sábado, 22 de julho de 2017

LUGARES QUE EM SILÊNCIO NOS FALAM

Resultado de imagem para antonino dias

Por lá andámos, vimos e escutámos, por entre a algazarra das cigarras e a boa disposição do grupo sempre renovada e alimentada. Sei que enganei os leitores, mas macacos me mordam se, neste momento, não me sinto também intrigado com o caso. Apoiado num texto da Agência de Viagens, escrevi, no passado escrito, que a Grécia tinha duas mil ilhas e só cento e setenta é que eram habitadas. Pois parece que é mentira. Não vou, porém, massacra-los em dizer-lhes quantas, na verdade, são, pois também não sei, nem tampouco sei se os gregos sabem ou já tiveram tempo de as contar, não será fácil, ver-se-ão gregos. No desejo de ouvir os guias turísticos de cada local, ficamos esclarecidos sobre tal assunto. O número dado era de tal ordem que só era tão válido e certo enquanto não vinha o seguinte e dizia o contrário. Tudo dependia da generosidade bairrista ou da mais ou menos convicção de quem falava. O número oscilava entre as duas mil e as mais de quatro mil. O número das habitadas era dado com a mesma certeza, oscilando entre as cento e setenta e as trezentas. Mas tudo se ia desculpando, logo percebendo que, quase sempre, a conversa lhes fugia, não para a verdade - (e o que é a verdade?) - mas para os mitos e as tradições. Se tivermos em conta que até, durante a gigantomaquia - na guerra entre os deuses do Olímpio e os gigantes -, Poseidão, deus do mar, ao perseguir um feroz gigante lhe arremessou um pedaço da ilha de Kos que o matou e esse pedaço de terra é hoje a ilha vulcânica de Nísiros, que mais haveríamos nós de esperar!...
Atenas, Corinto, Éfeso, Patmos, Lindos, Rodes, Creta, Santorini... são lugares que, no silêncio da sua beleza, na recordação de pessoas que influenciaram os destinos do mundo, no olhar os seus recantos e história, nos falam sem nos dizerem nada, ou nos dizem muito sem nos falarem. Fazem-nos parar e "ler", refletir e admirar tempos e culturas, interesses e desinteresses, piratas e menos piratas, tempos áureos de potências e civilizações e o triste declínio das mesmas, a barbárie de quem surge julgando-se superior e destrói, as impiedosas fustigadas dos terramotos e erupções vulcânicas. São verdadeiros testemunhos da grandeza e da pequenez humana, daquilo que o engenho dos povos é capaz de sonhar e construir para logo a humana cobiça açambarcar ou arrasar como inútil e prejudicial. O que é certo é que, mesmo aqueles que se julgam grandes, donos e senhores, quer queiram ou não queiram, vão passando, deixam o rasto da sua presença, boa ou má, e, assim, vão amontoando a sua quota parte de colaboração na construção da História da Humanidade que sempre tem as suas ironias e solavancos, os seus avanços e retrocessos.
Dentre todos os lugares visitados, vou referir-me apenas a um. Como sabemos, a Sagrada Escritura fala poucas vezes de Maria. Uma das passagens que se lhe refere, é quando, no alto do Calvário, Jesus a entrega aos cuidados de São João Evangelista, o Seu discípulo muito amado: "Filho, eis aí a tua mãe". A partir daquele momento, João jamais abandonou a mãe de Jesus. Após a Ascensão de Cristo ao céu e da vinda do Espírito Santo, começam a formar-se as primeiras comunidades cristãs. Os cristãos da primeira hora, discípulos de Jesus e testemunhas da Ressurreição, não podem deixar de cumprir, com alegria e entusiasmo, o que ouviram e viram, a Boa Nova por excelência. E sentiam-se também no dever de cumprir o mandato de Cristo, de ir, viver, ensinar e batizar em Seu nome, com a promessa de que Ele, Jesus, estaria com eles até ao fim dos tempos. Não lhes foi fácil a tarefa como, aliás, continua a não ser. Tal como outrora, também hoje ninguém quer sair do seu sofá, poucos estão dispostos a servir e a amar tal como Jesus o fez. E mesmo aqueles que se decidem a fazê-lo, quantos fracassos, quantas infidelidades!
Os primeiros cristãos não foram pessoas acomodadas, o que a muitos lhes custou serem tremendamente perseguidos, presos, torturados e mortos. O seu comportamento e a mensagem que anunciavam incomodavam muita gente. Com o aumento da violência e da repressão, alguns deles abandonaram esses lugares. São João, neste ambiente de insegurança, provavelmente pelo ano 42, passou-se para Éfeso, uma das cidades mais importantes da época. Basta olhar para as megalómanas ossadas da cidade que por lá encontramos, para imaginar a grandeza da cidade. E diz-nos a tradição que ele trouxe Maria, a Mãe de Jesus, consigo, para esta cidade, hoje território da Turquia. Aqui construiu uma casa para Maria, no monte Bulbul, a cerca de 8 km da cidade antiga, onde ela teria tido uma vida simples e calma. Este lugar, devido às lutas e vicissitudes da História, esteve largo tempo esquecido, mas foi recuperado e é hoje um lugar de referência para quem vem a Éfeso. E foi recuperado graças a uma freira alemã, com deficiência física, Catherine Emmerich, que viveu de 1774 a 1824. Sem nunca ter visitado esta região, ela viu, em sonho, e descreveu a chegada de São João e de Maria a Éfeso, fala da localização da casa da Virgem Maria, perto de Éfeso, em cima de uma colina, e dá vários pormenores sobre a casa. O Diretor da Faculdade de Izmir, Eugène Poulin, em 1891, enviou um grupo de peritos para investigar o grau de veracidade da discrição feita por esta Senhora. Após longas pesquisas, encontraram o lugar sagrado chamado "Panaya Kapulu" sobre o qual fizeram pesquisas e estudos com exigência e resultados científicos. O interesse sobre o lugar intensificou-se, outros estudiosos puseram-se de acordo sobre a veracidade destes factos e o Arcebispo de Izmir autorizou o culto nestes lugares. O Papa João XXIII confirmou este lugar como lugar de peregrinação, Paulo VI, João Paulo II e Bento XVI visitaram-no. E foi nesta cidade de Éfeso, que também se construiu a primeira igreja dedicada à Virgem Maria e nela se realizou o III Concílio Ecuménico da Igreja.
São João Evangelista, durante a perseguição de Domiciano contra os judeus e os cristãos, aí pelos anos 81 a 96 depois de Cristo, foi, com o seu discípulo Prócoro, deportado para a bela ilha de Patmos, onde, segundo a tradição, escreveu o livro do Apocalipse, numa gruta que hoje se visita. À morte de Domiciano, voltou a Éfeso, onde escreveu o Evangelho, vindo a falecer, provavelmente pelo ano 104. No século IV, sobre o seu túmulo, foi construída uma pequena Basílica e no século VI foi-lhe dedicada a atual catedral.
Aqui em Éfeso, outros cristãos e sobretudo São Paulo, também marcaram presença, e de que maneira!...

D. Antonino Dias - Bispo de Portalegre Castelo Branco
Frankfurt, 21-07-2017


Sem comentários:

Enviar um comentário

Este é um espaço moderado, o que poderá atrasar a publicação dos seus comentários. Obrigado