sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Os Fogos de Artificio



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Alguns, não sei se muitos se poucos, tiveram férias. É de crer que outros, por necessidade financeira e sem qualquer outra hipótese, tenham permanecido, forçados, no trabalho. Outros haverá que, movidos pela neurose de enriquecer, preferiram renunciar ou vender as férias, não lhes sobrando tempo para a festa, o encontro, o repouso, a gratuidade... Haverá outros que gostariam de ter férias tal como as imaginam ou delas ouvem falar, mas isso não lhes passa duma miragem. Outros haverá que, gabando-se de terem tido férias (e que férias!...), não as gozaram, foram por elas gozados. Toda a gente imagina as férias como um mar de rosas, mesmo quando de mão dada com o cão, o gato, a chuva, o calor aquecido pelos incêndios, a carteira a sofrer de anorexia, o banco a reclamar o empréstimo, a polícia a intervir na velocidade, as filas a testarem a paciência de qualquer um, os noctívagos que não deixam dormir, as festas artificializadas ou institucionalizadas que perderam a sua graça e valor, as correrias em roda-viva, mal dormidas e comidas, para estar em todos os festivais de música, a exaustão física e psíquica... Enfim, toda uma “tralha” que embora simpática, entope, parece que engasga, que cansa mais, que não liberta. No entanto, dificilmente se entende que alguém chegue de férias ao trabalho mais cansado e deprimido do que quando partiu do trabalho para férias. Mais se aborrecerá esta maleita quando aqueles que não foram de férias notam, nos que foram, ao chegarem, que trazem cara de vinagre, manifestam silêncio incómodo, adormecem à secretária, deixam transparecer nervosismo atarefado e ordenam em voz lacónica e rabugenta.
Antes não tivessem tido férias, levarão a pensar!
João Batista Libânio, no seu livro sobre “A Ética do Quotidiano”, também escreve sobre essa coisa a que chamamos “Férias”. Começa por dizer que o termo férias tem diferentes origens etimológicas. O francês (vacances) e o italiano (vacanze) inspiram-se no termo latino “vacatio”, reflete ambiente de vazio, de desocupação. O alemão, sempre mais disciplinado que um tropa indisciplinado, entende as férias (urlaub, do verbo erlauben, permitir) como um tempo de permissão, sem permissividade, claro. O inglês, talvez piedosamente mais finório, entende-as como se fossem dias santos prolongados (holiday). Nós, os portugueses, sempre com coragem para ir além da Taprobana, encontramos o termo férias em dois contextos bem diferentes. Um, inspirado em “feriae” que, no plural do latim clássico, evocava os dias de descanso, de festejo, de interrupção do trabalho. Outro, inspirado na liturgia católica, em que féria se opõe a Domingo, a dia Santo, a dia de festa, é o tempo comum. Juntando toda esta ciência em jeito de artimanha, parece que o português estará sempre de férias: ao Domingo, nos dias Santos e à semana, descansando depois da medonha tarefa de nada fazer. Sabemos bem que não é assim, e se eu ainda pudesse falar disto, e assim, à minha avó paterna, logo ela me retorquiria bem-disposta: “vai-te, estás a mangar comigo!...”
Como refere o autor citado, as férias situam-se “no universo semântico e real do descanso, do desfrutar o “ócio”, do escapar ao stress, do interromper o quotidiano pesado e laboral (…) aproxima-se mais da contemplação, do silêncio, do repouso, do que da agitação, do ativismo, do barulho. Fala-nos à dimensão espiritual, pedindo que o corpo se disponha para ela através da calma e do sossego (…) vão além da simples necessidade psicobiológica; inscrevem-se na estrutura criadora do ser humano”.
Sem dúvida que o tempo de descanso é necessário. O próprio Jesus sentiu necessidade de convidar os seus discípulos ao descanso, pois eram tantos os que iam e vinham que nem sequer os deixavam comer (Mc 6, 31). E noutra ocasião também desafiou: «Vinde a mim, todos vós que estais cansados sob o peso do vosso fardo e eu vos darei descanso» (Mt 11, 28). O Senhor dirige este convite a todos, a “todos” quantos estão sobrecarregados com o peso da vida. Como afirmava o Papa Francisco em 9 de julho passado, a primeira palavra de Jesus é um convite, um convite a mover-se e a reagir: «Vinde». O “vinde” implica sair, sair de si mesmo. Mas “sair de si mesmo não é suficiente, é necessário saber para onde ir. Porque muitas metas são ilusórias: prometem alívio e distraem só um pouco, garantem paz e proporcionam divertimento, deixando depois na solidão anterior, são “fogos-de-artifício”.

D.Antonino Dias . Bispo de Portalegre Castelo Branco
01-09-2017

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