quinta-feira, 17 de março de 2022

Sonhei que era feliz



Sonhei que era feliz. Que não havia guerra nem fome. Que as crianças brincavam na rua sem serem julgadas por terem esta ou aquela mãe. Este ou aquele pai. Esta ou aquela casa. Esta ou aquela cor. Esta ou aquela dor.

Sonhei que ninguém fugia do seu país por causa dos tiros, das explosões, da fome, da religião ou por causa deste ou daquele regime político.

Sonhei que sabíamos respeitar os outros como se fossem da nossa pele. Como se fossem da nossa alma. Que não nos importávamos com as escolhas de cada um, simplesmente, porque não nos diziam respeito.

Sonhei que não tínhamos que desligar a televisão por já não aguentar ouvir mais desespero, mais morte, mais sangue e mais tragédias. Que, aqui, também havia lugar para o bom, para o Bem, para as atitudes bonitas e boas que estão à espera do palco que merecem e precisam.

Sonhei que éramos capazes de suportar aquilo e aqueles que não eram iguais a nós. Que não só éramos capazes de os suportar, mas, mais ainda, conseguíamos olhá-los com amor e deixar que vivessem em paz, fossem quais fossem as suas decisões.

Sonhei que as crianças não tinham medo. Que os adultos eram capazes de lhes transmitir a segurança e a paz que também não têm e que também não sabem.

Sonhei que sabíamos viver em comunidade. Em sociedade. Sem nos ofendermos no trânsito por uma ultrapassagem menos bem feita. Sem passarmos rasteiras à vida uns dos outros. Sem fazer de conta que não vemos a necessidade de ajuda que mora ao nosso lado. Na nossa casa. Na nossa escola. No nosso círculo de amigos.

Sonhei que guardávamos espaço para a Paz dentro daquilo que somos. Que perdoávamos o que era preciso para desatar os nós que nos apertaram durante tanto tempo. Que conseguíamos deixar para trás os ressentimentos, as raivas e até os resquícios das maiores traições.

Sonhei que éramos felizes. E sabíamos. E éramos capazes de dar valor a tudo o que nos acontecia de bom e aprender a partir do que nos acontecia de menos bom.

Que pena. Foi só um sonho.


Marta Arrais

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