sábado, 9 de janeiro de 2021

Que tempo te dás?



Enquanto falava, hoje, ao telefone com uma amiga que não ouvia há algum tempo surgiu-me a questão que dá título a este texto. Dizia-me, com uma humildade enorme, que tinha percebido que tinha que parar. Que lhe sublinhavam frequentemente a importância de dar tempo aos outros e que a nossa resposta (e a sua resposta) tinha sido: mas eu preciso de tempo para mim.

Parei naquela frase, sem deixar de a ouvir ressoar na minha cabeça e no meu coração.

Que tipo de raciocínio é este que nos vão incutindo e que nos diz que a prioridade de quem quer estar mais próximo de Deus (e de si próprio, até) tem de ser condizente com um disponibilizar total de tempo para outro?

Poderemos dizer que quem vive centrado em si mesmo, não vê, não ouve, não sente e não vive o suficiente. Mas, quem vive só para os outros pode, realmente, ver o que precisa para se encontrar? Para descobrir o seu lugar no mundo?

Vivemos tempos delicados. Temos, sobre a pele da nossa vida, uma película de dor e de coisas por viver associadas a estes novos tempos. Quando a película se gastar, estamos disponíveis para ver o que está debaixo dela?

Que tempo nos damos para conhecer as camadas interiores que nos habitam? Que tempo nos damos para estar sozinhos? Para não ver nem ouvir nada que nos perturbe? Que tempo conseguimos dedicar ao cuidar daquilo que somos?

Pouco. Não o suficiente.

Precisamos de ser generosos mas não precisamos de nos esgotar no cuidado aos outros. Precisamos de partilhar mas não precisamos de dar o que não temos.

Às vezes é preciso guardar o último gole para beber sozinho. Como quem, sem esperar nada, sabe que poderá receber o que vier.

Marta Arrais

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