sexta-feira, 12 de outubro de 2018

JOVENS CONCORRENTES OU POTENCIAIS ALIADOS?!...

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Está a decorrer, em Roma, durante este mês de outubro, o Sínodo dedicado aos jovens, sob o tema “Os jovens, a fé e o discernimento vocacional”. O Documento de trabalho da Assembleia contém um balanço da situação juvenil atual nos quatro cantos do mundo. Oferece algumas chaves de leitura sobre as questões apresentadas ao debate e discernimento sinodal. Recolhe elementos que ajudarão a Assembleia a colocar nas mãos do Santo Padre o que pensam e discerniram, para que o Santo Padre, se assim o entender, possa dar, em documento conclusivo e oficial, algumas orientações para o futuro. A terminar, o Documento fala e propõe a santidade como «o rosto mais bonito da Igreja».
Mas o que é a igreja? Como sabemos, Deus não é propriedade de nenhum povo, é certo. Mas quis adquirir para Si um povo constituído pela fé em Cristo e pelo batismo. Não por ser melhor que os outros, mas para um nível maior de comunhão com Ele e ser enviado em seu nome como fermento, sal e luz. Um povo que tem por cabeça o próprio Cristo. Tem como condição a dignidade e a liberdade dos filhos de Deus. A sua lei é o mandamento do amor, amar como Cristo amou, dando a vida. A sua missão é ser sal da terra e luz do mundo, constituindo para todos o mais forte gérmen de unidade, esperança e salvação. O seu destino é o Reino de Deus já presente na terra mas que há de ser consumado no fim dos tempos (cf. CIgC782). Este povo é a Igreja, o “projeto visível do amor de Deus para com a humanidade”. É simultaneamente humana e divina, visível e invisível, ativa e contemplativa. Presente na terra, ela peregrina por entre a beleza da criação, os tropeços e a poeira dos caminhos do mundo. No entanto, ela sabe que tudo o que nela é humano deve ordenar-se e subordinar-se ao divino, o visível ao invisível, a ação à contemplação, o presente à cidade futura para onde nos dirigimos, peregrinando (cf. SC2).
No entanto, estamos conscientes que o mundanismo, os tropeços e a poeira dos caminhos podem asfixiar-nos. Podem roubar-nos o ar puro do Espírito renovador. Podem levar-nos a uma mera aparência religiosa, vazia de Deus (EG97) e cheia de sérias consequências. Podem fazer com que deixemos de cumprir a nossa missão, a missão de Cristo, Ele enviou-nos em Seu nome. Mais sensíveis a este entorpecimento e mais livres para a denúncia, os jovens sacodem-nos, fazem-nos avaliar, despertar, aumentar a esperança e mudar de rotas. Eles trazem consigo as novas tendências da humanidade, abrem-nos ao futuro, não permitem que fiquemos encalhados na nostalgia de estruturas e costumes que já não são testemunho nem fonte de vida no mundo atual (cf. EG108).
É certo que o acompanhamento juvenil sempre foi, com mais ou menos êxito, com mais ou menos exigência e qualidade, uma parte fundamental da vocação e missão da Igreja ao longo dos tempos. Mas também é verdade que sempre foram os jovens, com a sua alegria e entusiasmo, “com a sua presença e palavra”, quem mais ajudou a rejuvenescer e a manter jovem o próprio rosto da Igreja. Ciente desta verdade, Francisco, citando a Mensagem aos Jovens do Concílio Vaticano II, afirmou que o Sínodo que está a decorrer em Roma é, nesta mudança de época, um convite a procurar novos caminhos e a percorrê-los com audácia e confiança, mantendo o olhar fixo em Jesus e abrindo-se ao Espírito Santo, para rejuvenescer o próprio rosto da Igreja.
Sendo pouco menos de um quarto da humanidade, há, hoje, no mundo, 1,8 mil milhões de pessoas entre as idades de 16 e 29 anos, em situações existenciais muito desiguais, com oportunidades muitíssimo diferentes, mas com potencialidades pessoais inimagináveis cuja concretização é, para muitos, uma miragem. O Papa recorda-nos que “a realidade é mais importante que a ideia” e que os jovens “têm uma pertença: pertença a uma família, a uma pátria, a uma cultura, a uma fé”. Sim, “há uma globalização poliédrica, há uma unidade, mas cada pessoa, cada raça, cada país, cada cultura conserva sempre a sua própria identidade: é a unidade na diversidade”.
No Documento de trabalho sinodal, entre muitos outros e interessantes dados, consta a informação, vinda de várias partes do mundo, que entre jovens e adultos não há um verdadeiro conflito geracional. No entanto, adianta que eles, jovens e adultos, se olham com “estranheza mútua”. Isto é: em várias partes do mundo, constata-se que “os adultos não estão interessados em transmitir os valores fundadores da existência para as gerações mais jovens, pois as sentem mais como concorrentes do que como potenciais aliados”. Ora, o envolvimento sinodal dos jovens foi percebido como um importante sinal de diálogo intergeracional. Os jovens manifestaram a sua alegria por terem sido convidados a participar neste grande e raro acontecimento eclesial: “Ficamos entusiasmados por termos sido levados a sério pela hierarquia da Igreja e sentimos que este diálogo entre a Igreja jovem e aquela madura é um processo vital e frutuoso”. Também, noutros lugares do planeta e em diversos movimentos de escala mundial, os jovens sentem a alegria de experimentar uma Igreja próxima. Mesmo jovens que não vivem o Evangelho sentem esta proximidade e ligação com a Igreja. Outros, porém, lê-se no documento, “afirmaram estar em busca do sentido da vida, seguir ideais, buscar uma espiritualidade e a própria fé pessoal, mas raramente se dirigem à Igreja”. De facto, é importante uma renovada configuração eclesial. Os jovens sentem-se “atraídos pela alegria”, desejam encontrar formadores que sejam “modelos atrativos, coerentes e autênticos”. Desejam uma igreja “menos institucional e mais relacional”, capaz de “acolher sem antes julgar”. Uma Igreja “amiga e próxima”, “mais autêntica”, “mais comprometida com a justiça”, mais “família onde todos se sentem bem-vindos, ouvidos, cuidados e integrados”. Uma Igreja “acolhedora e misericordiosa, que tenha apreço pelas suas raízes e seus valores, amando a todos, até mesmo aqueles que não seguem o que é considerado padrão”.
Estamos todos neste enorme barco a baloiçar sobre as ondas do mar da vida. Jovens e adultos, livres de preconceitos, estamos desafiados a dar as mãos e a ajustar as velas ao vento. Assim, chegaremos todos a bom porto, na certeza de que quem faz caminhar o barco, não são as velas, mas o vento que não se vê, o Espírito Santo. Não duvides, não tenhas medo, não te afogarás, Ele está no barco do mar da vida!...
“O barco encontrava-se ... açoitado pelas ondas, pois o vento era contrário. De madrugada, Jesus foi ter com eles, caminhando sobre o mar ... Pedro, descendo do barco, caminhou sobre as águas para ir ter com Jesus. Mas, sentindo a violência do vento, teve medo e, começando a ir ao fundo, gritou: «Salva-me, Senhor!» Imediatamente Jesus estendeu-lhe a mão, segurou-o e disse-lhe: «Homem de pouca fé, porque duvidaste?» (Mt 14, 22-33).

D. Antonino Dias - bispo de Portalegre Castelo Branco
12-10-2018

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