sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

É BOA PESSOA, SIM, É … MAS …


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Para viver e conviver com os outros, deu-nos Deus vários poderes e faculdades: inteligência, vontade, coração, capacidade de comunicar... Um dos mais importantes desses dons é, sem dúvida, a palavra, a linguagem. Trágico se torna quando esse grandioso dom se transforma em veneno mortífero. Um dos modos de o fazer é usá-la para maldizer de alguém, quer se faça dizendo a verdade - aquela verdade que não interessa a ninguém -, quer se faça caluniando, quer propalando defeitos, quer diminuindo virtudes. São muitas as pessoas que se dizem incapazes de matar, de roubar, de faltar a este ou àquele dever, esquecendo-se que há muitas formas de matar, de roubar, de molestar. Fala-se de todos, de vivos e de defuntos, dos próprios familiares. E quase todos falam, em toda a parte e em muitas ocasiões: falam os homens e as mulheres, os novos e os idosos, os crentes e os não crentes, os cultos e os menos cultos. A Bíblia está cheia de afirmações para condenar esta pecha humana. Um dos Salmos, por exemplo, diz: “Passas o dia a excogitar no crime; como navalha afiada, assim a tua língua, artífice de enganos. Preferes o mal ao bem, a mentira à verdade, comprazeste em palavras enganosas língua fraudulenta – também Deus te há de abater para sempre (Sl 52 ou 51, 4). São Tiago, também se mostra duro: “… a língua é um pequeno membro, e gloria-se de grandes coisas. Vede como uma faúlha pode incendiar uma grande floresta. A língua é como um fogo, um mundo de maldade … Ela não tem freio e está cheia de veneno mortal …. Com ela bendizemos o Senhor e Pai, e com ela amaldiçoamos os homens, feitos à semelhança de Deus… isto não pode acontecer” (Tig 3, 1-12). São Pedro, por sua vez, afirmava que “o que quer amar a vida e ver dias felizes”, deve refrear “a sua língua do mal e os seus lábios das palavras enganadoras” (1Ped 3,10).
A soberba e a inveja, de braço dado com a covardia, são os pais da maledicência. Enxergam o lixo nos olhos dos outros e ignoram a trave que está nos seus. Contentam-se com o mal e o sofrimento dos outros, “têm olhos míopes para ver o bem e pulmões de bronze para publicar o mal”. Não tendo coragem de alertar ou corrigir fraternalmente, roubam o melhor dos bens que é a honra e a fama. Sobre estas, o Autor do Eclesiástico recomenda: “Tem cuidado com a tua boa reputação porque te acompanhará mais do que milhares de tesouros preciosos. A vida honesta tem somente um número certo de dias, mas o bom nome permanece para sempre”. E acrescenta: “Envergonha-te de repetir o boato que ouviste e de revelar as confidências secretas” (Ecli 41). Ter a boca no coração e não o coração na boca era o que aconselhava Santo Humberto.
Para levar a água ao seu moinho, o maldizente age com técnicas sofisticadas. Sem qualquer necessidade, faz conhecer as faltas alheias e nega as qualidades. Por exemplo: se alguém fala bem de alguém, logo surge o maldizente: ”Tu é que não o conheces…se soubesses o que eu sei…” Mas não sabe nada. Alguém fala bem deste ou daquele e logo salta o maldizente: “Oh! não é bem assim, não é quem se pinta!..., fia-te nisso e verás …”. Outras vezes, não nega, mas diminui as qualidades alheias. Alguém elogia outro e logo ele: ”Cuidado, nem tudo o que luz é oiro … são mais as vozes que as nozes”. Outras vezes, alguém diz bem do próximo e ele cala-se, mas faz gestos: uns certos trejeitos no rosto, um abanar de cabeça, um dar de ombros, um empiscar de olho … Por vezes, até louva para depois censurar: “é boa pessoa, é …. mas ….”. Logo vem o mas… Outras vezes até se serve da sua falsa piedade e espevitado zelo para espetar a farpa: “fulano ofendeu tanto a Deus…que escândalo meu Deus…que escândalo!”. Também se esforça por interpretar mal o bem de terceiros: se alguém dá esmola, é para mostrar que é rico. Se é sério, é um toninho. Se é piedoso, é um hipócrita. Se frequenta a Igreja, é um beato que não tem que fazer. Se ... Se … E é capaz de apoiar o que afirma no “eu cá sou muito franco, digo o que penso”, esquecendo-se que ser franco não é dizer o que se pensa, mas pensar o que se diz. Paralelamente, podemos ver o caluniador e o que é capaz de jurar falso. Aqueles que atribuem faltas que sabem que não existem ou aumentam as faltas reais em gravidade e em número. Aqueles que não têm escrúpulos de depor contra a verdade, contra a justiça, e mentem em tribunal, dizendo o que não é ou não dizendo tudo quanto é, quer para condenar um inocente, quer para absolver um culpado, quer para agravar a pena do condenado, comprometendo assim o exercício da justiça e a retidão da sentença.
Se tivermos um mentiroso, se o ligarmos com o maledicente e o caluniador, teremos, por certo, o predador da honra alheia. Se lhe dermos mais um retoque, se o favorecermos com a cobardia, teremos o que ferra às escuras ou se aprimora a escrevinhar cartas anónimas, a expressão suprema tantas vezes da calúnia e sempre da cobardice.
Assim se provoca entre as pessoas, nas famílias, nos locais de trabalho, nos casais constituídos, nos pares de namorados e na sociedade em geral, sofrimento, ódios, inimizades, desesperos, separações, discórdias, vinganças e até mortes.
Isto exige reparação, mesmo que o autor tenha sido perdoado. Como reparar? Retratando-se diante do próprio e publicamente, tanto quanto possível, diante de todos aqueles perante quem mentiu. Penitenciando-se, convertendo-se à verdade e tomando consciência de que “vale mais a língua do mudo que a dos maldizentes”, como refere o ditado árabe. A reparação moral e a restituição material, se for o caso, obriga em consciência, e deve ser avaliada segundo a medida do prejuízo causado (CIgC2487).

"Engraxadores sem caixa
Há aos centos na cidade
Que só usam da tal graxa
Que envenena a sociedade". (A. Aleixo).

D. Antonino Dias - Bispo de Portalegre Castelo Branco
12-01-2018


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