sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

ENTÃO, E EU?... TODA A GENTE ME ESQUECEU?...

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Há gestos nossos, simples e fáceis, que são saudáveis, fazem bem, revigoram, transmitem valores, geram empatia e proximidade, cimentam amizades. No entanto, mesmo que sejam gestos atentos e delicados, nem sempre nos parecem capazes de nos dizermos suficientemente. Deixam-nos a magicar sobre se teria sido bem e bom aquilo que fizemos, se não poderia ter sido melhor, se fomos agradáveis sem artificialismos nem fingimentos. Estas deferências nós as temos para com os humanos, bípedes iguais a nós, embora alguns possam pensar que têm mais senhoria do que outros: a luta por linhagens e presunções tem muitas caras e feitios. Mas se procuramos caprichar no relacionamento de uns para com os outros, com muita mais razão deveríamos cuidar as nossas atitudes para com Aquele que é o princípio e o fim, o alfa e o ómega, o Filho de Deus, Aquele que deu a vida por nós no alto do Calvário, isto é, por ti e por mim. Será que estaremos a entender bem?! ... deu a vida por ti…, por ti e por mim, por todos, sem exceção, mesmo que o não saibam ou tentem ignorar. Na sua condescendência infinita, despojou-se de si próprio, tornou-se em tudo igual a nós, passou pelo mundo fazendo o bem, morreu na cruz por amor, misericórdia e compaixão!... Apesar da diversidade de caminhos existenciais, de opções e funções na vida, apesar da multidão de crenças mesmo que muito díspares, é por Ele que todos seremos salvos. Só por Ele!
Se há, de facto, quem reconheça e se preocupe com estas atenções para com Jesus, Luz que ilumina o mundo e Sol que aquece o coração humano e dinamiza a vida, haverá também, por estas ocasiões da Celebração do Seu nascimento, quem festeje sem festejar, quem se exteriorize sem interiorizar, quem se mova sem energia e graça interior, quem se envolva nesta alegria – o que já será positivo, por certo! -, mas se envolva de forma indiferente e sem reconhecer o gesto do amor de Deus manifestado em Cristo Jesus que, de forma tão terna, humilde e simples, vem ao nosso encontro. Até nisto o Senhor prova quanto nos ama, quão infinita é a Sua paciência, nunca desistindo de nós apesar das nossas distrações, autorreferências e travessuras.
Reiterando os votos de Santo Natal e de Bom Ano 2018, também faço votos para que todos possam TER, saborear e apreciar bem o bacalhau, o peru, o polvo, as rabanadas, o bolo-rei e todos os costumes em ambiente familiar de paz e harmonia. Também com presentes e alegria, sim, mas sem se esquecerem do Menino, sem O deixarem triste e de beicinho caído pelo facto de, por enorme pobreza nossa no meio de tanta fartura nem sequer agradecida, Ele continuar a constatar que “veio para o que era seu e muitos dos seus não O reconheceram”. E Eu, diz-nos Ele, também sou os pobres, os doentes e os que mais sofrem, física e moralmente.
Oxalá que as crianças e os jovens de todas as famílias cristãs possam sentir o testemunho crente dos adultos, numa breve oração que seja, neste Tempo Santo em que na terra nasceu o nosso Salvador. A par, junto do presépio e diante da velinha acesa, poderá ser feito um minuto de silêncio, inserindo-se, assim, toda a família, na campanha “10 Milhões de Estrelas – Um Gesto pela Paz”, iniciativa promovida pela Cáritas Nacional em favor da Paz no Mundo, a Paz em Família, a Paz entre Homens e Mulheres, à qual também se associa o Corpo Nacional de Escutas com a Luz da Paz de Belém. Se a humanidade precisa tanto de Paz, a Paz começa dentro de nós e no seio de cada família. Não esqueçamos: Ele, esse Menino, é o Príncipe da Paz!
Poder-nos-á servir de estímulo este poema de João Coelho dos Santos, publicado no seu livro de poesias “Lágrima do Mar”, Ed. Florida Gráfica, 1996.

“NATAL DE QUEM?

Mulheres atarefadas
Tratam do bacalhau,
Do perú, das rabanadas.
-- Não esqueças o colorau,
O azeite e o bolo-rei!
- Está bem, eu sei!
- E as garrafas de vinho?
- Já vão a caminho!
- Oh mãe, estou pr'a ver
Que prendas vou ter.
Que prendas terei?
- Não sei, não sei...
Num qualquer lado,
Esquecido, abandonado,
O Deus-Menino
Murmura baixinho:
- Então e Eu,
Toda a gente Me esqueceu?
Senta-se a família
À volta da mesa.
Não há sinal da cruz,
Nem oração ou reza.
Tilintam copos e talheres.
Crianças, homens e mulheres
Em eufórico ambiente.
Lá fora tão frio,
Cá dentro tão quente!
Algures esquecido,
Ouve-se Jesus dorido:
- Então e Eu,
Toda a gente Me esqueceu?
Rasgam-se embrulhos,
Admiram-se as prendas,
Aumentam os barulhos
Com mais oferendas.
Amontoam-se sacos e papeis
Sem regras nem leis.
E Cristo Menino
A fazer beicinho:
- Então e Eu,
Toda a gente Me esqueceu?
O sono está a chegar.
Tantos restos por mesa e chão!
Cada um vai transportar
Bem estar no coração.
A noite vai terminar
E o Menino, quase a chorar:
- Então e Eu,
Toda a gente Me esqueceu?
Foi a festa do Meu Natal
E, do princípio ao fim,
Quem se lembrou de Mim?
Não tive teto nem afeto!
Em tudo, tudo, eu medito
E pergunto no fechar da luz:
- Foi este o Natal de Jesus?!!!”

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D. Antonino Dias- Bispo Portalegre Castelo Branco
22-12-2017

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