sexta-feira, 3 de agosto de 2018

IMPOSSÍVEL!.. ESTOU UMA DESGRAÇA!... mas foi!...


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Celebramos o Padroeiro dos Párocos e modelo de todo o ministério sacerdotal: São João Maria Vianney, o Santo Cura d’Ars!... Todos os anos celebramos a sua memória em 4 de agosto, data da sua morte. Ao dirigir-se para a paróquia que lhe fora confiada, não conseguia enxergar bem o caminho, era já o cair da noite de 9 de fevereiro de 1818, uma terça-feira sob manta de nevoeiro. Então, dirigiu-se a um jovenzinho, de seu nome Antoine Givre, que por ali apascentava as ovelhas para ver se ele lhe indicaria o caminho para Ars. Satisfeito com as indicações do miúdo, volta-se para ele e diz-lhe: “Meu amiguinho, mostraste-me o caminho para Ars; vou-te mostrar o caminho para o céu”.
Esta é, na verdade, a meta de toda a vida humana e o objetivo do ministério do Padre: conduzir ao Céu, à vida trinitária, convocar os homens à família de Deus, na Igreja. Saudamos todos os Párocos e rogamos ao Senhor que os fortaleça e anime na comunhão e na ação. Os Padres, dizia o Papa Francisco, são como os aviões. Os aviões andam por esses ares aos milhares, fazendo o bem, levando e trazendo as pessoas e sem ninguém dar por isso. Só se fala deles quando algum cai, isso sim, ressoa no mundo inteiro. Assim os Padres, só se fala deles - e para desancar de forma persecutória e generalizada! -, quando algum deles cai em desgraça. Como afirmava W. Shakespeare, “as falhas dos homens eternizam-se no bronze. As suas virtudes escrevemo-las na água”. Não estamos a crer justificar o pecado, os escândalos, os desleixos e as atitudes menos boas a que todos estamos sujeitos. Estamos tão só a reconhecer o imenso trabalho de serviço à comunidade que eles prestam, inclusive nas paróquias. Um poste de alta-tensão, ou coisa semelhante no meio de um campo, torna-se incómodo para alguns e inútil para outros, parece que não está ali a fazer nada. Se, porém, tirarmos o poste, a eletricidade deixa de passar, ficaremos às escuras. O Padre também pode ser olhado assim: pode ser incómodo para uns e escusado para outros, mas se o tirarmos de entre o povo, depressa brotará o deserto espiritual. O Santo Cura d’Ars dizia: “Deixai uma paróquia vinte anos sem padre, e acabará por adorar os animais”. Sim, o abandono da Palavra de Deus a tudo pode levar, nas paróquias, nas famílias, na sociedade!... Ciente desta responsabilidade e missão, Frei Bartolomeu dos Mártires alertava os seus sacerdotes: “Ficai sabendo que a tranquilidade da vossa consciência depende do cumprimento de dois preceitos: pregação e exemplo. Mas, se quereis ser prudentes, juntai-lhe um terceiro: o amor da oração. E, assim, ficam estas três coisas: a pregação, o exemplo e a oração, mas a principal é a oração; pois, embora a pregação e as obras sejam virtudes necessárias, só a oração consegue graça e eficácia para as obras e para a pregação”. E o seu colega e amigo São Carlos Borromeu, ambos Padres Conciliares em Trento, dizia aos seus: “É tua missão pregar e ensinar? Estuda e consagra-te a quanto é necessário para desempenhar devidamente esse ministério. Procura, antes de tudo, pregar com a tua própria vida e os teus costumes, para não acontecer que, vendo-te dizer uma coisa e fazer outra, comecem a menear a cabeça e a troçar das tuas palavras. Exerces a cura de almas? Não descures então o cuidado de ti próprio, para não te dares desinteressadamente aos demais que nada reserves para ti. Sem dúvida, é necessário que te lembres das almas que diriges, mas desde que não te esqueças de ti (…) Se administras sacramentos, irmão, medita no que fazes; se celebras missa, pensa no quer ofereces; se cantas no coro, considera a quem falas e o que dizes; se diriges almas, medita em que sangue foram purificadas. Tudo entre vós se faça com espírito de caridade … assim teremos força para fazer nascer Cristo em nós e nos outros”. O Apóstolo Paulo, por sua vez, recomendava ao seu amigo Tiago: “Tem cuidado contigo e com o teu ensino. Sê perseverante em tudo isso. Se assim procederes, salvar-te-ás a ti e àqueles que te ouvem” (ITim 4,16).
A propósito (ou não!), recordo um gesto extraordinário de São João Paulo II para com um sacerdote cujas chicotadas da vida lhe deixaram grandes mossas ao ponto de sentir o vazio de Deus, a perda da autoestima e se reduzir à situação de mendigo e sem abrigo. Este facto, depois de ter sido divulgado, correu mundo, podendo-se encontrar em muitos sítios na net. O próprio Papa Francisco, ao falar, numa das suas reflexões, sobre a grande dignidade dos mendigos, também tornou presente este caso.
Nas escadarias duma Igreja de Roma, estavam alguns sem-abrigo a mendigar, como, aliás, é habitual. Estas pessoas, na medida do possível, vão sendo acompanhadas pelos serviços sociais da Igreja e da comunidade romana. Um dia, um desses mendigos falou de si a quem teve a caridade de o ouvir até ao fim. Lá foi desfiando os caminhos andados até chegar àquela triste situação de mendigo e sem abrigo. Era um sacerdote polaco feito farrapo humano. O caso chegou aos ouvidos do Santo Padre João Paulo II que ficou muito comovido com o caso. Segundo narra o Papa Francisco, o nome deste sacerdote sem-abrigo foi reconhecido por João Paulo II como tendo sido seu colega no Seminário, quarenta anos atrás. Passados alguns dias desta informação dada a São João Paulo II, alguém recebeu um convite do Vaticano para jantar com o Papa na sua residência particular e que levasse consigo o sacerdote mendigo. “Impossível”, disse o mendigo a quem o foi informar e chamar. “Olha para mim. Estou uma desgraça. Não tomo banho há bastante tempo...”. Mas a insistência fez-se ouvir: “Tenho um quarto de hotel onde podes tomar banho e barbear-te, e tenho roupas que te servem”. Na hora aprazada, partiram para o jantar com o Papa, que os acolheu com nobre cortesia.
Depois do jantar, João Paulo II quis ficar a sós com o mendigo, tendo-lhe pedido, depois de alguma conversa bem-humorada, que o ouvisse em Confissão. O homem, impressionado, respondeu-lhe que já não se sentia sacerdote, ao que o Papa retorquiu: “uma vez sacerdote, sacerdote sempre”. Julgando-se ninguém e indigno de tudo perante todos, voltou a insistir: “Mas eu estou fora das minhas faculdades de presbítero”. O Papa, porém, sem fazer qualquer pergunta menos agradável, não desarmou: “Eu sou o Bispo de Roma, posso-me encarregar disso”. O Padre ouviu, então, o Papa em Confissão, mas como já não se lembrava bem da fórmula da absolvição, teve de ser ajudado pelo Santo Padre. No fim, pediu ao Papa que, agora, também o ouvisse a ele em Confissão. Depois de ter chorado longa e amargamente nos braços de São João Paulo II, o Papa perguntou-lhe em que paróquia é que ele mendigava. Nomeou-o colaborador do Pároco dessa paróquia e encarregou-o do atendimento, também espiritual, aos mendigos.
Tudo na vida nos pode acontecer. Mas também tudo pode converter-se em riqueza e feliz liberdade quando existir a coragem de regressar a casa. Alguém sempre nos espera, nos recebe em seus braços, nos perdoa sem fazer perguntas, nos anima e continua a confiar em nós. E basta, por vezes, um amigo autêntico que ao cruzar-se connosco reconheça a nossa situação, se abeire de nós, nos oiça até ao fim, nos estenda a mão e, com uma palavra amiga e eficaz, nos mova para esse encontro festivo com o Pai, diante do qual todos somos mendigos! Dêmos-Lhe os cacos, e Deus, o Oleiro, concertará sempre um coração caído e estilhaçado!

D.Antonino Dias- Bispo de Portalegre Castelo Branco
Portalegre, 03-08-2018.

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