terça-feira, 18 de outubro de 2016

A solidão crónica, uma fome de amor



A solidão crónica, uma fome de amor

José Luís Nunes Martins (14-10-2016)

Nunca como hoje houve tantas formas de comunicar. No entanto, a solidão profunda atinge cada vez mais gente.

A solidão pode aumentar a concentração, melhorar a empatia, estimular a criatividade, reparar forças e até promover a consciência do valor próprio, mas apenas enquanto estado voluntário e passageiro. Quando se experimenta de forma profunda, deixa de haver vantagens… apenas sacrifícios.

Quando há um desencontro entre a quantidade e a qualidade das relações que se têm e aquelas que se desejam, é tempo de solidão.

O frio da solidão é um sinal de alerta para que se procure o que falta. O isolamento, no começo, faz com que se tentem criar relações, apesar disso, com o tempo, todo esse esforço pode acabar numa maior reclusão, pois, nesses momentos, parece ser uma alternativa melhor à dor, à rejeição, à traição e à vergonha.

Quando a solidão se torna profunda, as pessoas tendem a desistir. Podem ter família, amigos e seguidores nas redes sociais, mas, na verdade, não se sentem em sintonia com ninguém.

Há dois tipos de solidão. A que resulta da falta de alguém concreto para desempenhar um papel específico na nossa vida; e aquela que decorre da falta de uma rede mais alargada de amigos e conhecidos que reconheçam o nosso valor. Ambas causam danos profundos.

Na infância, há brincadeiras que tentam preencher o vazio através da imaginação. Na velhice, a solidão faz com que as pessoas se percam nos seus passados. Os adultos fazem um pouco de tudo isso. Umas vezes sonham, outras fazem de conta, outras ainda pairam sobre os dias que passaram. E é assim que se enganam a si mesmos e se fecham ainda mais…

Se alguém está triste e irritado, talvez seja a sua forma de pedir que alguém o ajude. Não será fácil, tão pouco imediato, pois chega-se a esse estado depois de muitas ilusões e desilusões. Mais do que esperança é preciso levar-lhe amor em forma de paciência.

A solidão é um problema dos cuidadores. Daqueles que, dedicando a maior parte da sua vida a cuidar de outros, vivem relações com um único sentido… tantas vezes sem qualquer retorno concreto, o que implica um cansaço emocional tremendo. Depois, há também poucos que os queiram escutar, compreender o sofrimento de que se revestem os inúmeros detalhes que fazem parte do seu trabalho…

Sermos sós faz parte de nós. A nossa vida é algo que só pode ser experimentado de forma pessoal. Por mais que tentemos comunicar o que se passa à nossa volta e dentro de nós… fica sempre muito por dizer.

Por vezes a partilha de um tempo em silêncio, a simples presença ali, sem pressas, é muito mais forte do que qualquer discurso. Quando não há uma presença assim… há um nada do tamanho de tudo.


[ilustração de Carlos Ribeiro]

publicado originalmente em http://www.imissio.net/

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