quarta-feira, 1 de novembro de 2017

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Celebramos hoje a Solenidade de Todos os Santos. Com esta solenidade a Igreja peregrina é convidada a contemplar a Igreja triunfante pedindo-lhe a sua intercessão e sentindo-se estimulada a imitar os seus exemplos.

Na vivência da nossa fé o termo “santo” é um dos termos que mais frequentemente escutamos, seja na invocação de Deus, seja na invocação dos Santos, seja no convite à santidade que se nos propõe.

No entanto, muitas vezes surge-nos a dúvida: mas afinal o que é ser santo? Quando falamos em santidade vem-nos logo a mente os milagres sobrenaturais que as ciências humanas não conseguem explicar, isto é, paralíticos que começam a andar, doentes em fases terminais que são curados, … Todavia a santidade não é só isto.

A Santidade é um dos principais atributos de Deus. Na verdade, Is 6, 3 e, na sua continuidade, a aclamação litúrgica do “Santo”, proclama Deus como o três vezes santo. A etimologia hebraica do termo santo (qadôsh) está relacionada com o termo separação. Dizer que Deus é três vezes santo é dizer que Deus é separado. Mas separado de quê e de quem? Não separado do mundo e do homem pecador. Mas separado de Si mesmo e dos privilégios da sua divindade ao ponto de por nós se fazer homem para que nós possamos participar da sua condição divina. “Conheceis bem a bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo que, sendo rico, se fez pobre por vós, para vos enriquecer com a sua pobreza.” (2 Cor 8, 9) O Deus três vezes santo é o totalmente “separado” do pecado que para “separar” o homem pecador do pecado se “separa”, por amor, de si mesmo.

É nesta linha que ressoa o grande apelo do livro do Levítico “Sede santos, porque Eu, o SENHOR, vosso Deus, sou santo” (Lv 19, 2) que é citado por 1 Pe 1, 16 e adaptado por Mt 5, 48 (“sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai celeste”). A santidade deve ser o objectivo de todo o cristão sem excepção. Pelo nosso baptismo somos chamados a ser santos em qualquer estado de vida (LG 40).

A etimologia latina das palavras Santo e Beato referem-se respectivamente a um estado de vida sadio e feliz. E os santos não são mais que isso: são pessoas que na sua peregrinação sobre a terra viveram uma vida sadia e feliz segundo os critérios do reino e são exemplos de vida para nós. Os santos foram aqueles que descobriram e viveram a verdadeira qualidade de Vida, aquela vida em abundância de que Jesus nos falou e que, por isso, são exemplos e intercessores para nós que ainda peregrinamos na terra. Os santos viveram o grande milagre do Amor. De certa maneira podemos dizer que ser santo não é nada de que fazer tudo por Amor a Deus e aos irmãos. O Amor é o grande milagre dos Santos. É o Amor incondicional a Deus e aos irmãos, que os santos viveram, que nós devemos imitar e venerar. Ser Santos é participar na perfeição de Deus no Amor (cf. Mt 5, 49)

O apelo divino à santidade não é mais um de tantos apelos que se escutam no nosso mundo. É o apelo por excelência, é o objectivo da nossa vida. No entanto, somos conscientes que este apelo não é um apelo que se ouça e que depois se cumpre. A santidade não é uma conquista humana mas é dom de Deus que o homem está chamado a acolher e a cooperar. Necessitamos da graça de Deus e é por isso que escutamos as palavras do Apocalipse, na primeira leitura desta celebração: “São os que vieram da grande tribulação, os que lavaram as túnicas e as branquearam no sangue do Cordeiro”.

Como caminho concreto de felicidade e santidade, o evangelho deste dia apresenta-nos a página das Bem-aventuranças, segundo a versão de S. Mateus.

As bem-aventuranças não são ordens concretas de acções a realizar mas sim um conjunto de valores pelo qual nos devemos guiar e segundo os quais devemos agir para alcançarmos uma vida feliz. O nosso texto revela-nos qual é o caminho para atingir esta felicidade paradoxal. Felicidade paradoxal porque está muito longe das propostas de felicidade apresentadas por este mundo e que assentam na alienação do poder, do prazer e do ter.

No entanto, quantos de nós é que já não seguimos a alienação do ter, do poder e do prazer e não encontramos a verdadeira felicidade e a realização plena. Na verdade, estas alienações escravizam-nos e destroem as nossas relações connosco próprios, com o próximo e com Deus.

Assim sendo, uma vez que a sabedoria do mundo não nos conduz à felicidade deveríamos ter a audácia de experimentar o caminho de felicidade que Jesus nos apresenta nas Bem-aventuranças e que consistem na pobreza de espírito, na humildade, nas lágrimas, na fome e sede de justiça, na misericórdia, na pureza de coração, na promoção da paz, na perseguição por causa da justiça e na perseguição por causa de Jesus.

Uma pobreza de Espírito que, na linha dos pobres do Senhor, tem de ser entendida como a dependência total de Deus e não como a pobreza material efectiva que em si é um mal que tem de ser combatida. Só os pobres em espírito é que se sabem entregar totalmente ao Senhor.

Uma humildade que não é humilhação mas reconhecimento da sua verdade de criatura ante Deus e de irmão ante os demais Homens.

Umas lágrimas que nascem da compaixão com aqueles com mais sofrem e são o desejo dos novos céus e da nova terra. Na verdade, só Deus é que pode compreender toda a dor humana e consolá-la.

Uma fome e uma sede de Justiça que é inconformidade e luta contra a corrente numa sociedade onde ricos cada vez são mais ricos e os pobres cada vez mais pobres devido as grandes injustiças que se cometem.

Uma misericórdia que é a continuação da acção de Deus para com o Homem: amor, compaixão, perdão, compreensão, ajuda…

Uma pureza de coração que se traduz numa pureza de olhar, de desejos, de pensamentos, de palavras e de actos. Uma pureza de coração que é limpidez que nos permite ver Deus nos outros.

Uma promoção da paz que é o anseio de toda a humanidade mas em que em vez de se aproximar afasta-se. Afasta-se porque todos querem a paz, a sua paz, mas para a conseguir utilizam a violência para com os outros e tantas vezes para consigo mesmos. Se queremos ser antecipadores do Reino temos de ser homens e mulheres de paz.

Uma perseguição por causa da justiça e do nome de Jesus porque quem defende apaixonadamente o Amor fiel aos outros e a Deus, não pode seguir um caminho diferente do de Jesus de Nazaré que foi o caminho da cruz.

É assim que as bem-aventuranças se nos apresentam como caminho de santidade, caminho de separação total de mim mesmo, dos meus egoísmos para me encontrar com Deus e com os irmãos. A santidade é o grande dom e desafio que se nos coloca. Deixemo-nos estimular pelo nosso Deus três vezes santo e pelos exemplos dos nossos irmãos que já fazem parte da Igreja triunfante que hoje celebramos e, acolhendo o dom da Graça, realizemos o apelo: “Sede santos, porque Eu, o SENHOR, vosso Deus, sou santo”.

P. Nuno Ventura Martins

Missionário Passionista


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