Nem sempre os reis ou os governantes foram pessoas de bem. A história da humanidade é pródiga em exemplos desses. Em exemplos de gente que se julgou dona disto tudo e agiu como lhe deu na gana, segundo os seus humores, interesses e ambições, sem qualquer espécie de escrúpulo, sem dó nem piedade. Ainda hoje encontramos tanta gente que sofre e morre às mãos de gente desta, única e simplesmente por discordar, por ter outra cultura ou outra religião, por ser considerada coisa desprezível ou mercadoria transacionável. Basta estar atento e esticar os olhos por esse mundo além. Nesta semana, a Liturgia tornou-nos presente um desses gabirus, o terrível Antíoco IV Epifânio, rei da dinastia Selêucida, bem como o testemunho de uma família que pagou com a vida a coerência da sua fé. O rei Antíoco governou a Síria entre 175 e 164 antes de Cristo. Depois de os romanos terem derrotado o seu pai – o rei Antíoco III Magno – ele viveu 14 anos exilado em Roma, até que, com o acordo do senado romano se tornou rei, vassalo de Roma. Envolvido na sexta guerra da Síria contra o Egito, centrou, depois, a sua atenção na Judeia que quis helenizar ou romanizar. Apoderou-se da cidade de Jerusalém, saqueou-lhe os tesouros, afastou uns, exterminou outros, levantou estátuas pagãs, proibiu a cultura e os costumes judaicos, perseguiu, torturou, puniu severamente quem ousava transgredir as suas ordens. Fraca rês! Queria estabelecer, pela força, uma certa uniformidade cultural e cultual. Tudo isto, porém, não agradou aos judeus que eram ciosos da sua cultura e contra a helenização ou romanização da sua terra. Como sempre, estas prepotências degeneram em mal-estar, em revoltas e guerra. Mas também há sempre quem, nestas situações, sobressaia pelas suas atitudes de coragem, coerência e heroicidade. Foi o caso de sete irmãos que, juntamente com sua mãe, foram presos por defenderam até à morte aquilo em que acreditavam. À força de torturas, o rei da Síria, quis obrigá-los a transgredir a Lei que lhes fora dada por Moisés. No meio de toda esta violência, a mãe exortava os filhos a que permanecessem fiéis a Deus, autor do nascimento e origem de todas as coisas. E apesar de tantos aliciamentos feitos pelo rei a cada um para que cada um abandonasse a Lei, nenhum dos irmãos o fez. Também eles se animavam uns aos outros para que todos e cada um permanecessem fortes e firmes nos seus princípios e contra as pretensões do rei. Com torturas inimagináveis, um a um, foram todos, sádica e paulatinamente, mortos. Estando ainda vivo o filho mais novo, o rei, prometendo-lhe mundos e fundos, tentou convencê-lo a abandonar as tradições dos seus antepassados. Mas como o jovem não lhe desse atenção, o rei chamou a mãe para o convencer a fazer isso se queria salvar a vida. A mãe, depois de muita insistência do rei, aproximou-se e, ludibriando o tirano, falou com o filho na sua língua pátria que o rei, não a entendendo bem ou nada, se julgou contrariado e suspeitou que aquelas palavras o insultavam. E a mãe disse ao filho: “Filho, tem compaixão de mim, que te trouxe nove meses no meu seio, te amamentei durante três anos, te criei e eduquei até esta idade, provendo sempre o teu sustento. Peço-te, meu filho, olha para o Céu e para a terra, contempla tudo o que neles existe e reconhece que Deus o criou do nada, assim como a todo o género humano. Não temas este carrasco, mas sê digno dos teus irmãos e aceita a morte para que eu te possa encontrar com eles no dia da misericórdia divina”. Quando a mãe acabou de falar, o rapazinho afirmou ao rei: “Que esperais? Eu não obedeço às ordens do rei. Obedeço às determinações da Lei que foi dada aos nossos antepassados através de Moisés …”. O jovem acabou por ser morto, ainda com mais sadismo que os irmãos. Havendo valores na vida e sendo Deus a primeira prioridade, todos eles preferiram a morte em vez da negação de Deus ou a desobediência à Lei. Tanto o rei como aqueles que o rodeavam ficaram estranhados com a firmeza destes irmãos e a coragem com que enfrentavam os sofrimentos e a própria morte: os fracos a confundir os fortes!... Embora os matassem, foram eles que se sentiram vencidos e se manifestavam irritados e atormentados pelo facto de os jovens se despedirem afirmando ao rei que isto de lutar contra Deus lhe haveria de trazer sérias e terríveis consequências. Morreu em terra estrangeira, doente e triste, acabrunhado por intenso desgosto e profunda angústia (cf. 1Mac 6; 2Mac 7).
Depois dos filhos, mataram a mãe. Uma mãe que soube transmitir a fé aos seus filhos e viveu preocupada, até ao último momento, para que eles fossem fortes e firmes na fidelidade a Deus. Ao serem mortos, todos fizeram uma verdadeira profissão de fé na ressurreição dos mortos, longe de imaginarem que, um dia, o Filho de Deus, oferecendo-se no altar da cruz, haveria de ressuscitar, de consumar o mistério da redenção humana, de ser constituído por Deus princípio de uma nova humanidade cujo destino é o Reino de Deus. Um Reino onde a injustiça, a opressão, a violência, a oposição dos poderosos e a própria morte não podem pôr fim à vida que o anima. É “um reino eterno e universal: reino de verdade e de vida, reino de santidade e de graça, reino de justiça, de amor e de paz”. Neste Reino, reinar é servir com amor, como Cristo Rei do Universo o fez, nos ensinou e mandou fazer.
D.Antonino Dias - Bispo de Portalegre Castelo Branco
24-11-2017
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