quinta-feira, 6 de julho de 2017

Podias ter sido tu!



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Ainda nos falta aprender a querer calçar os passos dos outros. Ainda nos falta aprender a fazer do nosso lugar o lugar do outro. Não sabemos nem conseguimos afastar-nos o suficiente daquela que é a nossa vida. Somos, muitas vezes, donos de verdades lapidadas pelas nossas razões, pelas nossas vontades e pela marca que queremos deixar no mundo. Somos, também, fiéis ao Mar que achamos que nos corre nas veias e que trazemos ao peito como bandeira. Somos presunçosos e arrogantes a ponto de acreditar que somos nós que levamos o Mar. Não é ele que nos leva a nós. Bastamo-nos com o que temos. Nadamos em círculos tristes e repetidos com a misteriosa e levíssima ilusão de termos ido mais longe do que antes. Mentiras bonitas como as conchas que se deixam embalar, já mortas, pelas ondas que decidem ir e voltar.

Ainda nos falta aprender a dar sentido a uma frase que nos dança na boca demasiadas vezes. Podia ter sido eu. Ou, se preferirmos, podias ter sido tu. Qualquer uma delas, dependendo da voz de quem a lança, pode querer dizer exatamente a mesma coisa. Se eu digo que podia ter sido eu estou a atrever-me a passar para o lado de lá daquilo que é meu. Estou a permitir-me sentir a sombra da experiência que o outro está a viver. Não poderei nunca, ainda que queira, experimentar mais do que o contorno dessa dor que não é minha. Mas o simples facto de a querer imaginar, dentro do coração e debaixo da minha pele, já me aproxima brutalmente do meu irmão. Do meu amigo. Do meu vizinho. Do meu colega. Se, por outro lado, me dizem podias ter sido tu, quase me sinto responsável por sentir o mesmo que o outro. É uma espécie de compaixão induzida e quase obrigatória. Não sei de qual das duas frases precisamos mais. Talvez das duas. Talvez precisemos de ser acordados para a compaixão que, às vezes, devíamos sentir por quem caminha a par connosco. Ou talvez precisemos de aprender a dizer (com mais verdade!) que podíamos ter sido nós. Podia ter sido eu.

Mesmo assim, poderá haver quem diga que esse apelo à sensibilidade para o que se passa com os que estão connosco, de nada vale. Nada muda.

Errado.

Muda tudo. Porquê?! Passamos a olhar para o espelho e, para além da nossa cara, veremos também a do nosso irmão. Do nosso amigo. E isso…muda tudo.
Marta Arrais 05 julho 2017 em iMissio

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