quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Não se pode ter tudo



Não se pode ganhar sem, antes, ter perdido alguma coisa.

Não se pode receber sem, antes, ter dado.

Não se pode arriscar e querer ter o conforto do que antes era hábito e rotina.

Não é possível mergulhar e continuar com os pés em chão seguro.

Não é possível investir e, ao mesmo tempo, continuar com as mesmas poupanças.

Não é possível desdizer uma palavra amarga ou em forma de espada. Pedir desculpa não é o mesmo que não fazer.

Não se pode ter tudo.

Escolher leva-nos sempre à inevitabilidade de lidar com as consequências da nossa decisão.

Quando eu quero ter tudo, acabo por me perder dentro de mim. Acabo por não saber bem para onde vou porque, na verdade, não quero ir a lugar algum.

Quando queremos ter tudo, perdemos muito. Perdemos o que não vemos por estarmos cegos com as nossas vontades. Perdemos o que não damos a quem está connosco naquele momento. Perdemos a oportunidade de tornar o dia de hoje num dia melhor.

Queremos tudo. Amar sem perder. Sentir a chuva sem ficar encharcado. Sentir o sol na pele sem ficar com uma queimadura. Caminhar sem ficar com bolhas nos pés. Ser perdoado sem nunca conseguir perdoar. Correr sem ficar cansado. Descansar sem ficar entediado. Dormir sem perder pitada do que acontece quando não estamos a ver.

Ficamos cansados de querer tudo. Queremos por querer. Sem pensar no que os nossos desejos significam ou representam. Queremos sem ponderar o que seria (ou não) melhor para nós. Sem refletir sobre as tempestades que podemos criar à nossa volta. Sem medir o tamanho do impacto que vamos deixar à nossa volta enquanto erguemos a bandeira do egoísmo e do umbigo.

Não. Nós não queremos tudo. Não é nada disso.


Marta Arrais

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