sábado, 18 de fevereiro de 2017

COMO DIZ O OUTRO!...




Este citadíssimo senhor, “o outro”, deve ser um ás, um sábio ou um artola qualquer. É um cavalheiro que diz de tudo, sabe de tudo, investe em tudo, despista a ignorância de uns, a safadeza de outros, a preguiça de muitos, as trapalhadas de qualquer e fica sempre na boa, sem nome nem rosto. Como diz o outro!... O outro é que disse ou fez. O outro é que teria dito ou feito. E vamos nós lá saber quem é que é esse outro, se foi ele quem disse ou fez, se teria dito ou feito. É o outro! E pronto, ponto. No caso presente, porém, e porque as minhas andanças por obrigações acima nem sequer me têm deixado livre a hora de sesta para eu matutar, indagar e escrevinhar, vai ser mesmo o outro quem vai dizer. Trata-se mesmo do outro. Ninguém sabe quem foi esse personagem, atento, sabido e aplicado. Foi alguém que, lá pelo século II, escreveu uma belíssima carta ao Senhor Diogneto, um ilustre pagão com certeza, culto, curioso, admirado com a vida dos cristãos e intrigado com o facto de o cristianismo se espalhar, a todo o gás e em força, por terras, culturas e raças adentro. A carta já tem barbas, mas é sempre nova e sempre antiga, nunca velha, sempre atual. Conta 1900 anos, mais coisa menos coisa. Procura satisfazer a curiosidade do Senhor Diogneto e está pronta para esclarecer os possíveis diognetos de hoje. Cheia de sabedoria evangélica, dá conta da primitiva experiência cristã e do diálogo que a Igreja já procurava manter com a cultura do tempo. É um belo texto literário. Para não testar a já treinada paciência do leitor, transcrevo cerca de metade, podendo cada um encontrar toda a carta, com algumas explicações introdutórias, na net:


“Excelentíssimo Diogneto,
Vejo que te interessas em aprender a religião dos cristãos e que, muito sábia e cuidadosamente, te informaste sobre eles: Qual é esse Deus no qual confiam e como o veneram, para que todos eles desdenhem o mundo, desprezem a morte, e não considerem os deuses que os gregos reconhecem, nem observem a crença dos judeus; que tipo de amor é esse que eles têm uns para com os outros; e, finalmente, por que é que essa nova estirpe ou género de vida apareceu agora e não antes. Aprovo esse teu desejo e peço a Deus que nos concede o dizer e ouvir, que me seja dado falar de tal modo que tu, ouvindo, te tornes melhor e de tal modo ouças que não contristes quem te fala. Os cristãos não se distinguem dos demais homens, nem pela pátria, nem pela língua, nem pelos costumes. Efetivamente, eles não têm cidades próprias, não usam uma linguagem peculiar, e a sua vida nada tem de excêntrico. A sua doutrina não procede da imaginação fantasiosa de espíritos exaltados, nem se apoiam, como outros, em qualquer teoria simplesmente humana. Vivem em cidades gregas ou bárbaras, segundo as circunstâncias de cada um e seguem os costumes da terra, quer no modo de vestir, quer nos alimentos que tomam, quer em outros usos; mas a sua maneira de viver é sempre admirável e passa aos olhos de todos por um prodígio. Cada um habita a sua pátria, mas vivem todos como de passagem; em tudo participam como os outros cidadãos, mas tudo suportam como se não tivessem pátria. Toda a terra estrangeira é sua pátria, e toda a pátria lhes é estrangeira. Casam-se como toda a gente e geram filhos, mas não se desfazem dos recém-gerados. Participam da mesma mesa, mas não do mesmo leito. São de carne, mas não vivem segundo a carne. Habitam na terra, mas a sua cidade é o Céu. Obedecem às leis estabelecidas, mas pelo seu modo de vida superam as leis. Amam toda a gente e toda a gente os persegue. Condenam-nos sem os conhecerem; conduzem-nos à morte, mas o número de cristãos cresce continuamente. São pobres e enriquecem os outros; tudo lhes falta e tudo lhes sobra. São desprezados, mas no desprezo encontram a sua glória; são caluniados, mas transparece o testemunho da sua justiça. Amaldiçoam-nos e eles abençoam. Sofrem afrontas e pagam com honras. Praticam o bem e são castigados como malfeitores; e, ao serem executados, alegram-se como se lhes dessem a vida. Os judeus combatem-nos como estrangeiros, e os gregos movem-lhes perseguições; mas nenhum dos que os odeiam sabe dizer a causa do seu ódio. Numa palavra: os cristãos são no mundo o que a alma é no corpo. A alma encontra-se em todos os membros do corpo; os cristãos estão em todas as cidades do mundo. A alma habita no corpo, mas não provém do corpo; os cristãos habitam no mundo mas não são do mundo. A alma invisível é guardada num corpo visível; os cristãos vivem visivelmente no mundo, mas a sua piedade permanece invisível…”

D. Antonino Dias Bispo de Portalegre Castelo Branco
17-02-2017

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