domingo, 31 de agosto de 2025

O BANQUETE DO REINO

 




Sobre que valores devemos alicerçar a nossa vida? A soberba, a ambição, a ganância, a arrogância, a obsessão pelas honrarias, as apostas interesseiras, serão bons companheiros de caminho? A Palavra de Deus que nos é servida neste dia convida-nos a optar por valores que nos humanizem, que deem profundidade à nossa vida, que nos abram à fraternidade, que nos tornem testemunhas e arautos do mundo novo sonhado por Deus.

Na primeira leitura, um sábio judeu dos inícios do séc. II a.C. exorta os seus concidadãos a não se deixarem deslumbrar pela arrogante cultura helénica. Sugere-lhes que, fiéis aos valores dos antepassados, rejeitem a soberba e escolham a humildade. Dessa forma, agradarão a Deus e aos homens. A humildade não é a virtude dos fracos; é a opção daqueles que estão apostados em viver uma vida plena de sentido.A humildade não deve marcar apenas a relação entre os seres humanos, mas também deve estar presente na atitude do homem face a Deus. De acordo com a catequese de Israel, o homem soberbo prescinde de Deus, coloca-se numa atitude de autossuficiência, descarta as indicações de Deus, deixa-se guiar pelo orgulho e avança por caminhos onde Deus não está; entregue a si próprio, acaba por construir uma história de infelicidade, de dor e de morte. É essa a origem de uma boa fatia do “pecado” que desfeia o mundo. Em contrapartida, o homem humilde reconhece a soberania do Criador, acolhe agradecido as indicações de Deus, confia totalmente em Deus e entrega-se totalmente nas Suas mãos, constrói a sua vida de acordo com as indicações de Deus; seguindo as orientações de Deus, constrói uma história de salvação e de graça, torna-se para os seus irmãos um sinal vivo do amor e da bondade de Deus. É essa a origem de muitas coisas bonitas que trazem esperança ao nosso mundo. Como nos apresentamos diante de Deus? Com soberba, ou com humildade?

O Evangelho faz-nos entrar em casa de um fariseu que tinha convidado Jesus para a “refeição de sábado”. Aos convivas que lutavam pelos “primeiros lugares”, Jesus fala de humildade e de simplicidade. Ao dono da casa, rodeado de amigos unidos pela mesma rede de interesses, Jesus convida a sair fora daquele círculo exclusivo e privilegiado, para abraçar o amor gratuito e desinteressado a todos. Humildade, simplicidade, amor universal, acolhimento misericordioso de todos: segundo Jesus, é a partir desses valores que será possível contruir o Reino de Deus.~Na época de Jesus, a religião do Templo considerava os aleijados, os cegos e os coxos gente indigna, castigada por Deus, que vivia à margem da comunidade da salvação. Apesar disso, Jesus recomenda ao dono da casa onde comeu naquele sábado que, quando der um banquete, os convide para a sua mesa. Para Jesus não há gente indigna, maldita, que deva ficar de fora do banquete do Reino de Deus. A Igreja nascida de Jesus é a comunidade da salvação onde “todos, todos, todos” os filhos e filhas de Deus têm lugar garantido. Os que erraram na vida, os que tropeçaram e caíram uma e outra e outra vez, os que se magoaram e magoaram os outros, os que levam vidas “irregulares” do ponto de vista canónico, são plenamente acolhidos na comunidade de Jesus? Que apoio se procura dar-lhes? Como se procura ajudá-los? Evitamos, criticamos, condenamos os “diferentes”, ou tratamo-los como irmãos, filhos queridos e amados de Deus?

Na segunda leitura, um pregador cristão da segunda metade do séc. I convida os crentes a reavivarem a sua opção por Cristo. Afinal, a experiência cristã é uma experiência que nos leva até Deus, que nos insere na família de Deus, que nos faz entrar na Jerusalém celeste, que nos irmana aos “santos” cujos nomes estão inscritos no céu. Como não viver com alegria e entusiasmo esta escolha?

BILHETE DE EVANGELHO

Jesus pode falar de gratuidade porque a sua vinda à terra é um dom gratuito de Deus, é uma graça, este amor gratuito, gracioso de Deus. E Deus não nos ama porque merecemos, mas porque não pode senão amar-nos, pois Ele é Amor. Então, Jesus pede ao homem, criado à imagem de Deus, para amar como Deus ama, isto é, gratuitamente, esperando ser declarado justo na ressurreição dos mortos. Trata-se de uma verdadeira revolução nas relações entre eles: pôr o dom em primeiro lugar e ter em resposta apenas a alegria de ter dado. Jesus vai mesmo ao ponto de declarar felizes aqueles que têm o sentido do gratuito nas suas relações humanas
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sábado, 30 de agosto de 2025

A importância das coisas simples!



Dizia Fernando pessoa: "Às vezes ouço passar o vento; e só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido"
Poético de tão simples e complexo! E quem sabe seja por aí que divaga a felicidade?! Nesses momentos em que o mundo ressalta a sua força e a sua beleza de forma tão trivial mas mágica também, e que pena o darmos, tantas vezes, como garantido e deixamos passar...

O nascer do sol
A brisa das noites de verão
A chuva na terra seca
O cheiro das flores
Um banho de mar
O arco-íris
O pôr do sol
O canto dos pássaros
O eco da montanha
A neve
A luz da lua
As estrelas que polvilham o céu
O aconchego de uma fogueira
Tudo nos é dado, assim o saibamos agradecer e sobretudo viver!


Lucília Miranda

sexta-feira, 29 de agosto de 2025

A ECOLOGIA INTEGRAL RECLAMA EDUCAÇÃO E CONVERSÃO



De 1 de setembro, Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação, a 4 de outubro, Dia da Festa de São Francisco de Assis, vamos viver o “Tempo da Criação”, uma iniciativa ecuménica no seu décimo ano de realização. A Mensagem deste ano foi desenvolvida por Leão XIV, ainda sob o tema sugerido pelo Papa Francisco: “Sementes de Paz e Esperança”.
Estamos mais, muito mais, que alertados, os estudos, as vozes e os documentos não faltam! O cuidar da criação, a justiça ambiental, o escutar com o coração os gritos da Terra e das vítimas das alterações climáticas e das catástrofes ambientais, não são uma tarefa opcional, uma coisa secundária, um falar para não estar calado, um conceito abstrato, um objetivo distante. É um dever, uma obrigação, uma questão de justiça social, económica e antropológica. É uma exigência teológica, tem motivações éticas e espirituais, é também uma questão de fé e de humanidade. Não somos senhores da criação, somos criaturas, não somos seus proprietários ou donos, não somos seus ferozes dominadores, não estamos autorizados a saqueá-la. A natureza não é um instrumento de troca, não é uma mercadoria negociável, não é um campo de batalha a ver quem é que mais, egoisticamente, explora, pilha e usufrui dos seus recursos, penalizando as populações, minando a estabilidade social. Não raro, os interesses encobertos por uma linguagem hipócrita e por um marketing prepotente e abusivo querem fazer crer que tudo é lícito e natural, querem levar a opinião pública a pensar que se trata de puro progresso, de oportunidades económicas e empresariais a não desperdiçar, de promoção humana imperdível em favor dos que hão de vir.
Esta carícia de Deus que é a criação, esta casa comum, este jardim do mundo, este manancial de encanto e reverência, esta continua revelação do divino, esta linguagem do amor de Deus, este maravilhoso livro aberto “cujas letras são representadas pela multidão de criaturas presentes no universo”, merece maior atenção e dedicação. Se a ecologia integral for cada vez mais acolhida e partilhada como caminho a seguir, ‘muitas sementes de justiça podem germinar, contribuindo para a paz e a esperança’.
Para que isso aconteça, porém, Leão XIV diz-nos na sua Mensagem que, aliadas à oração, são necessárias vontades e ações concretas, pois, em várias partes do mundo, já é evidente que a nossa terra está a cair na ruína, continuando a aumentar a violação do direito internacional e dos direitos dos povos, o desflorestamento, a poluição, a perda de biodiversidade, os fenómenos naturais extremos, a devastação humana e ecológica provocada pelos conflitos armados. Já São Paulo VI alertava que se “os progressos científicos mais extraordinários, as invenções técnicas mais assombrosas, o desenvolvimento económico mais prodigioso, se não estiverem unidos a um progresso social e moral, voltam-se necessariamente contra o homem”.
Na Carta Encíclica ‘Laudato Si’ (cf. n.ºs 20-22) lemos que existem formas de poluição que afetam diariamente as pessoas. A exposição aos poluentes atmosféricos produz uma vasta gama de efeitos sobre a saúde, particularmente dos mais pobres, e provocam milhões de mortes prematuras. A isto vem juntar-se a poluição causada pelo transporte, pelos fumos da indústria, pelas descargas de substâncias que contribuem para a acidificação do solo e da água, pelos fertilizantes, inseticidas, fungicidas, pesticidas e agrotóxicos em geral. Produzem-se anualmente centenas de milhões de toneladas de resíduos, muitos deles não biodegradáveis: resíduos domésticos e comerciais, detritos de demolições, resíduos clínicos, eletrónicos e industriais, resíduos altamente tóxicos e radioativos. Esta nossa casa parece transformar-se cada vez mais num imenso depósito de lixo, esta cultura do descarte afeta os próprios seres humanos. Note-se, por exemplo, como a maior parte do papel produzido se desperdiça sem ser reciclado. Custa-nos a reconhecer que o funcionamento dos ecossistemas naturais é exemplar: as plantas sintetizam substâncias nutritivas que alimentam os herbívoros; estes, por sua vez, alimentam os carnívoros que fornecem significativas quantidades de resíduos orgânicos, que dão origem a uma nova geração de vegetais. Ao contrário, o sistema industrial, no final do ciclo de produção e consumo, não desenvolveu a capacidade de absorver e reutilizar resíduos e escórias. Ainda não se conseguiu adotar um modelo circular de produção que assegure recursos para todos e para as gerações futuras e que exige limitar, o mais possível, o uso dos recursos não-renováveis, moderando o seu consumo, maximizando a eficiência no seu aproveitamento, reutilizando e reciclando-os. A resolução desta questão seria uma maneira de contrastar a cultura do descarte que acaba por danificar o planeta inteiro, mas nota-se que os progressos neste sentido são ainda muito escassos’.

D. Antonino Dias - Bispo Diocesano

Portalegre-Castelo Branco, 29-08-2025.

quinta-feira, 28 de agosto de 2025

A preparar o fim de férias



Parece estranho que ainda nem fui de férias e já estou a pensar no fim delas. Passamos o ano todo a desejar férias e depositamos nesses dias todas as “fichas” da nossa felicidade. Esperamos que esse intervalo nos sossegue, acalme e nos dê animo para as lutas que se avizinham. E geralmente isso acontece, pois permitimo-nos a cortar rotinas e a ter tempo para fazer o que apetece.

Mas nem sempre é assim. Nem sempre fazemos o que nos apetece, sem sempre somos felizes nas férias e nem sempre “corre tudo bem”. Mas férias são férias, mesmo que chova, ou que tenhas que ficar em casa doente… são férias e só essa expressão muda completamente a nossa forma de estar.

Quando começam a chegar as férias, começamos a adiar tudo para depois… “depois das férias vejo isso e penso nisso”. Que bem que sabe! Geralmente o fim de férias implica o início de mais um ciclo da nossa vida. Seja o arranque do ano escolar, seja um novo desafio no trabalho, um novo projeto na comunidade, seja o que for, começa quando acabam as férias. E retoma tudo à rotina com a ideia de que as férias fizeram toda a diferença e que “agora é que é”.

Mas nem sempre é assim, pelo que acho que devemos preparar as férias a começar do fim. Como me quero sentir quando acabar as férias? Uns dirão que não querem fazer nada e que optam por ficar no “dolce fare niente”. Para outros as férias é uma canseira feliz, pois desdobram-se em passeios, visitas, jantares e a fazer coisas que só se podem dar ao luxo nessas ocasiões.

Seja como for, devemos começar as férias a pensar no que gostaríamos de fazer e o que poderemos fazer, mas com uma boa dose de criatividade e realismo para que as nossas expectativas não frustrem o bom que esses dias nos podem oferecer. Sim, porque nem sempre o que desejamos é concretizável. Talvez pudéssemos pensar, “o que gostaria de sentir nestas férias?” e a partir daí fazer a nossa procura pessoal.

Será desse sentimento que partirão à aventura, mas sem pôr demasiada pressão nesses dias que representam pouco mais que 5% do teu ano de trabalho, ou seja, vale o que vale. Que sejam umas boas férias, sejam grandes ou pequenas, agitadas ou serenas, mas que sejam à tua imagem, pois MERECES! No fim das férias falamos.



Raquel Rodrigues

quarta-feira, 27 de agosto de 2025

Um conselho simples para quem se sente perdido

 



A liberdade engana-nos porque julgamos que há muitas boas opções e que podemos escolher qualquer uma delas… quando, na verdade, há apenas um caminho certo e desvios quase infinitos

Mas esse caminho certo — o nosso — que temos de escolher, precisa primeiro de ser construído pelas nossas próprias mãos. Não está feito, e a sua construção não é fácil. Aliás, a facilidade costuma ser sinal de erro! A simplicidade, pelo contrário, exige enormes doses de talento, sacrifício e renúncia ao fácil.

Orientemo-nos para o nosso dever, cumprindo as tarefas necessárias, dedicando-nos por completo, sem hesitações ou distrações.

Passamos grande parte do tempo perdidos a olhar apenas, sem fazer nada e, quando estamos a fazer alguma coisa, pensamos em outra coisa qualquer… Muitas vezes apanhamo-nos assim: a desperdiçar o nosso tempo, o que somos e o que podemos ser… e, desta forma, perdidos, acabamos por nos tornar, de facto, indignos até perante nós mesmos.

O nosso amor pelo que fazemos tocará o coração de outros e os inspirará a encontrar o seu próprio caminho, de acordo com os seus talentos.

O maior, mais simples e mais belo conselho para quem (como eu) anda perdido é que deve focar-se naquilo que tem o dever de fazer e fazê-lo com total entrega.

No fim, só contará o que fizemos por amor e com amor.

Em quantos corações há um pedaço do nosso?



José Luís Nunes Martins

terça-feira, 26 de agosto de 2025

Ver com o coração





Serenar toda a correria. Silenciar todo o ruído, por dentro e por fora. Para respirar, para sentir, para ver com o coração.

Voltar a olhar e deixarmo-nos tocar pelas coisas mais bonitas.


Aqueles abraços que nos fazem sentir em casa.

Aquelas mãos que nos seguram.

Aqueles olhares em cheio na alma.

Aqueles sorrisos que nos abraçam.

Aqueles colos que são refúgio.

Aquelas palavras (e aqueles silêncios) que nos falam ao coração.

Aquelas companhias que nos curam.

Aquelas pessoas que tanto nos querem bem.

Aqueles momentos que nos fazem sorrir.

Aqueles gestos que reacendem em nós a chama da esperança.
 

Nem sempre as coisas mais bonitas fazem barulho ou fogo-de-artifício.

Às vezes, é só um sopro de amor que passa e que nos salva o dia (e que nos salva do dia).

Talvez precisemos de (re)aprender a ler a poesia das coisas simples. E de (re)aprender a ver a vida com o coração.



Daniela Barreira


segunda-feira, 25 de agosto de 2025

«Esforçai-vos por entrar pela porta estreita…»

 





«Esforçai-vos por entrar pela porta estreita…»



Eu só salvo a minha Alma, se salvar um pecador como eu…


Senhor Jesus,

guardar os Teus ensinamentos num baú

é a maior ofensa que cometo contra Ti.

Ter a presunção de que Tu vieste só para a Tua Igreja,

é o maior erro que realizo contra cada coração que o Pai cria.

Fechar-Te num Sacrário sem Te adorar,

sem sentir que és Tu, Pão vivo,

quem orienta a minha vida e faz com que a minha Alma Te anseie,

é fechar a porta da Salvação!


Bom Jesus,

ajuda-me a aceitar a repreensão como a única cura,

para os passos mal amados que dou.

Recarrega a minha paciência com a força da Tua Fé,

para que eu anuncie [com as minhas atitudes] o quanto é bom ser Filha de Deus.

Faz-me Peregrina de Esperança de coração manso e humilde,

último lugar à Tua alegre mesa, para que a Tua misericórdia seja edificada no mundo.

Guia-me para que eu seja capaz de levar-Te a Todos e Todos a Ti.



Só Tu és o caminho…

sacia-me!

Só Tu és a Verdade…

inunda-me!

Só Tu és a Vida…

ilumina-me!



Liliana Dinis

domingo, 24 de agosto de 2025

Entrar no Reino pela porta estreita

 



Para onde caminhamos? O que nos espera no final do caminho? Como devemos viver para que a nossa vida não termine num fracasso? A Palavra de Deus que nos é proposta neste vigésimo primeiro domingo comum pretende responder a estas questões. Convida-nos a caminhar de olhos postos na salvação que Deus nos quer oferecer. Diz-nos em que direção devemos caminhar para lá chegar.

Na primeira leitura, um profeta não identificado desvela-nos o projeto que Deus tem para a humanidade: reunir à sua volta, na cidade da fraternidade e da paz, homens e mulheres de todas as nações e línguas, numa comunidade universal de salvação. Essa será a meta final, gloriosa e luminosa, da nossa peregrinação pela terra.Falar da universalidade da salvação, é falar de um Deus que vê cada ser humano como um filho muito querido. Ele cuida de todos e a todos ama, sem discriminar ninguém; Ele insiste em sentar à sua mesa todos os seus filhos, mesmo aqueles que o ignoram ou que se põem decididamente contra Ele. É estranho e dececionante que nós, seres humanos, ainda não tenhamos assimilado a lógica de Deus. Às vezes defendemos tenazmente o nosso bem-estar e recusamo-nos a partilhar com os nossos irmãos os bens que Deus ofereceu para todos; às vezes recusamo-nos a acolher aqueles que vêm bater à nossa porta, à procura de melhores condições de vida; às vezes tratamos os nossos irmãos como se eles não tivessem a mesma dignidade e os mesmos direitos que nós temos; às vezes privilegiamos o nosso comodismo em detrimento da justiça e da fraternidade; às vezes marcamos como inimigos determinados grupos, pessoas e comunidades, simplesmente para defender os nossos interesses ou a nossa vida acomodada. O racismo, a xenofobia, a discriminação de pessoas ou grupos, a indiferença face à sorte dos imigrantes, serão compatíveis com a pertença à família de Deus?

No Evangelho Jesus é confrontado com uma pergunta acerca do número dos que se salvam. Ele não responde; mas aproveita a oportunidade para sugerir como devem viver aqueles que querem construir uma vida com sentido: “esforçai-vos por entrar pela porta estreita”. Os que se esforçam por entrar pela porta estreita – isto é, aqueles que se dispõem a seguir Jesus e aceitam a Sua proposta de salvação – terão lugar à mesa de Deus, independentemente da sua raça, das suas raízes, da sua história de vida.Como devemos viver para que a nossa vida não seja perdida? No caminho para Jerusalém, Jesus deixa a sua resposta: “Esforçai-vos por entrar pela porta estreita”. Talvez esta frase dita assim, sem explicações, nos pareça estranha e enigmática. Contudo, o Evangelho de Jesus, no seu conjunto, explica-a bastante bem: “entrar pela porta estreita” é não viver de forma irresponsável, sem agarrar a vida e sem se comprometer; é recusar a mediocridade, a acomodação, a alienação; é não ceder ao facilitismo, à tentação do bem-estar, aos valores que não têm qualquer valor; é não viver exclusivamente voltado para os próprios interesses pessoais, alheado dos problemas do mundo e da sorte dos irmãos; é não se conformar com uma vida oca, de meias tintas, indolor, sem metas elevadas; é não confiar em falsas seguranças vindas do dinheiro ou de uma religião vazia e ritualista; é fazer-se pequeno, simples, humilde, servo, capaz de amar até ao dom total de si próprio… Como é que estamos a construir a nossa vida? Confundimos “felicidade” com “facilidade”? Apostamos na “porta estreita”, que implica esforço, renúncia, sacrifício, coerência, risco, luta, compromisso, ou procuramos a “porta larga” da facilidade, da superficialidade, do bem-estar, da popularidade, do êxito efémero, de tudo aquilo que não exige muito mas também não sacia a nossa fome e a nossa sede de vida verdadeira?

Na segunda leitura, um mestre cristão exorta os crentes a verem os sofrimentos e as contrariedades que tiverem de suportar, não como castigos, mas como sinais do amor de Deus. Dessa forma, poderão vencer o temor que desalenta e paralisa; alimentados pela certeza desse amor, poderão caminhar, com firmeza e perseverança, em direção à vida definitiva.Ao longo dos séculos, a questão do sofrimento tem sido, para muitos homens e mulheres um “obstáculo” intransponível na sua aproximação a Deus: se Deus existe, porque é que deixa que o sofrimento marque a vida do homem, inclusive a vida dos justos e dos inocentes? Porque é que tantas pessoas que optam por caminhos de violência e de maldade parecem ter tanta sorte e sucesso, enquanto outras pessoas, boas e generosas, são atingidas por males em catadupa? Nem os teólogos, nem os filósofos conseguiram, até hoje, encontrar respostas satisfatórias para estas questões. O mais honesto é reconhecer, simplesmente, que se trata de algo que ultrapassa a nossa “pobre” compreensão dos grandes mistérios da vida. A catequese cristã, sem explicar cabalmente o sentido do sofrimento, convida-nos a constatar uma realidade: embora não seja algo bom em si mesmo, o sofrimento pode dar-nos a possibilidade de crescermos, de amadurecermos, de alcançarmos uma compreensão superior do sentido da existência, de nos purificarmos de certas visões mesquinhas que só ultrapassamos quando mergulhamos no mistério do amor de Deus. Como lidamos com o sofrimento? Que sentido lhe damos?


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sexta-feira, 22 de agosto de 2025

DE PEREGRINOS EM ROMA À MISSÃO NA SERTÃ




Os jovens são assim, são a paz em movimento mesmo que agitada. E mal vai quando assim não é, quando se recusam a tirar as pantufas e a saltar do sofá, carentes que estão da vontade de conviver e agir, com alegria e proveito! Os que são jovens, os jovens sem essa morrinha de velhice velha, gostam de aventuras sadias, espreitam oportunidades, confiam, esperam, sabem-se encontrar e ser encontrados. Sentindo-se no mesmo barco, dão as mãos para içar, ajustar e orientar as velas para navegar segundo um imaginário sadio. Amarram e desamarram as espias do barco ao cabeço de amarração, ora para lhes dar firmeza em porto seguro, ora para lhes dar a liberdade de navegar no mar alto da vida. Sabem usar a âncora para que o barco não ande ao sabor dos ventos tempestuosos ou adversos, perdendo o rumo, o tino e o destino.
Entre 30 e 40 jovens diocesanos, alguns que foram em peregrinação a Roma, estão em missão na zona da Sertã, com o quartel-general em Cernache do Bonjardim. Como já o foi no ano passado, esta missão é feita em parceria com o “Voluntariado Internacional de Educação à Solidariedade” (Associação VIDES), um projeto europeu que reclama alguns procedimentos. Parabéns a eles, a elas, a seus pais, às paróquias da sua origem e a quem promove, coordena, apoia e abre as portas a esta Missão Jovem 2025! Parabéns e obrigado pelo testemunho de todos!
Sabemos que cada um dos participantes é cada qual. Todos iguais em dignidade mas todos diferentes na forma de ser e estar. Ninguém é ou pode ser em vez do outro, cada um é o original e não deve aspirar a ser fotocópia de alguém, como afirmava Carlo Acutis. Somos criados à imagem e semelhança de Deus e Deus é um só, é único, cada um de nós é único e senhor do seu nariz e das suas orelhas. Mas também somos seres de relação, seres sociais. Fomos criados à imagem e semelhança de Deus e Deus é relação, é comunidade, é família, é uma realidade dialógica. Nascemos filhos de uma relação e crescemos em relação com os outros, numa cultura que nos faz compreender a nós mesmos e nos ajuda a interpretar o mundo e a fazer escolhas pautados por valores e verdade: isso foi lembrado pelo Papa no Jubileu dos jovens, como resposta às perguntas de Dulce, mexicana, de Gaia, italiana, e de Will, dos Estados Unidos. E neste processo, cruzamos com pessoas e instituições que nos ajudam a formar a nossa consciência, fazem parte da nossa vida, são bondosas connosco, ouvem-nos com amor e até ao fim, ajudam-nos a crescer na bondade e na verdade, ensinam-nos a viver e a conviver saudavelmente, trocando conhecimentos, partilhando expectativas, dialogando através da arte, da fé, da música, do lazer, da informática, da cultura, do desporto, de iniciativas saudáveis, do que for.
Embora sejam excelentes no campo da informação e do saber, do encontro e do diálogo, do intercâmbio e da proximidade, não podemos aceitar que sejam as redes sociais a formatar a nossa maneira de estar. Não podemos permitir que nos façam adormecer ou nos tornem dependentes, confusos, instáveis, como afirmava o Papa Francisco. Não são elas que nos devem dizer o que devemos ser, ver, pensar e agir, tampouco são elas quem nos deve dizer quais devem ser os nossos amigos. Conforme se ouviu na Vigília do Jubileu dos jovens, em 2 de agosto, qualquer pessoa deseja uma vida com sentido, mas nem sempre é fácil de encontrar, como fácil não é encontrar uma amizade autêntica que nos apoie a desbravar o caminho, para que, com aquela esperança que não engana, sejamos capazes de descolar e voar em direção à verdade que não dececiona, à beleza que não passa. Quando as nossas amizades refletem um intenso vínculo com Jesus – o Amigo por excelência e que nunca falha! -, tornam-se certamente amizades sinceras, generosas e verdadeiras, ajudando-nos a viver o presente construindo o futuro. A este propósito, Leão XIV recordou aos jovens as palavras sempre atuais e atuantes que São João Paulo II havia dito, naquele mesmo lugar, há 25 anos, em 2000, aos jovens de então, os quais são os pais de hoje, alguns já avós: “é Jesus quem buscais quando sonhais a felicidade; é Ele quem vos espera, quando nada do que encontrais vos satisfaz; Ele é a beleza que tanto vos atrai; é Ele quem vos provoca com aquela sede de radicalidade que não vos deixa ceder a compromissos; é Ele quem vos impele a depor as máscaras que tornam a vida falsa; é Ele quem vos lê no coração as decisões mais verdadeiras que outros quereriam sufocar”.
Por entre sonhos, esperanças, atração pelo bem e pelo belo e por entre dúvidas, incertezas e um certo medo do futuro, o jovem sente necessidade de fazer escolhas. Entende que não pode adiar nem ficar paralisado. Tem de decidir, mesmo que isso o faça sofrer. E também sabe que escolher ‘isto’ significa renunciar ‘àquilo’, mesmo que ‘aquilo’ também seja bom e agradável. E se é certo que ninguém pode ficar como ‘o tolo no meio da ponte’, tolhido com medo de discernir, decidir e arriscar, também é verdade que não deve optar por ficar com um pé dentro e outro fora, com um pé a caminhar pelo passeio e outro pela rua, a manquejar. Ficar dividido, optando por um bocadinho ‘disto’ e outro bocadinho ‘daquilo’, recusando dar-se totalmente ao que lhe dará verdadeiro sentido à vida, não é bom, mais tarde ou mais cedo chegará a frustração. Há escolhas que não admitem ambiguidades destas, são estruturantes da vida, reclamam exclusividade e dedicação total. E será na fidelidade a essas primeiras escolhas e para a sua melhor concretização, que se farão muitas outras escolhas ao longo da vida, seja essa primeira escolha o matrimónio, o ministério ordenado, a vida consagrada ou mesmo outra opção responsável de dedicação aos outros, se se entende que não se tem vocação para o matrimónio, para o ministério ordenado ou para a vida consagrada. Só a plena doação a essa primeira escolha sonhada, refletida, rezada, discernida e assumida com alegria, mesmo que vivida no meio de algumas tristezas e fracassos, é que gera a felicidade e a capacidade de tudo enfrentar para chegar à meta. Isso é construir sobre a rocha, sobre aquele amor que renova todas as coisas, que “não nos tira nenhum bem mas nos leva sempre ao melhor”. Esta é a esperança que não engana e nos leva a ter coragem de fazer escolhas radicais e com sentido, enriquecendo-as com tudo o mais que a vida nos oferece de bom e de que sejamos capazes de usufruir e desenvolver.
Se a escolha por excelência é a decisão sobre a própria vida, termino com a pergunta do Papa Leão XIV dirigida a cada jovem que se preze de o ser e onde quer que se encontre, mesmo que seja na Sertã ou em qualquer cantinho desta nossa Diocese: “que homem queres ser? Que mulher queres ser?”.

D. Antonino Dias - Bispo Diocesano
Portalegre-Castelo Branco, 22-08-2025.


quinta-feira, 21 de agosto de 2025

PARA TODOS OS DE BOA VONTADE, EM COMUNHÃO ECLESIAL

 


Alegria pelo presente que é o presente!




“Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, o menino exultou-lhe no seio.” (Lc 1, 41)!

Hoje interpelaste-me a ir ao teu encontro e ao fazê-lo senti a alegria do encontro em tantos rostos conhecidos que, ao verem-me, sorriram e abraçaram-me como se fosse a primeira vez. Passamos tanto tempo a viver de ilusões, querendo ser quem não somos, ter o que não temos, voltar atrás no tempo para fazer de outra maneira, fazer melhores escolhas ou arranjar um novo emprego porque esse que não temos é o que nos vai realizar plenamente.

Navegamos entre um passado que não voltará a ser presente e um futuro que não nos pertence. Esquecemos que hoje é o presente, a graça que nos dás quando acordamos para um novo dia. Quantas vezes escolhemos voltar para casa pelo caminho panorâmico, parar para ver um pôr do sol, para ouvir as ondas do mar arrebentarem na praia ou para sentir o cheiro da terra depois da chuva? Porque não cantamos mais no chuveiro, mesmo que desafinemos, ou dançamos debaixo da chuva, mesmo que nos chamem de loucos? Porque temos tanta dificuldade em desviarmo-nos das nossas rotinas contadas ao minuto?

Hoje desinstalaste-me da rotina do preceito para levar-me a exultar como João, bendizer como Isabel e glorificar-te como Maria (cf. Lc 1, 39-56). Ao entrar na comunidade que me acolheu como se me conhecesse há muitos anos, de braços abertos como os teus na cruz, e que desde então tem-me visto crescer na fé, senti a enorme alegria de quem chega a casa, por saber que ali cada um tem o seu lugar, quem chega encaixa-se na nossa construção de Legos, que apenas ficará completa quando nos vieres buscar, e quem parte não morre porque vive sempre na memória grata dos nossos corações.

Hoje puseste-me apressadamente a caminho da realidade que, por mais difícil que seja às vezes, é sempre melhor do que a ilusão porque nos foi dada e não inventada. Na humildade do serviço encontramos a ‘estrada de tijolos amarelos’ que nos conduz ao outro, estrada onde estão ‘o leão covarde, o espantalho sem cérebro e o homem de lata sem coração’ (cf. O Mágico de Oz), que na verdade podia ser qualquer um de nós. A generosidade e gratuidade do serviço urge-nos a acompanhá-los à Emaús da desesperança, enquanto testemunhamos as tuas maravilhas, para com eles voltar para a Jerusalém da esperança, onde por amor venceste a morte para dar coragem aos medrosos, conhecimento aos ignorantes e um coração já não de pedra, mas de carne (cf. Ez 36, 26-28), onde vive o teu Espírito de Amor, aos indiferentes.

Bem-aventurados como Maria sejamos por acreditar no cumprimento de tudo o que nos disseste (cf. Lc 1, 45). Gratos sejamos pela realidade do nosso presente e confiantes sejamos no futuro que para nós preparaste, no sumptuoso banquete da vida onde há lugar para todos. Obrigada, Senhor, pelos sorrisos e abraços dos reencontros e por me lembrares como é precioso o presente que nos dás a viver.


Raquel Dias


quarta-feira, 20 de agosto de 2025

Razão ou paz?



Cada vez mais paz, sem dúvida, embora as vezes seja difícil quando sabemos que estamos certos, mas o contraponto insiste que não.

Quando a evidência mostra que conta factos não há argumentos mas ainda assim nos exigem provas!

Quando é claro como água mas a teimosia vence a melhor!

Ás vezes são só coisas corriqueiras, mas outras vezes não e podem surgir daí grandes dissabores.

Ouvi por aí a expressão "concordamos em discordar" e tenho recorrido a ela cada vez mais, não querendo com isto dizer que não devamos apresentar o nosso ponto de vista , debate-lo, defende-lo.
É só porque se a razão "custa a nossa paz, então é caro demais"!



Lucília Miranda

terça-feira, 19 de agosto de 2025

O que devemos pedir a Deus?



É importante saber, antes de tudo, que devemos reconhecer, valorizar e agradecer tudo quanto temos de bom – aquilo que, muitas vezes, nos chegou sob a forma de milagre discreto. É comum que as pessoas só reconheçam as graças recebidas quando, por alguma razão, as perdem.

Será que sabemos mesmo o que queremos ou será que podemos estar enganados em relação àquilo que mais nos pode beneficiar? O que desejamos é, de facto, o que precisamos? Será que aceitamos que muito do que queremos pode, na verdade, não nos fazer bem?

E se, por alguma razão, nos chegar o que desejamos mas não é bom? Saberemos lidar com isso? E se nos for dado o que mais precisamos, seremos capazes de o aceitar e agradecer ou, porque não é o que queríamos, iremos rejeitá-lo e ainda nos queixaremos do que julgamos ser mais um golpe da nossa má sorte?

Algo que devemos sempre pedir a Deus é juízo para compreender a nossa vida e o que nos cabe fazer em relação a cada uma das suas dimensões. O discernimento é um dos dons da sabedoria. De pouco serve saber muitas coisas, feliz e sábio é quem sabe o que é o mais importante.

A felicidade depende da sensatez! Quantos não andam infelizes só porque não sabem que bastaria mudar o seu olhar sobre a sua própria existência para que se enchessem da mais pura e luminosa alegria?

Peçamos a Deus juízo, discernimento ou sensatez – ou como quer que chamemos a essa capacidade de ver a realidade como ela é!



José Luís Nunes Martins

segunda-feira, 18 de agosto de 2025

Quem se humilha




Eu vim trazer o fogo à terra e que quero Eu senão que ele se acenda?



Senhor Jesus,

vieste trazer fogo…

[neste mês onde os incêndios consomem a terra]

a Tua mensagem é, profundamente, dolorosa.

Temo que poucos aceitem a aridez das Tuas palavras…

Creio que irás instaurar o conflito e a desunião…

Sinto que o medo vai despertar o desalento no meu coração…


MAS…

Eu conheço a Tua Voz.

Eu quero seguir-Te!


Senhor Jesus,

quero ser uma fiel peregrina de Esperança…

quero levar-Te a Todos e fazer com que Todos venham a Ti!


Peço-Te que reacendas o fogo do Batismo na minha Alma,

para que eu seja capaz de cumprir os desígnios do Pai.

Dá-me um coração manso, que cresce no silêncio da oração.

Faz de mim fogo que renove a terra: na Paz, no Perdão e no Amor!



Liliana Dinis

domingo, 17 de agosto de 2025

Nossa Senhora da Assunção



«Bendita és tu entre as mulheres

e bendito é o fruto do teu ventre.»



Maria…

Foste Assumpta ao Céu em Corpo e Alma.

És dogma de Fé.

Eu Creio Senhora!

Creio que és força para os que estão tristes.

Creio que és coragem para os que habitam nas trevas.

Creio que és Luz para os que se perdem no caminho.

Creio que és Inquietação para os que permanecem na inércia perante a maldade.

Creio que és Esperança para os que sofrem no corpo com a guerra.

Creio que és Paz para os Espíritos confusos.

Eu Creio em Ti, Senhora da Assunção!


Liliana Dinis

CONVERSÃO

 



Como vivemos, no dia a dia da nossa vida, a opção que fizemos quando fomos batizados? A monotonia, o cansaço, a acomodação, tomaram conta de nós e caminhamos sem chama, sem alegria e sem paixão? A Palavra de Deus que hoje nos é servida convida-nos a acordar, a escutar novamente o chamamento de Deus, a redescobrir a missão profética a que somos chamados, a retomar o nosso caminho atrás de Jesus, a reafirmar o nosso compromisso com a construção do Reino de Deus.

A primeira leitura fala-nos dos sofrimentos que o profeta Jeremias teve de enfrentar por causa da sua fidelidade à missão que Deus lhe confiou. Homem sensível e bom, pouco preparado para o confronto e a hostilidade, Jeremias teve de denunciar, de demolir falsas esperanças, de causar alarme social, a fim de que a Palavra de Deus chegasse ao coração dos seus contemporâneos. Detestado por todos, castigado pelos líderes, Jeremias cumpriu, mesmo assim, a sua missão. Não esteve sozinho: Deus acompanhou-o, consolou-o e salvou-o. Deus nunca abandona os seus profetas.Quem são os profetas? Pessoas de uma raça especial, diferentes dos outros homens e mulheres? Não. Os profetas são simplesmente pessoas que, enquanto caminham pela vida, dão testemunho de Deus no meio dos seus irmãos. Ora, essa é a missão que foi confiada a todos aqueles que optaram por Deus e que, no dia do seu batismo, se comprometeram com Deus. Aliás, no momento do nosso batismo fomos ungidos com o óleo do crisma e constituídos profetas à imagem de Jesus. Comprometemo-nos, nesse dia, a continuar a obra de Jesus: anunciar a todos os homens o amor de Deus, testemunhar e construir o Reino de Deus. Sentimo-nos profetas, investidos por Deus da missão de construir um mundo de justiça e de paz? Somos coerentes com a nossa vocação profética e procuramos, com fidelidade, ser testemunhas de Deus no meio dos nossos irmãos?

No Evangelho Jesus descreve aos discípulos a missão que recebeu do Pai: “Eu vim trazer o fogo à terra”. Apaixonado por Deus e pelo Reino, Jesus queria contagiar o mundo e os homens com a sua paixão. Trouxe uma esperança nova aos pobres, aos doentes, aos marginalizados, aos malditos; combateu e venceu o egoísmo, a violência, a injustiça, o pecado, a morte. Quis que os seus discípulos abraçassem esse mesmo projeto e que, abrasados pelo fogo do Espírito, fossem testemunhas do Evangelho em todo o mundo. Hoje, é pela ação desses discípulos que o “fogo” de Deus continua a aquecer e a purificar o mundo.

Jesus disse estar ansioso por receber “um batismo” que o levou a mergulhar na morte para emergir para a vida nova da ressurreição. No dia do nosso batismo nós também fomos mergulhados na água e emergimos como pessoas novas, comprometidas com Jesus e com o seu projeto. Morremos para a vida velha do pecado e ressuscitamos para a vida nova. Depois, fomos fazendo caminho, no meio das consolações de Deus e das vicissitudes da vida. No entanto, com o passar do tempo, a rotina, o cansaço, a monotonia, a habituação, a banalização da existência, foram apagando o “fogo de Deus” que ardia em nós e que nos tinha sido dado no dia do nosso batismo. Acomodamo-nos na vivência de uma fé rotineira, feita de ritos externos, de tradições velhas, de palavras ocas, de uma “doutrina” que passa ao lado das exigências da vida. Instalados, acomodados, arrefecidos, vamos atravessando a vida sem chama, apegados a valores efémeros, navegando à vista de terra, sem nos arriscarmos e sem nos empenharmos verdadeiramente na construção de um mundo segundo Deus. O que podemos fazer para reavivar em nós o “fogo de Deus” que recebemos no dia do nosso compromisso batismal?

Na segunda leitura, um “mestre” cristão da segunda metade do séc. I, dirigindo-se a cristãos assustados, acomodados e desmotivados, convida-os a reavivar a fé e o entusiasmo. A vida cristã é como uma corrida em direção a uma meta onde Cristo está à nossa espera. Quem quiser vencer, tem de se empenhar seriamente na corrida, de olhos postos em Cristo, sem se deixar distrair e atrasar pelos acidentes do caminho.

ESCUTA DA PALAVRA.

Como é estranho este Jesus, cuja missão consiste em fazer a paz e em reconciliar os homens com Deus e entre eles, este Jesus que dirá aos seus apóstolos “deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz” e que, aparecendo aos seus discípulos na tarde de Páscoa, dir-lhes-á: “Paz para todos”. E eis que hoje Ele declara: “Pensais que Eu vim estabelecer a paz na terra? Não. Eu vos digo que vim trazer a divisão”. Reconheçamos, primeiro, que Jesus não pensava necessariamente segundo a lógica cartesiana. A sua mentalidade semítica ignorava certas “nuances”, não tinha receio daquilo que nós chamamos contradições. Na realidade, tal maneira de falar obriga-nos a ultrapassar as aparentes contradições, a encontrar o “ponto nodal” do nosso pensamento. Segundo os homens, a paz pode ser um equilíbrio do medo, ou uma ordem que o mais forte impõe ao mais fraco (“pax romana”, imposta pelas armas romanas), ou ainda a paz dos cemitérios. Ela pode ser também a obra da justiça e esta paz já é bem mais difícil de realizar. Quando fala de paz, Jesus precisa que não é a paz como a compreendemos muitas vezes. A sua paz, não a dá como o mundo a dá. Ultrapassa os critérios humanos. A sua paz é, a realidade, o fruto do amor, mas de um amor desconcertante pelas suas exigências: “amai os vossos inimigos”. O amor que Jesus nos veio revelar e dar é o amor do Pai. Na medida em que aceitamos ir até aí, podemos entrever a paz segundo Jesus. Dito de outro modo, diante de Jesus, é preciso escolher: ou acolher o seu amor que faz saltar todas as nossas estreitezas, ou fecharmo-nos em nós mesmos pelo egoísmo ou pela indiferença. Na realidade, Jesus vem pôr a nu o nosso coração. Escolher por ou contra Jesus: inevitavelmente, surgirão conflitos. O fogo que Jesus traz à terra é o fogo do amor que desmascara as nossas recusas e, ao mesmo tempo, as purifica.

https://www.dehonianos.org/

sexta-feira, 15 de agosto de 2025

𝐀𝐑𝐑𝐎𝐍𝐂𝐇𝐄𝐒 𝐂𝐄𝐋𝐄𝐁𝐑𝐎𝐔 𝐍𝐎𝐒𝐒𝐀 𝐒𝐄𝐍𝐇𝐎𝐑𝐀 𝐃𝐀 𝐀𝐒𝐒𝐔𝐍𝐂̧𝐀̃𝐎 𝐂𝐎𝐌 𝐅𝐄́, 𝐓𝐑𝐀𝐃𝐈𝐂̧𝐀̃𝐎 𝐄 𝐅𝐀𝐃𝐎

𝐏𝐫𝐨𝐜𝐢𝐬𝐬𝐚̃𝐨, 𝐛𝐞̂𝐧𝐜̧𝐚̃𝐨 𝐝𝐞 𝐚𝐧𝐢𝐦𝐚𝐢𝐬 𝐞 𝐝𝐞𝐬𝐟𝐢𝐥𝐞 𝐞𝐭𝐧𝐨𝐠𝐫𝐚́𝐟𝐢𝐜𝐨 𝐦𝐚𝐫𝐜𝐚𝐫𝐚𝐦 𝐨 𝐟𝐞𝐫𝐢𝐚𝐝𝐨 𝐝𝐞 𝟏𝟓 𝐝𝐞 𝐚𝐠𝐨𝐬𝐭𝐨, 𝐜𝐮𝐥𝐦𝐢𝐧𝐚𝐧𝐝𝐨 𝐧𝐮𝐦 𝐞𝐬𝐩𝐞𝐭𝐚́𝐜𝐮𝐥𝐨 𝐝𝐞 𝐟𝐚𝐝𝐨 𝐧𝐚 𝐞𝐬𝐜𝐚𝐝𝐚𝐫𝐢𝐚 𝐝𝐚 𝐈𝐠𝐫𝐞𝐣𝐚 𝐌𝐚𝐭𝐫𝐢𝐳.


A Paróquia de Arronches celebrou esta sexta-feira, dia 15 de Agosto, as Festas em Honra da sua Padroeira "Nossa Senhora da Assunção", com cerimónias religiosas e a tradicional noite de fados na Praça da República em Arronches.

Os festejos  iniciaram-se logo pela manhã com Missa solene na Igreja Matriz, seguida de Procissão, acompanhada pela banda de música Euterpe de Portalegre, pelas principais artérias do centro histórico da vila.

As festividades em Honra da Padroeira continuaram com Desfile Etnográfico, culminando à noite, num espectáculo de Fado na Escadaria da Igreja Matriz.

Organização da Paróquia de Arronches com o apoio da Junta de Freguesia de Assunção, Câmara Municipal, Romeiros de Esperança, Grupo das Pedrinhas e GNR.

NOSSA SENHORA



Tenho ao cimo da escada, de maneira
Que logo, entrando, os olhos me dão nela,
Uma Nossa Senhora de madeira
Arrancada a um Calvário de capela.
Põe as mãos com fervor e angústia. O manto
Cobre-lhe a testa, os ombros, cai composto;
E uma expressão de febre e espanto
Quase lhe afeia o fino rosto.
Mãe das Dores, seus olhos enevoados
Olham, chorosos, fixos, muito além...
E eu, ao passar, detenho os passos apressados,
Peço-lhe: - “A sua bênção, Mãe!”
Sim, fazemo-nos boa companhia,
E não me assusta a sua dor: quase me apraz.
O Filho dessa Mãe nunca mais morre. Aleluia!
Só isto bastaria a me dar paz.
- “Por que choras, Mulher?” - docemente a repreendo.
Mas à minh'alma, então, chega de longe a sua voz
Que eu bem entendo:
- “Não é por Ele...”
- “Eu sei! Teus filhos somos nós”.

José Régio

(D. Antonino Dias )  15-08-2025

Solenidade da Assunção da Virgem Santa Maria

 



Bendita és tu, Maria! Hoje, Jesus ressuscitado acolhe a sua mãe na glória do céu... Hoje, Jesus vivo, glorificado à direita do Pai, põe sobre a cabeça da sua mãe a coroa de doze estrelas...

Primeira leitura: Maria, imagem da Igreja. Como Maria, a Igreja gera na dor um mudo novo. E como Maria, participa na vitória de Cristo sobre o Mal.
Salmo: Bendita és tu, Virgem Maria! A esposa do rei é Maria. Ela tem os favores de Deus e está associada para sempre à glória do seu Filho.

Segunda leitura: Maria, nova Eva. Novo Adão, Jesus faz da Virgem Maria uma nova Eva, sinal de esperança para todos os homens.

Evangelho: Maria, Mãe dos crentes. Cheia do Espírito Santo, Maria, a primeira, encontra as palavras da fé e da esperança: doravante todas as gerações a chamarão bem-aventurada!


O cântico de Maria descreve o programa que Deus tinha começado a realizar desde o começo, que ele prosseguiu em Maria e que cumpre agora na Igreja, para todos os tempos.
Pela Visitação que teve lugar na Judeia, Maria levava Jesus pelos caminhos da terra. Pela Dormição e pela Assunção, é Jesus que leva a sua mãe pelos caminhos celestes, para o templo eterno, para uma Visitação definitiva. Nesta festa, com Maria, proclamamos a obra grandiosa de Deus, que chama a humanidade a se juntar a ele pelo caminho da ressurreição.
Em Maria, Ele já realizou a sua obra na totalidade; com ela, nós proclamamos: "dispersou os soberbos, exaltou os humildes". Os humildes são aqueles que crêem no cumprimento das palavras de Deus e se põem a caminho, aqueles que acolhem até ao mais íntimo do seu ser a Vida nova, Cristo, para o levar ao nosso mundo. Deus debruça-se sobre eles e cumpre neles maravilhas.

Rezar por Maria.
Frequentemente, ouvimos a expressão: "rezar à Virgem Maria"... Esta maneira de falar não é absolutamente exacta, porque a oração cristã dirige-se a Deus, ao Pai, ao Filho e ao Espírito: só Deus atende a oração. Os nossos irmãos protestantes que, contrariamente ao que se pretende, por vezes têm a mesma fé que os católicos e os ortodoxos na Virgem Maria Mãe de Deus, recordam-nos que Maria é e se diz ela própria a Serva do Senhor.
Rezar por Maria é pedir que ela reze por nós: "Rogai por nós pecadores agora e na hora da nossa morte!" A sua intervenção maternal em Caná resume bem a sua intercessão em nosso favor. Ela é nossa "advogada" e diz-nos: "Fazei tudo o que Ele vos disser!"

Rezar com Maria.
Ela está ao nosso lado para nos levar na oração, como uma mãe sustenta a palavra balbuciante do seu filho. Na glória de Deus, na qual nós a honramos hoje, ela prossegue a missão que Jesus lhe confiou sobre a Cruz: "Eis o teu Filho!" Rezar com Maria, mais que nos ajoelharmos diante dela, é ajoelhar-se ao seu lado para nos juntarmos à sua oração. Ela acompanha-nos e guia-nos na nossa caminhada junto de Deus.

Rezar como Maria.
Aprendemos junto de Maria os caminhos da oração. Na escola daquela que "guardava e meditava no seu coração" os acontecimentos do nascimento e da infância de Jesus, nós meditamos o Evangelho e, à luz do Espírito Santo, avançamos nos caminhos da verdade. A nossa oração torna-se acção de graças no eco ao Magnificat. Pomos os nossos passos nos passos de Maria para dizer com ela na confiança: "que tudo seja feito segundo a tua Palavra, Senhor!"

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quinta-feira, 14 de agosto de 2025

A ansiedade é uma desesperança




A ansiedade nasce do medo de que o futuro nos traga más surpresas. É uma espécie de desespero. Opõe-se à esperança e à confiança.

É certo que o mundo é incerto, pelo que o otimismo em demasia pode revelar-se como pouco sábio.

Quem é o protagonista da minha vida? Eu ou as minhas circunstâncias? Até que ponto sou responsável por aquilo que hei de viver? Dependo apenas do que acontece à minha volta? E se tudo depender de um equilíbrio entre mim e o mundo e eu desistir antes de fazer a minha parte?

Se me limito a esperar o que me dá o mundo e os outros… como se eu fosse um réu a quem só resta aguardar pela sua sentença, então desisto de definir o meu destino.

A ansiedade é, muitas vezes, uma doença, uma condição em que a vontade se volta contra si mesma. Importa conhecê-la, identificar os pontos fracos dos seus mecanismos e, com ajuda, combatê-los, sem esperar resultados imediatos, mas também sem desistir da luta.

Tudo o que nos sucede espera, de alguma forma, por uma resposta nossa. Não sou responsável pelo que me acontece, mas serei sempre chamado a decidir o que hei de fazer com isso.

Se não tenho confiança em mim, entrego-me, sem luta, às mãos das circunstâncias, que pouco costumam importar-se com quem afetam. Nesse ponto, a ansiedade ganha terreno, porque se não vou lutar, é ainda mais provável que a perca as batalhas.

Importa acreditarmos em nós mesmos e na nossa capacidade de fazer face às adversidades da existência. Tal como um pescador que se julga — e se torna — capaz de enfrentar ventos e marés, é dessa força, mais do que da sorte com as redes, que dependerá o sucesso da sua pesca.


José Luís Nunes Martins


quarta-feira, 13 de agosto de 2025

A beleza das cicatrizes



Morrer é muito mais fácil do que viver. A vida é um peso que só raras vezes alivia. Aprendemos a arte de viver aceitando e enfrentando as adversidades.

Viver também é chorar e sofrer. Quem, com medo disso, foge em busca de paz, nunca a encontra. O caminho faz-se de baixo para cima.

As frustrações, as dores e até mesmo a morte são adversários fortíssimos. Importa muito encontrar a forma de, desses males — por piores que sejam — tirar o maior bem.

Morrer é entregar-se; viver também o é. Adormecemos cada noite com a confiança de que no dia seguinte despertaremos ainda neste mundo. É preciso fé — e isso devia ser motivo de alegria e agradecimento. No entanto, são muitos os que pedem muito e poucos os que agradecem o que pediram e lhes foi dado!

Custa-nos dar do muito que temos e, muitas vezes, preferimos entristecer-nos com o pouco que nos falta — e esse pouco nem é para dar, mas apenas para nós… que nos julgamos necessitados.

Procuremos ser bênçãos na vida dos outros. Custe o que custar. O amor vale sempre muito mais do que as dores que implica.

Procuremos encontrar uma resposta clara para nós mesmos sobre o que estamos aqui a fazer. Quem não sabe para que vive, nem vive nem morre… adia-se e cansa-se. Arrasta-se numa vida não vivida

Existir e honrar o dom da vida com que fomos (e somos!) abençoados é não perder tempo, não desperdiçar momentos bons, aproveitar o que é possível, mesmo que seja pouco.

Há razões para estar em baixo? Sim, sempre. Mas ressuscitar é algo que está ao alcance de qualquer pessoa viva… desde que encontre em si e nos que o rodeiam as forças e os caminhos para isso.

Estejamos atentos àqueles que, com as nossas forças, podemos amar. Viver não é o que fazemos todos os dias; é aquilo que, na verdade, só conseguimos fazer em alguns dias. Que hoje seja um desses dias. Um bom dia.



José Luís Nunes Martins

terça-feira, 12 de agosto de 2025

És socialmente útil?



Fomos formatados para trabalhar, cumprir horários e mostrar que somos economicamente sustentáveis e socialmente úteis. Muito bem! O problema surge quando isso é de tal ordem incutido que não sabes viver momentos de tranquilidade sem te sentires culpada. Se um dia tens a oportunidade de tirar uma tarde e simplesmente não fazeres nada parece estranho e acabas por te ocupar com coisas só para mostrar que o tempo é precioso e não pode ser desperdiçado.

Não estou a fazer nenhuma ode à preguiça, mas também não a faço à escravidão do trabalho, ou melhor da ocupação. Sim porque não é só o trabalho que nos ocupa. A ideia que tenho é que parece que temos de mostrar ao mundo que estamos sempre a fazer coisas e ocupados.

Não rara vezes quando falo com alguém essa me pessoa me conta as inúmeras tarefas que fez e ainda vai ter de fazer para justificar a sua pouca disponibilidade.

E está tudo bem, mas se calhar para essa pessoa não está.

Mas fica bonito sentirmo-nos super úteis sociavelmente e com a agenda super ocupada. Sei que às vezes não há alternativa, mas isso entranha-se de tal forma que se deixa de saborear o “dolce fare niente”.

Não temos tempo para ficar a olhar o vazio, ter uma boa conversa com alguém ou simplesmente passear.

Nem toda a gente pode sair cedo do trabalho ou simplesmente "deixar andar" as tarefas que o mundo nos impõe. Por isso admiro a geração que nos obriga a relaxar, a parar, a apreciar um fim de tarde sem ser de volta da roupa ou das panelas. Admiro os que se sentem na plenitude de que ESTAR não significa FAZER.

Nem sempre somos socialmente úteis, nem sempre somos economicamente produtivos mas devemos permitir-nos a equilibrar o nosso tempo de modo a que nos faça ver o mundo com mais alegria e menos condenação.

Não estou a dar medalhas à preguiça nem ao individualismo, mas a alertar para aqueles que olham para nós e nos avaliam pelo que fazemos e produzimos. Isso não me parece justo nem equilibrado.

Por isso, pára um pouco e hoje se puderes sai da caixa e atreve-te a seres o que quiseres sentir nem que isso seja: não fazer nada!

E tu amiga, o que não te apetece fazer?


Raquel Rodrigues

segunda-feira, 11 de agosto de 2025

É tão bom falar dos outros




Sabe tão bem, e sentimo-nos tão superiores e importantes! Achamo-nos sabedores de tudo, donos da verdade e capazes de arranjar solução para tudo para os outros...só que não! Ouço muita gente a comentar a vida dos outros, e apesar de cheios de boas intenções, tecem julgamentos sobre o que fazemos ou não fazemos.

Num caso muito claro e concreto dou por mim a refletir nos anos em que estive desempregada. Eu, como muitos, fartamo-nos de estudar, esforçamo-nos por ser boas pessoas e procuramos um emprego onde nos pudéssemos sentir bem e digno das nossas humildes competências. Sabem, apesar de ter inúmeros amigos, de pouco me valeu, pois quando nos toca a nós parece que não há nada.

Sentimos palmadinhas nas costas e olhos de piedade mas por trás muitos julgamentos: “tens de começar por baixo”; “tens de te agarrar a qualquer coisa”, “está a ser muito esquisita”, “esse trabalho é muito complicado”; "emigra"…..

Sabem porque escrevo isto? Porque continuo a sentir isto por parte de muita gente em relação aos desempregados que só revela uma coisa: falta de empatia. Quando são os “nossos” queremos o melhor para eles, porque os conhecemos e acreditamos que merecem ser felizes num emprego digno mas, às vezes, para os outros, qualquer coisa serve. E se não encontras um emprego, não és só tu que começas a duvidar, são os outros que fazem questão de nos fazer duvidar das nossas competências.

Quem está desempregado sabe bem o que digo.

Sabe bem a quantidade de currículos que manda sem respostas.

Sabe bem a quantidade de “cunhas” que viu serem aplicadas, e a quantidade de amigos que não se atravessaram. Ao contrário do que alguns pensam eu não acho que todos os que estão desempregados “não querem trabalhar”. Querem, e querem muito, mas não querem ser escravos nem reféns de gente que explora como se estivesse a oferecer uma coisa maravilhosa em troca de uma esmola. Se estiverem atentos vão perceber que nem sempre as ofertas que existem são verdadeiras, e não, as pessoas geralmente não são chamadas para tudo que concorrem e rapidamente entram numa espiral depressiva: eu já lá estive!

O resultado é que temos vergonha de assumir que estamos desempregados, ou até de pedir um jeitinho, porque o outro vai sorrir pela frente mas por trás, vai tecer comentários injustos que quer queiram quer não, acabamos sempre por saber.

Se estás desempregada, não desanimes nem te contentes com menos do que o que achas que te faz feliz.

Se conheces alguém que está desempregado, abre os olhos, ouvidos e a boca, não para falar mal mas para procurar algo para essa pessoa. Tu podes muito bem ser a Esperança que ao outro falta, mas tem em conta que essa pessoa não precisa de uma favor, mas de um amigo. E se esse recusar alguma oferta, avalia com amor a sua decisão, vais descobrir algo precioso.

Enquanto isso, que sirva de reflexão para todos os que são prontos a julgar e a criticar os “outros”. Sabe bem, não sabe? O problema é quando os outros são os “nossos”.

E tu amiga, quando falas dos outros?


Raquel Rodrigues


Graças de Deus, graças a Deus!





“O Senhor mo deu, o Senhor mo tirou;
bendito seja o nome do Senhor” (Jb 1, 21)!



Senhor, sei que sou muitas vezes ingrata porque na dor e na tristeza nem sempre sou capaz de ver a tua graça e nos momentos de alegria nem sempre me detenho para agradecer. Também sei que me conheces melhor do que eu e, por isso, relevas este meu jeito desajeitado de te amar.

Hoje lembrei-me de Job e desta declaração de amor e de confiança absoluta em ti. Diante da perda da sua família, dos seus bens e coberto de chagas em vez de maldizer a sua ‘sorte’ escolhe bendizer-te. Job reconhece a gratuidade dos teus dons, mesmo no seu momento de maior infortúnio. Vendo Job assim não consigo concordar com o dizer popular: “ter a paciência de Job”. Não vejo na sua atitude uma atitude de paciência, como se estivesse à espera que a tua birra passasse, mas sim como o reconhecimento do teu amor. Mesmo perdendo tudo, não deixa de confiar na tua infinita sabedoria, misericórdia e bondade e quanto mais penso nisso mais sentido faz.

Quantas vezes dizemos que as verdadeiras amizades se veem quando passamos por provações? Quantos ‘amigos’ nos viram as costas quando mais precisamos deles? Quantas vezes aprendemos mais nesses momentos, nas quedas ao longo do caminho pedregoso, quando parece que ninguém nos estende a mão para nos ajudar a levantar do que quando caminhamos pelas planícies do percurso nas quais não há pedras onde possamos tropeçar?

Pessoalmente, aprendi e cresci mais nos momentos em navegava no Cabo das Tormentas do que quando dobrava o Cabo da Boa Esperança. Navegar as intempéries da vida não é fácil. Muitas vezes pensei que ia ser engolida pelo mar revolto e muitas outras tive vontade de me deixar afogar. Até começar a conhecer-te melhor, nessas alturas senti-me sozinha, abandonada e estive certa que ninguém me viria resgatar. Não conseguia perceber porque estava a ser castigada sem o merecer. Nesses momentos quantas vezes te viramos as costas e deixamos de dar crédito às tuas palavras?

Nas primeiras traduções do Pai Nosso para o português, rezava-se “(…) perdoai as nossas dívidas (…)”. Estas dívidas são precisamente estes momentos em que não damos crédito ao que dizes. Dívidas, dividir. Temos bem a noção de que quem divide é o anjo caído que não te deu crédito e a quem damos tantos nomes: Satanás, Diabo, Lúcifer, Belzebub, etc.? O mesmo que, quando te fizeste Homem, no deserto tentou dividir-te, separar-te do amor incondicional que te une ao Pai e da tua fidelidade à sua vontade.

Reconhecer as nossas dívidas é reconhecer as nossas fragilidades. Os momentos em que não sabemos amar o outro e, principalmente, os que deixamos de dar crédito a ti. Nestes momentos de enganadora autossuficiência distorcemos a tua imagem, recusamos a nossa semelhança a ti, desumanizando-nos. Momentos em que, ao contrário de Job, não conseguimos bendizer-te.

Duas frases do Papa Leão XIV interpelaram-me e despoletaram a confissão desta semana: “Recebemos a vida gratuitamente, sem a escolher! Na origem de nós mesmos não houve uma decisão nossa, mas um amor que nos quis”.

Peço-te, pois, Senhor, a graça de reconhecer em todos os momentos a gratuidade da vida que me deste e do amor que já me tinhas mesmo antes da minha existência; a graça de saber ver a tua mão nas mãos dos que amparam as minhas quedas ou dos que me ajudam a levantar e a graça de dar sempre crédito à tua Palavra, mesmo quando é difícil.

Bendito, sejas, Senhor, pela vida que entregaste e pela Vida que és em mim!


Raquel Dias




domingo, 10 de agosto de 2025

Festas em Honra de Nossa Senhora de Assunção

 




O Projecto de Deus



Domingo 19 Ciclo C ( Portugês ) - YouTube

Necessitamos continuamente de redescobrir o nosso lugar e o nosso papel no projeto que Deus tem para nós e para o mundo. A Palavra de Deus que a liturgia deste domingo nos propõe lembra-nos isso mesmo. Diz-nos que viver de braços cruzados, numa existência de comodismo e resignação, é malbaratar a vida. Deus precisa de nós, Deus conta connosco; quer-nos despertos, atentos, comprometidos com a construção de um mundo mais justo, mais humano e mais feliz.

Na primeira leitura um “sábio” de Israel recorda a noite em que Deus libertou os hebreus da escravidão do Egito. Para os egípcios, foi uma noite de desolação e de morte; para os hebreus, foi uma noite de libertação e de glória. Os hebreus perceberam nessa noite, que caminhar com Deus e seguir as indicações que Ele deixa é fonte permanente de vida e de liberdade. É nessa direção que o “sábio” nos convida a construir a nossa vida.
A reflexão que a sabedoria de Israel nos propõe nesta leitura coloca-nos, talvez de uma forma algo arcaica, diante de uma questão bem atual: num mundo que gira a uma velocidade estonteante e onde a cada instante surgem novas modas, novas teorias, novos valores, novas propostas de realização e de felicidade, que papel tem e que lugar ocupa Deus nas nossas vidas? O homem do séc. XXI sente alguma relutância em incluir a transcendência no seu cenário de vida. Vive indiferente a Deus e olha para as propostas de Deus como algo que não cabe numa compreensão moderna da existência. Substitui Deus por “deuses” efémeros, define como meta da sua vida objetivos fúteis e contenta-se com ilusões de felicidade. Corre atrás de bens materiais que lhe asseguram bem-estar material e que lhe dão uma sensação de segurança, mas sente a cada momento uma sede de vida e de realização que não consegue saciar. Como construir uma vida que valha a pena? O “sábio” que escutamos na primeira leitura deste décimo nono domingo comum, garante-nos que só Deus pode encher de significado a nossa existência e oferecer-nos a salvação que ansiosamente procuramos. Que sentido faz isto para nós? Deus tem um lugar primordial na nossa vida? Vemos as propostas de Deus como indicações imprescindíveis para chegarmos à vida eterna?

No Evangelho Jesus lembra aos discípulos que foram escolhidos para levar o projeto do Reino de Deus ao encontro do mundo. Devem, portanto, viver para o serviço do Reino. Nesse sentido, têm de estar sempre atentos e vigilantes, cumprindo a cada instante as tarefas que Deus lhes pede, servindo o Reino com humildade e simplicidade.
As palavras de Jesus que o Evangelho deste domingo nos trouxe contêm uma interpelação especial a todos aqueles que desempenham funções de responsabilidade, quer na Igreja, quer no governo central do país, quer nas autarquias, quer nas empresas, quer nas repartições… Convida cada um a assumir as suas responsabilidades e a desempenhar, com atenção e empenho as funções que lhe foram confiadas. A todos aqueles a quem foi confiado o serviço da autoridade, a Palavra de Deus pergunta sobre o modo como se comportam: como servos que, com humildade e simplicidade cumprem as tarefas que lhes foram confiadas, ou como ditadores que manipulam os outros e que tratam com prepotência os pequenos e os humildes? Sempre que nos são confiadas tarefas de responsabilidade e de coordenação, entendemos a missão que nos foi confiada como serviço e acolhemos as pessoas com delicadeza, com doçura, com compaixão?

Na segunda leitura um “catequista” cristão anónimo propõe-nos Abraão e Sara como modelos de fé. Eles confiaram incondicionalmente em Deus e não hesitaram em caminhar ao encontro dos bens prometidos. Essa “aposta” trouxe-lhes frutos: ultrapassando as limitações e a caducidade da vida presente, puderam alcançar os bens eternos.
Quando decidimos que Deus é fiável, passamos a caminhar de olhos postos em realidades que ultrapassam a nossa debilidade, a nossa finitude, e até mesmo a nossa compreensão. O nosso olhar dirige-se para os bens futuros, para a vida eterna, para o encontro com Deus. Compreendemos, sem dramas nem angústias, que o tempo que vivemos na terra é um tempo de passagem a caminho da nossa pátria definitiva. Isso dá-nos uma outra perspetiva das coisas. Ajuda-nos a relativizar os bens materiais, a repensar as nossas apostas, a rever os nossos valores, a refazer o nosso olhar sobre as coisas, a ter uma outra perspetiva dos nossos êxitos e dos nossos fracassos, talvez até a aproveitar de uma forma diferente a nossa existência terrena. Temos consciência de que a vida verdadeira, a vida eterna, não é aqui? Que consequências é que isso tem na forma como vivemos? A consciência de que caminhamos ao encontro da pátria celeste é para nós motivo de angústia e medo, ou de alegria e paz?



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sábado, 9 de agosto de 2025

AS CRIANÇAS NÃO SÃO CIGARRO DE AFIRMAÇÃO





Há quem fume para se afirmar, buscando atenção, identidade, influência social, integração.... Diz quem sabe que são sobretudo os adolescentes quem mais deita mão dessa arma. Mas pode tornar-se mortífera, sobretudo se quem a usa se deixa deslizar para o vício, ignorando os seus malefícios para a saúde do corpo e da carteira, bem como, em muitos casos, para o desequilíbrio dos parcos orçamentos familiares. No entanto, a meu ver, vão surgindo outras formas de afirmação mais difíceis de interpretar. São pouco estudadas nas suas causas, acho eu, muito menos nos seus efeitos, mesmo que possíveis pela ciência e permitidas pelas leis. As leis dizem-nos se um ato é legal ou ilegal. O que é legal, porém, nem sempre é lícito ou moral, até pode ser eticamente reprovável. Por outro lado, a experiência da vida, o peso da idade, os cabelos brancos e a ferrugem das dobradiças a afastar cada vez mais os pés para os enfiar nas meias e calçar os sapatos, fazem olhar para certas novidades com pouco entusiasmo. Muito mais quando se foi educado e passou a vida a viver e a ensinar a viver noutros padrões, com respeito absoluto pela dignidade humana, sobretudo dos mais frágeis. Seja como for, há que dar atenção a tais ‘modernices’, com paciência, com ternura e esperança, com dignidade, mesmo que com alguma dor. Não se pode perder o tino nem as estribeiras, mesmo que alguns espinoteiem com gana de partir a loiça!
Ora, antes que anoiteça, acompanhe-me, por favor, por esta cangosta adiante. Duas mulheres juntaram-se civilmente. Uma delas recorreu ao Banco de Esperma para ter uma criança. O óvulo que ela forneceu foi fecundado em laboratório com o sémen de um doador, não sei se identificado se incógnito. Depois, o embrião foi transferido para o útero da sua companheira, sendo esta a que engravidou e deu à luz. Se a primeira é a mãe genética, esta, a segunda, ao receber os óvulos da outra, torna-se em mãe substituta ou de aluguer. Em Portugal, é permitido que a criança fique com duas mães biológicas quando ambas participam da geração da criança. A criança foi pois registada no civil com duas mães, passando a ser considerada filha biológica de ambas, embora só tenha o adn da mãe que forneceu os óvulos e do doador do sémen. É vontade das duas mulheres que a criança faça caminho integrada na Igreja, querendo agora batizá-la. Noutra diocese, lá na paróquia onde possivelmente residem, a criança não foi batizada. Como tem ascendentes algures por outras bandas, querem agora batizá-la lá, uma forma de agir bastante comum, muitas vezes na tentativa de furar esquemas. Não pondo em questão a criança, pois não tem culpa de tal situação, o responsável pastoral, sabendo que a criança não fora batizada na sua terra, perguntou como agir, inclusive como fazer o respetivo registo paroquial no caso de haver Batismo. São, pois, duas questões: se a criança deve ser batizada apesar de não o ter sido lá onde vive, e se, no Assento do Batismo, devem constar as duas mães.
Ora, quanto ao Batismo da criança, a Igreja sempre deixou a questão em aberto, deixando-a à responsabilidade dos agentes da pastoral. Apenas lhes diz o que sempre lhes disse, inclusive quando se tratava ou trata de filhos de pessoas não casadas: “para que a criança seja batizada, deve haver uma esperança fundada de que será educada na religião católica”. Talvez fosse a falta desta ‘esperança fundada’ que levou os agentes da pastoral da terra onde vivem a adiar o Batismo da criança. Se quem prepara e batiza precisa desta ‘esperança fundada’, não lhe bastará que alguém o diga, é preciso que o testemunhe. Coisa, aliás, nem sempre fácil de avaliar e discernir. Infelizmente, muitos pais e padrinhos mentem à Igreja. Querem ser exceção, ao ponto de até já ter acontecido de alguém apresentar, para padrinhos, pessoas que nem batizadas são. E não só ficam de consciência tranquila, como, por vezes, manifestam orgulho por terem ludibriado os agentes da pastoral e as normas que deveriam cumprir. Não é, porém, aos agentes de pastoral que eles mentem. Eles mentem à Igreja, o que é bem mais sério.
Sobre como fazer o Assento do Batismo, nunca houve uma resposta clara. Anda muito pó no ar à espera de assentar para se vassourar o que deve ser varrido. Num ou noutro país, porém, e segundo a opinião de alguns peritos nessas áreas, como estes casos vão sendo mais frequentes e são precisas orientações, a Igreja, em fidelidade à sua doutrina, tem assumido que, no Assento do Batismo, nunca se deve escrever o nome de dois pais ou de duas mães do mesmo sexo. É certo que não são estas questões as que verdadeiramente interessam à pastoral, é verdade, mas são reais e criam tensão. Sabendo eu que uma resposta precipitada ou mal dada, logo se espalharia e poderia fazer doutrina, entendi que deveria partilhar com alguém a questão e perguntar-lhe o que é que ele entenderia, pois até poderia ter havido algum pronunciamento superior e eu dele não me ter apercebido. Soube depois que essa pessoa a quem perguntei, mui capaz e com elevadas responsabilidades e competência, mas também com as suas dúvidas, fez chegar a questão ao nível mais alto, aguardando-se ainda a resposta. Tudo isto leva a crer que a questão não é assim tão fácil e linear. Costuma dizer-se que a prudência e os caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém. E como o leitor sabe, na Igreja, nestes casos e noutros semelhantes, se há princípios também há sensibilidades e sensibilidades. Enquanto uns, querendo ser mais papistas que o Papa, passam orgulhosamente para além da taprobana, insinuando que foi o Papa quem disse aquilo que eles gostariam que o Papa tivesse dito, mas, de facto, não o disse, outros há que, pelo facto de o Papa ter dito o que disse e disso não gostarem, preferem rasgar as vestes, vestir-se de saco e sentar-se na cinza, rezingando, não pelo calor das brasas que lhe aquecem as calças, mas pela frieza de coração e grave hiponatremia! Como veem, há perguntas cuja resposta é difícil, e, seja ela qual for, nunca agradará a todos. Só o Vasquinho da Anatomia é que, finalmente, com garbo e grande aplauso, conseguiu agradar às babosas tias sempre ludibriadas, aos colegas e fadistas da vida airada, ao embasbacado júri do exame de medicina e ao auditório presente na sala onde ele cacarejou sabedoria médica aos molhos, terminando a responder que o principal músculo flexor do pescoço era “o esternocleidomastóideo…”.
Embora todos desejemos que estas crianças cheguem ao nível mais alto no campo da cultura e do bem estar pessoal e social, há muitas perguntas que, embora se possam colocar perante qualquer criança que nasça, aqui, nestes casos, são muito mais pertinentes e abundantes. Os direitos inalienáveis das crianças não podem ser esquecidos por quem, porventura, delas se queira servir para se afirmar, pessoal, ideológica ou politicamente. E embora sejam contas doutro rosário, acho até que nem a legislação laboral portuguesa contempla os direitos e deveres relacionados com esta complexa parentalidade a três. Neste tempo de tantas perceções fulgurosas, esta é a minha perceção, aliás, aliada também ao direito da minha liberdade de expressão! ihihihih...



D. Antonino Dias - Bispo Diocesano
Portalegre-Castelo Branco, 08-08-2025.

sexta-feira, 8 de agosto de 2025

Os rostos anónimos de Deus



“… porque todos deitaram do que lhes sobrava, mas ela, da sua penúria, deitou tudo possuía, todo o seu sustento”
(Mc 12, 44).



Começa para muitos o tempo do descanso e sabe tão bem poder libertarmo-nos dos caminhos da rotina, da escravidão do despertador e da prisão do tempo sempre com hora marcada. Envergonho-me de o dizer, mas são mais que muitas as vezes que não guardo tempo para subir ao monte para orar em solidão (cf. Mt 14, 23), para falar-te em silêncio. Tantas outras começo, já deitada com o peso dos cansaços do dia, mas adormeço antes de te conseguir ouvir. Por isso, cada vez gosto mais destas nossas conversas semanais, durante as quais partilho contigo o que tenho trazido no coração.

Confrontada com imagens devastadoras dos incêndios desta última semana e, sobretudo, com rostos que retratam a exaustão que não carece de uma só palavra, o meu coração bate com arritmias de impotência. Tantos bombeiros, voluntários ou não, que não descansam neste mês em que o nosso país parece estar ‘fechado até setembro’, para que outros possam descansar, para que outros não percam os frutos do trabalho de uma vida e para impedir que alguém perca o dom mais precioso que nos deste: a vida. Lutam contra fogos descontrolados, tantas vezes ateados por ganância ou maldade, e com recursos ridiculamente limitados porque parece haver sempre meios para o supérfluo, mas nunca o suficiente para o necessário. Nesta rotina anual dantesca, só mesmo as populações locais se preocupam em alimentar e dar abrigo a estes homens e mulheres que dão tudo, como a viúva que com duas moedas deu todo o seu sustento (cf. Mc 12, 42-44).

Sei que há muitos outros heróis anónimos que por estes dias também têm dado tudo, pondo-se em situações de perigo para ajudar os mais fragilizados, como os idosos, enfermos, crianças e até animais, tentando poupá-los das consequências do egoísmo e da desumanidade do Homem. Simplesmente, a farda vermelha surge na época estival como símbolo deste esforço incansável. Nela estão estampados os rostos das pedras vivas que diariamente ajudam a construir a tua Igreja, mesmo que não o saibam.

Nunca deixa de me surpreender esta capacidade de tornar o pior no melhor de nós nestes momentos de maior angústia e dor. É entusiasmante ver que onde abunda o pecado, superabunda a graça (cf. Rom 5, 20) porque esta capacidade não vem de nós, mas de ti. É o teu Espírito que se move em nós e nos comove, que nos agita e impele, que nos enche de ti.

Nos momentos mais espinhosos da vida, nessa comunhão vemos a concretização da tua presença, da tua fidelidade e do teu amor no nosso ‘agora’. Perante tão grande e maravilhoso milagre, renova-se a esperança do nosso ‘amanhã’. Desconhecidos que aprendem a ver-se com compaixão; heróis que abrem caminhos de fé e caridade. Todos estes homens e mulheres bem-aventurados, com fome de coragem e de forças para continuar e com sede de justiça e de paz estão exaustos, Senhor. Oferece-lhes a leveza do teu jugo para que possam, enfim, descansar em ti.



Raquel Dias

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

«Mudam-se os tempos, mantém-se as vontades»



O mundo contemporâneo tem tão pouco de diferente de mundos de outros tempos, pelo menos na minha humilde compreensão!

O básico indispensável continua a sê-lo, embora mais requintado, mas nem por isso o foco se volta para a verdadeira essência do ser humano.

Olho para muitos problemas que afetam os nossos dias, como inacreditáveis de tão sem sentido, ridículos até?!

Que insanidade é esta de lutar por terra e mais terra para se ser dono e senhor? Mas de quê? - de léguas de sofrimento atroz que ceifam vidas a troco de nada?

Que loucura é esta que permite a terrível saga da FOME, quando há no mundo que chegue e que sobre para erradicar esta atrocidade?

Que dizer da ditadura do dinheiro que tudo pode e do poder que tudo domina, da violencia ? - como se fossemos imortais?!

E nós tantas vezes impavidos e serenos a normalizar o horror apresentado todos os dias aos nossos olhos? Temos um minuto de compaixão para 1 hora de scrol!

A diferença pode começar em nós, de forma simples e aparentemente inócua, mas há-de ressoar de alguma forma.

Força, luz e esperança para todos nós!

 Lucília Miranda