sexta-feira, 29 de dezembro de 2017
FAMÍLIAS NA “UNIVERSIDADE” DE NAZARÉ
A liturgia da Igreja faz memória do Mistério Pascal de Cristo. Ao longo do ano, leva-nos também a fazer um percurso pedagógico de vida cristã e a viver acontecimentos e momentos fortes e estimulantes. Desta vez, porém, convida-nos a celebrar a Festa da Sagrada Família de Nazaré. Nela e por ela, tornamos presente as nossas famílias, trazemos à reflexão a beleza do matrimónio cristão e quão importante se torna a qualidade de vida das famílias cristãs, qualidade que a sociedade reclama e a fidelidade a Cristo não dispensa.
Embora nos pareça que, por vezes, neste campo, as Nações Unidas também dão uma no cravo e outra na ferradura, no entanto, elas reconhecem “a importância da família na estrutura do núcleo familiar e o seu relevo na base da educação infantil”. Têm ajudado a “reforçar a mensagem de união, amor, respeito e compreensão necessárias para o bom relacionamento de todos os elementos que compõem a família”. Têm chamado a atenção da população “para a importância da família como núcleo vital da sociedade e para os seus direitos e responsabilidades”. E, entre outras preocupações, não se têm dispensado de “sensibilizar e promover o conhecimento relacionado com as questões sociais, económicas e demográficas que afetam a família”. Também a Carta dos Direitos da Família a tem como núcleo natural e fundamental da sociedade e do Estado, devendo ser reconhecida e protegida. Ela existe antes do Estado e o Estado existe para a defender e promover na sua dignidade e não para a ferir ou destruir. Tudo quanto possa destruir a dignidade da pessoa e da família não vem por bem. Sendo o lugar primário da humanização da pessoa e da sociedade, sendo a primeira sociedade natural, a família constitui-se como protótipo de todo o ordenamento social (CDSocial da Igreja, 221). Aí, o trabalho estável e o salário justo constituem o fundamento sobre o qual se edifica e garante a dignidade da pessoa e da família, se proporciona a festa, a educação, a cultura e o exercício da cidadania na construção do bem comum. Tendo criado o ser humano, homem e mulher, Deus instituiu o matrimónio como sólido fundamento da família e abençoou o casal para que fosse fecundo e se multiplicasse. Por isso, “o homem deixará o seu pai e a sua mãe e se unirá à sua mulher, e os dois serão uma só carne” (Gn 2,24). Se esta união foi prejudicada pelo pecado que sempre fez e faz endurecer o coração das pessoas, sabemos que pela redenção e reconciliação do mundo operada por Jesus, o matrimónio e a família foram reconduzidos à sua forma original, foram restaurados à imagem da Santíssima Trindade, mistério donde provém todo o verdadeiro amor. Como afirma o Papa Francisco, “não apenas o homem em si mesmo é imagem de Deus, não só a mulher em si mesma é imagem de Deus, mas também o homem e a mulher, como casal, são imagem de Deus. A diferença entre homem e mulher não é para a contraposição, nem para a subordinação, mas para a comunhão e a geração, sempre à imagem e semelhança de Deus” (15/4/15). É uma união tão forte que a Sagrada Escritura diz que os dois serão “uma só carne”, uma só existência.
A Igreja acredita e ensina que a família não é uma instituição puramente humana. Sabe que o matrimónio foi elevado por Cristo à dignidade de sacramento e que a família não é “um ideal abstrato”, mas uma “tarefa artesanal”, um “caminho dinâmico de crescimento e realização” (AL37), realidade que tantas famílias, apesar dos caprichos da vida, sabem testemunhar com alegria e esperança. Compreendendo, embora, e acompanhando com atenção e solicitude as falências matrimoniais e o enorme sofrimento que elas causam às partes envolvidas, a Igreja jamais deixou, jamais deixará de anunciar a Boa Nova do matrimónio e da família como comunidade de vida e de amor, propondo-os nos seus elementos essenciais, não como um ideal para poucos, mas como uma realidade que, na graça de Cristo, pode ser vivida por todos os fiéis batizados, como ensina Francisco. Também reconhece facilmente a presença das “sementes do Verbo” no verdadeiro matrimónio natural e nas formas matrimoniais de outras tradições religiosas. Olha com muita atenção outras uniões, uniões entre homem e mulher, uniões que podem ser uma oportunidade para fazer caminho e alcançar um bem maior. São uniões que nada têm a ver com aquelas que, embora respeitemos, são, logo à partida, constituídas por interesses díspares, quase sempre a prazo, relativizadas e privatizadas, reivindicando direitos, rejeitando deveres. Ou aquelas outras, entre pessoas do mesmo sexo, as quais, mesmo não tendo qualquer alcance para o bem comum, têm a proteção do Estado e das leis, leis eivadas pela ditadura da ideologia do género e pela subserviência oportunista ao princípio da tolerância e da não discriminação, como se disso se tratasse. Avanço civilizacional, disseram e dizem eles!... Avanço civilizacional tão clarinho como um mestiço, diria, talvez, Camilo Castelo Branco.
Família é família, e ponto!
A Igreja, mesmo que discorde disto ou daquilo, acolhe e procura acompanhar, com atenção e respeito, sem moralismos descabidos, cada uma e todas as pessoas que o desejem, mas não pode aceitar tudo, até pelo dever de caridade que tem para com elas. E embora, ao longo da história, não esteja isenta de erros, a sua experiência de dois mil anos tem-lhe dado a humildade e a capacidade necessárias para acompanhar as mudanças culturais e os solavancos da história, e, na escuta do Espírito que nela atua, fazer o seu discernimento sem grandes sobressaltos e sem fugir às questões, sabendo, no entanto, que não é tudo igual a tudo. Ela defende, anuncia e propõe, como modelo de família, a comunidade de vida e de amor, constituída, livre e vocacionalmente, por um homem e uma mulher, de forma estável e indissolúvel, aberta aos filhos que embora não sejam sua propriedade são o mais excelente dom do seu amor. Assim constituída, a família torna-se fonte de equilíbrio social, de estabilidade e de esperança, para crentes e não crentes, pelo que, para nós, continua a ser importante “atingir e modificar pela força do Evangelho os critérios de julgar, os valores que contam, os centros de interesse, as linhas de pensamento, as fontes inspiradoras e os modelos de vida da humanidade, que se apresentam em contraste com a Palavra de Deus e com o desígnio da salvação” (EN19).
Que a Sagrada Família de Nazaré nos faça entender a todos a beleza e a importância da família na construção dum mundo mais terno e saudável, mais alegre e feliz, em paz.
D. Antonino Dias - Bispo de Portalegre Castelo Branco
29-12-2017
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