sexta-feira, 16 de junho de 2017

CONVERSA NECESSÁRIA … TALVEZ INCÓMODA!

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Tendo amado os Seus, o Senhor amou-os até ao fim. E sabendo que era chegada a hora de partir deste mundo para o Pai, no decorrer duma refeição, lavou-lhes os pés e deu-lhes o mandamento do amor. Ao mesmo tempo, instituiu a Eucaristia como memorial da Sua morte e da Sua ressurreição, e ordenou aos seus Apóstolos que a celebrassem até que Ele voltasse (cf. CIgC 1337). Desde o princípio, a Igreja jamais deixou de ser fiel a esta ordem do Senhor. E sempre o fez no primeiro dia da semana, o dia em que Jesus ressuscitou dos mortos, apareceu a muitos e cumpriu a promessa de enviar o Espírito Santo. Assim, como escreve São Lucas, os primeiros cristãos eram assíduos ao ensinamento dos Apóstolos, à união fraterna, à fração do pão e às orações em comum, como se tivessem uma só alma (cf. At 2, 42-46). Também, desde os primeiros tempos da Igreja, temos imensos testemunhos a dar-nos conta da centralidade da Eucaristia no pensamento e na vida das primeiras comunidades e de cada cristão.
A Eucaristia manifesta, na comunidade, o compromisso com a encarnação e a morte de Jesus. Como afirma Bento XVI, “do dom de amor de Cristo provém a nossa especial responsabilidade de cristãos na construção de uma sociedade solidária, justa e fraterna. Especialmente no nosso tempo, em que a globalização nos torna cada vez mais dependentes uns dos outros, o Cristianismo pode e deve fazer com que esta unidade não se edifique sem Deus, ou seja, sem o verdadeiro Amor, o que daria espaço à confusão, ao individualismo e à prepotência de todos contra todos. O Evangelho visa desde sempre a unidade da família humana, uma unidade não imposta do alto, nem por interesses ideológicos ou económicos, mas sim a partir do sentido da responsabilidade recíproca, porque nos reconhecemos membros de um único corpo, do Corpo de Cristo, porque aprendemos e continuamos a aprender constantemente do Sacramento do Altar, que a partilha, o amor é o caminho da verdadeira justiça (Bento XVI, C. de Deus, 2011).
Temos falado muitas vezes da riqueza inesgotável da Eucaristia como fonte e centro de toda a vida cristã. Hoje, porém, ainda a saborearmos a Solenidade do Corpo de Deus, vou falar noutra direção, talvez sendo incómodo para quem optou, não por viver como acredita mas por acreditar como vive, o que, entendemos, não deve ser a melhor opção. São João Paulo II, ensinou que “a Eucaristia, qual mesa do Pão do Senhor, é um contínuo convite, como resulta do sinal litúrgico do celebrante no momento do “Eis o Cordeiro de Deus! Felizes os convidados para a Ceia do Senhor”. No entanto, alerta a todos para “aquele bem que é a sensibilidade de consciência cristã, dirigida unicamente pelo respeito a Cristo que, ao ser recebido na Eucaristia, deve encontrar no coração de cada um de nós uma morada digna. Este problema está intimamente ligado, não só com a prática do Sacramento da Penitência, mas também com um reto sentido de responsabilidade perante o depósito de toda a doutrina moral e perante a distinção precisa entre bem e mal, a qual se torna em seguida, para cada um dos participantes na Eucaristia, base do correto juízo de si mesmo no íntimo da própria consciência” (Dominicae Cenae,11). São Paulo, por sua vez, exorta a um exame de consciência, como preparação para alguém se aproximar da Comunhão Eucarística ou dela se abster: “Portanto, todo aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor indignamente será culpado de pecar contra o Corpo e o Sangue do Senhor. Examine-se, pois, cada um a si mesmo e então coma do pão e beba do cálice. Pois quem come e bebe sem discernir o Corpo do Senhor come e bebe a sua própria condenação” (1Cor 11, 27-29).
Sabemos que Deus é infinitamente misericordioso, sim, mas não podemos esconder-nos por detrás da misericórdia de Deus para nos dispensarmos de acolher e cumprir a Sua Palavra e o que a Igreja nos ensina. Com certa apreensão, porém, vamos percebendo que, sobretudo quando se vive a fé de uma forma muito irregular ou por conta própria, se resvala facilmente para entender o simples desejo de comungar sacramentalmente como forte motivo para realmente o fazer, reivindicando-o como se de um direito se tratasse, quer para expressar a pertença à comunidade, quer por razões de afirmação pessoal, quer por outras razões muito próprias e subjetivas.
Toda a ordem sacramental é obra da misericórdia divina, mas o princípio da misericórdia, se mal-entendido, pode levar-nos a querer manipular a autêntica misericórdia, a banalizar a própria imagem de Deus e a querer justificar a nossa própria indiferença para com Deus e os outros. De facto, como escreve o Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, temos de ter em conta que, “para além da misericórdia, também a santidade e a justiça pertencem ao mistério de Deus. Se ocultarmos estes atributos divinos e banalizarmos a realidade do pecado, não faz qualquer sentido mediar a misericórdia de Deus às pessoas” (cf. G-LM, A esperança da família, pgs 28-30). Por isso, nunca é demais fazer o apelo à boa catequese sobre a Eucaristia, à responsabilidade individual, familiar e comunitária, à verdadeira formação da consciência, à frequência do Sacramento da Penitência ou Confissão, à fidelidade aos princípios da doutrina cristã e ao discernimento das situações tal como no-lo propõe o Papa Francisco.

Antonino Dias - Bispo de Portalegre Castelo Branco
16-06-2017

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