência da fé nos encarrega de sermos as “páginas” do Seu Evangelho.

E que Evangelho apresento eu ao mundo? Dou a conhecer um Deus que é capaz de abraçar e de acolher a vivência e a história de cada um? Dou testemunho de um Deus que não descansa enquanto não coloca no centro todos os que se encontram nas periferias? Sou reflexo de um Deus que transforma a vida no amor, pelo amor e com amor?

Sermos “página” do Seu Evangelho é termos consciência de que seremos, para tantos e tantas, a única revelação de Deus nas suas vidas. Sermos “página” do Seu Evangelho é vivermos obcecados por permitirmos que todos possam sentir o Seu amor. Sermos “página” do Seu Evangelho é conseguirmos aliviar a angústia, a dor e as dúvidas dos que nos procuram. Sermos “página” do Seu Evangelho é fazer da nossa fé uma forma de olhar. E, nesta escrita pessoal, não podemos apagar os capítulos onde recitamos as nossas dúvidas, as nossas dores e as nossas angústias. Elas também fazem parte da “página” que somos para os outros.

E, felizmente, ainda há tantos e tantas que são verdadeiras “páginas” do Seu Evangelho. As suas presenças são reflexo de uma união intimista, onde não há espaço para que a dúvida derrube as certezas vividas. São gente que leva tão a sério a existência de Deus que fazem da sua fé uma forma de olhar. Olham com a esperança de um amor que possibilita o eterno. Olham com a misericórdia de quem se sabe erguido. Olham com a ternura de quem se sabe inteiramente amado. São o reflexo do Evangelho que inquieta e que ecoa na vida de tantos e tantas.

Hoje, antes de falares de Deus aos outros, pergunta-te: que Evangelho apresento eu ao mundo?


Emanuel António Dias

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

Há esperança no meio do caos?


É absurdamente complicado encontrar esperança no meio do caos. No meio das tragédias arbitrárias que assolam o mundo já tão ferido e magoado. É complicado acreditar que conseguimos encontrar a fé e a alegria quando tudo à nossa volta parece destruído, incerto, caótico e pouco límpido. Não conseguimos manter-nos à tona. Mais uma vez, avizinha-se uma crise económica. Os nós que nos unem apertam-se cada vez mais e deixam-nos sem ar para respirar. Muita gente vai olhando para o espelho sem saber, já, que pessoa mora ali.

No entanto, e ainda que nos seja profundamente difícil arrancar linhas de luz à cara da escuridão, ainda é possível. Ainda não está tudo perdido, nem estará nunca. Perdidos estão, sim, os que perderam a vida ou os que estão na iminência de a ver desvanecer-se. A nós, ainda nos resta a luz prometida de dias melhores. Prometida por quem? Pela nossa própria alma. Pelo nosso próprio coração que não se cansa de lutar, mesmo confuso ou atribulado.

Ainda estamos a tempo de encontrar caminhos bonitos, mais simples e menos cinzentos. Pode não ser já. Pode não parecer viável. Mas acreditamos que mais à frente poderá ser melhor do que hoje. Poderemos, até, ser melhor do que somos. Saber mais do que sabemos. Compreender mais do que, atualmente, compreendemos.

É possível encontrar esperança no meio do caos. Para cada um de nós terá um nome distinto. Uma cara diferente. Um sol diferente. Mas haverá, sempre, uma luz para cada um de nós. Para cada tragédia que se assoma. Para cada injustiça que se pratica. Para cada maldade humana que tenha a ilusão de vingar.

Vamos por caminhos destruídos. Prédios e vidas espezinhados. Gritos de horror e de incredulidade. Avançamos como quem não sabe onde deve colocar os pés. Ou o propósito. Mas vamos juntos.

Vamos juntos. E esse consolo tem de bastar-nos quando não tivermos muito mais.

Mas… a possibilidade de ir juntos não será o tanto que nos falta quando não nos resta nada?


Marta Arrais

domingo, 12 de fevereiro de 2023

Os mandamentos

 



A liturgia de hoje garante-nos que Deus tem um projecto de salvação para que o homem possa chegar à vida plena e propõe-nos uma reflexão sobre a atitude que devemos assumir diante desse projecto.
Na segunda leitura, Paulo apresenta o projecto salvador de Deus (aquilo que ele chama "sabedoria de Deus" ou "o mistério"). É um projecto que Deus preparou desde sempre "para aqueles que o amam", que esteve oculto aos olhos dos homens, mas que Jesus Cristo revelou com a sua pessoa, as suas palavras, os seus gestos e, sobretudo, com a sua morte na cruz (pois aí, no dom total da vida, revelou-se aos homens a medida do amor de Deus e mostrou-se ao homem o caminho que leva à realização plena).
A primeira leitura recorda, no entanto, que o homem é livre de escolher entre a proposta de Deus (que conduz à vida e à felicidade) e a auto-suficiência do próprio homem (que conduz, quase sempre, à morte e à desgraça). Para ajudar o homem que escolhe a vida, Deus propõe "mandamentos": são os "sinais" com que Deus delimita o caminho que conduz à salvação.
O Evangelho completa a reflexão, propondo a atitude de base com que o homem deve abordar esse caminho balizado pelos "mandamentos": não se trata apenas de cumprir regras externas, no respeito estrito pela letra da lei; mas trata-se de assumir uma verdadeira atitude interior de adesão a Deus e às suas propostas, que tenha, depois, correspondência em todos os passos da vida.
Cumprir um conjunto de regras externas não assegura, automaticamente, a salvação, nem garante o acesso à vida eterna; mas, o acesso à vida em plenitude passa por uma adesão total (com a mente, com o coração, com a vida) às propostas de Deus. Os nossos comportamentos externos têm de resultar, não do medo ou do calculismo, mas de uma verdadeira atitude interior de adesão a Deus e às suas propostas. É isso que se passa na minha vida? Os "mandamentos" são, para mim, princípios sagrados que eu tenho de cumprir, mecanicamente, sob pena de receber castigos (o maior dos quais será o "inferno"), ou são indicações que me ajudam a potenciar a minha relação com Deus e a não me desviar do caminho que conduz à vida? O cumprimento das leis (de Deus ou da Igreja) é, para mim, uma obrigação que resulta do medo, ou o resultado lógico da opção que eu fiz por Deus e pelo "Reino"?

https://www.dehonianos.org/

sábado, 11 de fevereiro de 2023

OLHARES

 


Sabes, há dois tipos de olhares. Um que degrada e destrói, outro que enaltece, reconforta e sublima. Há duas classes de trabalho. Um trabalho que escraviza e mutila, e outro que vivifica, ilumina e liberta. Há dois tipos de riso. Um que ofende e agride, outro que alegra, entusiasma e reanima. Há dois tipos de relações. Umas que aniquilam e envelhecem, outras que fazem surgir e crescer o melhor do nós mesmos. Na vida há duas classes de tudo, ou de quase tudo. E, cada um de nós, desde o fundo do nosso coração, sabemos com que classe de realidade decidimos viver. A vida, não se nos dá de uma vez e para sempre… a vida dá-nos a cada dia, cada minuto, a cada instante. Por isso, o que a vida não te dá hoje, não te dará nunca, porque a vida não dá nada, a não ser a própria vida. Agora, na vida que tens ou decides viver, podes ser o que o teu coração desejar e a forma como o desejas trabalhar. Sabes porquê? Porque a vida não se trata de ter, mas é de ser. Então, o que queres ser? Então, sê! Um dia muito feliz para todos com Deus no coração



RicardoEsteves.padre

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

100 ANOS DE ESCUTISMO A DESAFIAR OUTROS 100



Há quem dificilmente envelheça ou não envelheça mesmo! A sua capacidade de renovação apoiada na alegria de viver e na maturidade de servir com amor e esperança são o seu ponto de apoio e a sua alavanca para mover este mundo e ir ao encontro do outro, deixando este um pouco melhor do que o encontraram.
O Escutismo Católico Português (CNE), apesar do seus 100 anos, é o mais jovem e o maior de entre os maiores movimentos de jovens em Portugal. Não sei se será possível contabilizar quantos jovens passaram por ele ao longo deste século de existência. Sei que, atualmente, conta mais de 68 mil associados, verdadeiros espiões do futuro espalhados por todo o país. São mais de mil agrupamentos servidos por mais de 14 mil voluntários. Embora a estruturação fosse evoluindo, o CNE tem, como unidade básica, o agrupamento sob a direção de um chefe de agrupamento, com as suas quatro secções: Lobitos, Exploradores, Pioneiros e Caminheiros.
Surgiu em Braga, em 1923, por iniciativa do Arcebispo D. Manuel Vieira de Matos e Mons. Avelino Gonçalves, natural da freguesia de Pias, concelho de Monção. Em 1922, ambos tinham assistido a um desfile de 20.000 Escutas, por ocasião do Congresso Eucarístico Internacional na cidade de Roma. Conhecendo melhor o movimento e o método, logo coordenaram outras vontades e esforços para o colocar em marcha na Arquidiocese. A 24 de Maio de 1923, teve lugar a primeira reunião, no n.º 20 da Praça do Município, para estudarem a possibilidade, a oportunidade e a estratégia de ação. Os primeiros estatutos foram aprovados a 27 de Maio desse mesmo ano, pelo governador civil de Braga, e confirmados em 26 de Novembro pela portaria n.º 3824 do Ministério do Interior e Direção Geral de Segurança, começando a partir desse dia a existir oficialmente, com personalidade jurídica. A 26 de Maio de 1924, o Decreto-lei n.º 9729, confirma a aprovação dos estatutos, alargando o seu âmbito a todo o território português. Em Janeiro de 1925, reuniu em Braga, pela primeira vez, a Junta Nacional. De Norte a Sul de Portugal, o movimento apressava a sua difusão, tendo como elo de união e de informação, desde Fevereiro de 1925, o jornal "Flor de Lis" que, mais tarde, em Janeiro de 1945, se apresenta em forma de Revista. Durante o ano de 1926 foram criadas e aprovadas as Juntas Regionais de Portalegre, Açores, Coimbra, Lisboa e Núcleo do Porto, que vieram juntar-se à de Leiria. Em Agosto desse ano realizou-se, em Aljubarrota, o primeiro acampamento nacional, a partir do qual o entusiasmo se reforçou e logo foram constituídas as Juntas Regionais da Guarda, Viseu e Madeira e os Núcleos da Régua, Coimbra e Aveiro”. Mas a história do CNE, se já é rica e bela, continua a construir-se.
Como afirma o atual Chefe Nacional, Ivo Faria, “O CNE destina-se à formação integral de jovens, com base no método criado por Baden-Powell e no voluntariado dos seus membros. Procura desenvolver, nas crianças e nos jovens, o sentido de cidadania ativa, baseado na sua participação no desenvolvimento das suas comunidades locais e no sentido de co-construção de um mundo melhor, a partir da sua ação local”. É um método que se exerce “através da autoeducação progressiva, baseado na educação não-formal, na qual as crianças e os jovens são chamados a tomar o papel principal do seu próprio desenvolvimento. Através do seu empoderamento, os jovens são chamados a tomar parte nas decisões que afetam o dia-a-dia dos seus grupos no nível local, regional e nacional, definindo a vida da associação”. O papel evangelizador, enquanto membros da Igreja, e a multiplicidade das atividades locais ao longo do ano, atividades “escolhidas, definidas, planeadas, preparadas, realizadas e avaliadas pelas crianças e pelos jovens, são a base do seu crescimento, no aprender fazendo”.
As atividades mais significativas das celebrações deste centenário, não serão as “nacionais, como o já realizado Acampamento Nacional, que em agosto reuniu mais de 18 mil escuteiros em Idanha-a-Nova, nem a Luz da Paz de Belém, que, pela altura do Advento e Natal, mobiliza milhares de escuteiros por todo o país, ou a Festa do Centenário, que irá levar a Braga, berço do CNE, dezenas de milhar de escuteiros, atuais e antigos, em 28 de maio”. As ações celebrativas mais marcantes serão as “sonhadas, preparadas e realizadas pelos nossos escuteiros, espelhados por todo o país, envolvendo as suas comunidades locais”. Celebrar, projetar e afirmar, são os desafios sempre em vista.
CELEBRAR - O CNE quer fazer sentir às comunidades e à sociedade em geral “que o Escutismo católico em Portugal celebra 100 anos e que continua com energia, com dinâmica e com vontade de continuar a ajudar crianças e jovens a desenvolverem-se de forma integral para terem um papel de intervenção na construção da nossa sociedade”. E serão os escuteiros, “eles mesmos, com proatividade, criatividade e alegria, a projetarem uma atividade, uma dinâmica, uma celebração que envolva as comunidades”.
PROJETAR - “É chegado o tempo de definir o caminho que queremos seguir para o nosso segundo centenário que se inicia, de discutir como vamos combater os muitos desafios que se aproximam”. Além do ‘Fórum 100’ como espaço para a discussão, “devemos promover isso nos nossos agrupamentos, núcleos e regiões, em ambiente informal, envolvendo os nossos escuteiros e adultos sem colocar limitações e dando espaço para que cada um possa fazer um processo, gerador de pensamento, sobre a nossa associação e sobre o Escutismo, e quais os novos desafios. Sendo capazes de gerar uma visão para o futuro”.
AFIRMAR - O CNE tem uma marca que é preciso afirmar. Cada escuteiro é desafiado a “marcar presença onde for possível falar sobre o Escutismo, onde se fale de juventude, ambiente, comunidade, voluntariado, sustentabilidade, liderança, trabalho em equipa, igualdade de género” (cf. Paulo Pinto, ‘Flor de Lis’, janeiro de 2023).

D. Antonino Dias . Bispo Diocesano
Portalegre-Castelo Branco, 10-02-2023.


O maior desafio do amor



Hoje, as histórias de amor parece que acabam pouco depois de começarem. Poucos são os que julgam que o verdadeiro romantismo não está no primeiro beijo, mas sim no abraço que se dá todos os dias, mesmo quando não há grande vontade, e que dura anos. Muitos. Todos.

Os verdadeiros heróis do amor são os que encontram forma de o promover e renovar vezes sem conta, aconteça o que acontecer, porque não são simples vítimas de uma paixão que lhes toma conta da vida, mas sim protagonistas de uma aventura que nasce da sua vontade.

É romântico encontrar formas de compatibilizar: disponibilidades e horários de trabalho, ideias diferentes sobre temas tão triviais como um rolo de papel higiénico, e perspetivas desiguais face à gestão financeira, educação dos filhos, familiares problemáticos, e, talvez o mais importante: opiniões diferentes sobre quais devem ser os objetivos comuns, enquanto casal, e como os conjugar com os que são exclusivos de cada um dos membros.

O amor é um esforço constante para superar barreiras, não é ficar sentado num trono e receber tudo de todos, sem sequer ter de pedir…

Porque são poucos os que amam? Porque isso implica perdoar, ouvir antes de falar, compreender o que o outro nos está a tentar dizer mesmo quando não consegue, muito sentido de humor, criatividade e alguma loucura, e, muito importante: não deixar de ver o outro sempre como alguém bom, apesar de tudo.

Amar implica sacrifícios sem fim. Perder-se-á se não formos capazes de lutar, várias vezes ao dia, contra os nossos egoísmos e orgulhos, com a força que tantas vezes não temos, a firmeza de quem confia em absoluto e a coragem de quem é capaz de se esquecer de si.

É preciso ceder. É preciso pedir desculpa, mesmo quando não sentimos grande culpa. É preciso ceder. É preciso aceitar que o outro tem falhas, insuficiências e defeitos, mas também que nós os temos. É preciso ceder.

O amor não é paixão. É algo que se constrói numa vida partilhada, cheia de coisas que não aparecem em nenhuma obra de arte.

O amor vence quando duas pessoas reais e honestas assumem o compromisso de o fazer vencer.


José Luís Nunes Martins






quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

Comunicado – Conselho Presbiteral Diocesano

 



7 de fevereiro de 2023

Comunicado


Reunido sob convocatória de D. Antonino, Bispo Diocesano, o Conselho Presbiteral reuniu no Seminário do Imaculado Coração de Maria, em Portalegre.

O projeto Schola Cantorum, Escola de Ministérios Litúrgicos, em construção, foi acolhido com alegria e esperança de que seja uma ferramenta para preparar as comunidades para os desafios atuais e futuros.

O conselho espera que sejam ultrapassadas as dificuldades logísticas que uma iniciativa destas implica.

D. Antonino falou dos presbíteros doentes pelos quais o presbitério reza e agradece o testemunho de dedicação e Fé. A pedido do bispo de Namibe, Angola, a nossa diocese receberá o P.e Manuel Sapalalo, em Ano Sabático.

Ajudar o Bispo Diocesano a pensar a vida da Diocese é a principal missão deste conselho, e as mudanças obvias na vida da Igreja, tornam-no urgente. Saiu deste conselho a estrutura que nos próximos meses repensará, com o presbitério, os Diáconos e o Povo de Deus, a ação pastoral na Diocese.

Os ministérios na Igreja são manifestação da vida do Espírito, os de maior responsabilidade e exigência são mais cuidados e preparados, exemplo disso foi a reflexão que mereceu a temática da instituição Ministério Laical de Catequistas de que, a seu tempo, se dará notícia.

A Peregrinação Diocesana a Fátima, terá lugar no último Domingo de Maio (28), em moldes semelhantes aos anos anteriores, de manhã no Recinto, terço e Eucaristia, de tarde no Paulo VI, assembleia Diocesana. O conteúdo será sobre as Jornadas Mundiais da Juventude, nas suas diversas dimensões.

O Bispo Diocesano ouviu o conselho sobre os diversos aspetos a pensar para a iminente reabertura da Catedral de Portalegre.

O Serviço Diocesano de Liturgia, que aprova ou rejeita os pedidos de concertos nas Igrejas, mediante a apreciação do programa, foi renovado.


Portalegre, 7 de fevereiro de 2023

Recomeçar



Recomeçar. Foi este o verbo que Ele escolheu. E não desistiu enquanto não o conjugou em todos os tempos. Rompeu com o passado para possibilitar que tantos recomeçassem. Viveu o presente junto dos que mais precisavam para que pudessem recomeçar. E deixou o Seu testemunho para que no futuro muitos mais pudessem recomeçar.

Recomeçar. Nunca ninguém levou tão a sério este verbo. Jesus deu a conhecer o amor dos recomeços. Aquele mesmo amor que ajuda a conjugar a vida dos reerguidos. E não fez nada mais do que aproximar do centro quem vivia nas periferias. Não fez nada mais do que detectar as hipocrisias sem fingimentos.

Recomeçar. Foi esta a filosofia de vida de Jesus. E não se contentou apenas com a formação de uma teoria, ou de palavras bonitas. Antes ousou inscrevê-la na Sua própria vida e transformar, para sempre, a forma de nos relacionarmos com os outros e com Deus. Onde tudo parecia terminado, Ele dava um novo princípio. Onde tudo parecia beco sem saída, Ele rompia com a estrada da misericórdia. Onde tudo parecia morto, Ele dava uma nova vida.

Jesus ousou recomeçar. A Lei. O amor. A misericórdia. A compaixão. E a vida de tantos e tantas. E nós? Quantas vezes recomeçamos a nossa vivência com Deus? Quantas vezes recomeçamos no amor? Quantas vezes recomeçamos em misericórdia e compaixão? Quantas vezes permitimos que tantos possam recomeçar as suas vidas?

A nossa vida e a nossa vivência Cristã pode não ser perfeita, mas deve viver na esperança dos recomeços. Os nossos e o dos outros, porque só podemos recomeçar se deixarmos que os outros também recomecem.

Dar testemunho deste Jesus, o Nazareno, é vivermos obcecados com este verbo ao ponto de nos levar à total do(ação)!


Emanuel António Dias



quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

PARA, ESCUTA E OLHA… ATIVAMENTE




PARAR

- Às vezes é preciso parar e dar um tempo para pensar, avaliar e tomar decisões.

- Por vezes é necessário desacelerar, não dizer nada nem fazer coisa alguma.

- É muito importante fechar os olhos, respirar profundamente e saborear a vida.

- Não é inútil nem uma perda de tempo sentar-se ou deitar-se a olhar o teto ou o céu.

- De vez em quando, faz bem estar sozinho e em silêncio e retirar-se do mundo real.

- É fundamental parar, refletir no passado, analisar o presente e planear o futuro.

- É de muito proveito para nós o descanso, a quietude, o sossego e a tranquilidade.

- Precisamos de parar para recarregar energias, desatar os nós e curar as feridas.

- É bom parar para desabafar e partilhar o que somos, pensamos e sentimos.

- É essencial cuidar do corpo e da mente para termos uma vida saudável e feliz.


ESCUTAR

- Escutar é tentar compreender o que as pessoas dizem e também o que não dizem.

- O sábio aprecia mais o silêncio e a escuta do que os conselhos e os discursos.

- Muito mais importante do que ouvir é a arte e a habilidade de escutar sem julgar.

- Escutar a consciência e o coração é o segredo de uma vida feliz e realizada.

- Aprende-se muito mais a escutar e a maior parte das pessoas só consegue ouvir.

- Estar em silêncio não é deixar de falar, mas escutar atentamente o que nos rodeia.

- Quem não souber escutar não conseguirá jamais pensar, refletir e falar.

- As pessoas ouvem-se, mas não têm tempo para se escutarem umas às outras.

- Escutar é abrir-se ao outro, acolhê-lo, deixá-lo entrar e pôr-se no seu lugar.

- Escutar é estar atento ao que os ouvidos ouvem, os olhos veem e o coração sente.


OLHAR

- Olhar é ver com atenção, paciência, admiração, contemplação, respeito e amor.

- Mais belo do que as coisas que vemos com os olhos é a forma como as olhamos.

- Um olhar tem a capacidade de dizer o que as palavras não conseguem exprimir.

- É importante treinar o coração para sermos capazes de olhar o melhor da vida.

- Se as coisas importantes não se veem com os olhos, devemos olhar com a alma.

- Mais do que as coisas que os olhos nos mostram, nós olhamos aquilo que somos.

- Nada se compara à verdade do nosso olhar pois ele é o reflexo do nosso interior.

- Compreendemos a vida olhando para trás e avançamos olhando para a frente.

- Olhar para fora faz-nos existir e sonhar e olhar para dentro faz-nos pensar e viver.

- A nossa consciência recorda-nos que há sempre quem esteja a olhar para nós.


ATIVAMENTE


- Somos aquilo que pensamos e refletimos e é isso que nos faz transformar o mundo.

- Uma mente que não se abra à reflexão e à criação é como se já estivesse morta.

- É no diálogo entre a mente e o coração que se decidem os caminhos a seguir.

- É na verdadeira amizade e no amor autêntico que reside a felicidade humana.

- O segredo de uma existência saudável está em viver conscientemente o presente.

- A mente não se cansa de aprender e se quiser algo, vai fazer tudo para o conseguir.

- Enquanto a mente se alimenta com o que recebe, o coração vive daquilo que dá.


Paulo Costa



terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

Quem manda és tu!



A vida tem-nos vendido muita coisa como valiosa. Como útil. Como preciosa, até. Têm-nos mentido muito. Têm-nos sido ditas muitas verdades mentirosas. Que nos deixam com a sensação de que não temos poder sobre a nossa vida. Que há uma máquina bem oleada e bem montada que nos transcende e nos guarda os dias como quem manda em nós. Não é verdade nem pode ser. Quem manda em ti és tu. Quem manda nas tuas vontades, és tu. Quem te diz o que fazer não sabe o que diz. As decisões que tomares e que sonhares têm de ser tuas. Depois, terás de aprender a viver com elas.

Enquanto a vida nos passa por cima, como se nos prendesse sempre ao que não queremos para nós, vamos tentando nadar até à superfície. Sustemos a respiração e guardamos o ar para quando pudermos inspirar em paz. Até isso nos tiraram. O ar. O fôlego. E vamos caminhando com cordas apertadas à volta da garganta, do peito, dos braços, do ânimo, da alma e do coração.

És (e somos) mais do que essas cordas. Mais do que o dinheiro que parece andar de coroa na cabeça. Mais do que os que nos sorriem e nos ferram enganos sujos por detrás das costas. Mais do que os que nos cativam para depois nos trair. Mais do que os que nos sorriem para depois usar a luz que é nossa como a deles.

Somos mais do que querem fazer de nós. Querem-nos como uns fantoches tristes. De olhos quase adormecidos pela pancada que vão levando e que ninguém vê. Pelas injustiças que vão arrastando enquanto coxeiam liberdades fingidas.

Somos mais do que gravatas, fatos bonitos e roupas caras. Mais do que carros que fazem tudo por nós. Mais do que o piloto automático em que nos afundaram.

Mas quem? Tantos. E tantas. E deixámos. E deixamos.

Mas somos mais. Somos muitos os que vemos. Os que sentimos. Os que sabemos que o tempo não se compra. Que a vida não se compra. Que os dias felizes não existem se estivermos longe daquilo que somos. Somos mais pessoas do que as sombras que querem de nós. Mais inteiros do que os restos que nos querem pisar.

Somos tantos e podemos muito.

Guarda bem o teu tempo.

Guarda-te bem.

O que tantos querem, só terão se tu deixares.

Eles ainda não sabem, mas quem manda és tu.


Marta Arrais


segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

Talvez esteja na hora...



Esta semana voltou a ser caracterizada por um mar de notícias sobre a Igreja Católica. Notícias sobre confirmações de abusos sexuais, dinheiro gasto nas JMJ 2023 e afirmações do Papa sobre a homossexualidade não ser crime, mas ser pecado.

A Igreja tem, claramente, muito caminho a fazer. Não só na sua comunicação, mas também relativamente à coerência das suas ações. É claro que há muito mais para além do que se vai falando, no entanto há situações que merecem uma postura mais congruente com o Evangelho, com aquela Boa Notícia que nos foi apresentada e que tinha como objetivo a vivência de um Reino para todos.

Aquilo que escrevo, não é uma embirração com a Igreja Católica, mas sim uma verdadeira preocupação com o futuro de uma instituição que deveria ser reconhecida como esperança para tantos e tantas. Sim, eu bem sei que nunca será perfeita. Sim, eu bem sei que é também com a nossa frágil humanidade que se constrói este mesmo Reino. Sim, eu sei disso e recordo todos os dias o quão pecador e frágil sou. No entanto, isto não deve invalidar uma mudança de postura e de paradigma.

Há muitas obras e missões da Igreja Católica que salvam o mundo de muita gente. E bem sabemos que o bem e o belo não fazem barulho, nem estrondo. Não podemos negar isto, independentemente da nossa crença. Mas os problemas e a visão que a Igreja ateima em seguir estará efetivamente alinhada com as verdadeiras necessidades? Estará realmente atenta às novas periferias e às novas lutas? Estará efetivamente do lado dos que mais sofrem?

Como pode a Igreja ser fonte de confiança, se vive inundada de escândalos? Como pode a Igreja dizer-se próxima dos pobres se investe milhões para eventos? Como pode a Igreja dizer-se acolhedora e peregrina se define uma forma de amar como pecado?

Acima de tudo que estas questões não sirvam apenas para mascarar a nossa hipocrisia, isto é, que não tenham somente o objetivo de apontar o dedo, mas que espolete em nós a vontade de fazer a diferença com o nosso testemunho: tratando com respeito e dignidade os mais frágeis; disponibilizando, sempre que nos for possível, ajudas para os que mais necessitam; e, por último, amando e acolhendo quem ama de forma diferente da nossa, mas que procura o mesmo Jesus Cristo.

Talvez seja a hora de voltarmos às origens daquela Igreja que era conhecida por “vede como eles se amam!”. Talvez esteja na hora…


Emanuel António Dias