sexta-feira, 6 de abril de 2018

QUE QUERERÁ DIZER ESTE PAPAGAIO?


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São Paulo, que não era pessoa de atirar com a toalha ao chão, passou as passinhas do Algarve para ir ao encontro das periferias geográficas, existenciais e culturais do seu tempo. Era aí que ele, impulsionado pelo Espírito, sentia a obrigação de levar a Boa-Nova do Senhor Jesus. Numa dessas situações, acossado por uns judeus que provocaram a agitação e a discórdia entre o povo – sempre houve gente dessa! -, ele viu-se na necessidade de dar às de Vila Diogo de Bereia para Atenas. Atenas era uma cidade onde se cruzavam comerciantes, culturas, artes e saberes, uma importante e influente cidade. Tinha, como ainda tem, porto de mar, o porto de Pireu, com todas as potencialidades, virtudes e vícios que isso arrasta. As pessoas viviam mergulhadas num mar imenso de superstições e idolatria. A cidade estava repleta de ídolos em escala de mais ou menos valor e devoção, conforme os gostos. Mas era também, de facto, uma cidade da cultura desde há muito tempo atrás. Foi sede de grandes filósofos que ainda hoje fazem queimar as pestanas a muitos estudantes e professores, influenciaram e continuam a influenciar a humanidade. Sócrates, Platão, Aristóteles, Zenão, Epicuro e muitos outros fazem parte dessa rara estirpe. Em alguma medida, Atenas foi também o berço do conhecimento científico, da civilização ocidental e da democracia, uma cidade global, mesmo que no tempo de Paulo a sua influência já não fosse tão acentuada. Poder-se-á dizer que Paulo estava bem no centro da civilização clássica da Antiguidade, na milenar Atenas dedicada a Atena, a deusa da sabedoria. Chegado a Atenas, Paulo percorre a cidade e constata que, de facto, em Atenas, "é mais fácil encontrar um deus que um homem". Não podendo fazer vista grossa, agonia-se e chora por dentro, não sossega. Procura descobrir como entrar no coração daquela gente e daquele mundo para lhes anunciar a Boa-Nova de Jesus Cristo. Com calma, sem pressas, mas sem amolecer, tenta desenterrar a ponta por onde lhe haveria de pegar e a estratégia a implementar, tanto para falar à gente simples como aos mais ilustrados e influentes. Aos sábados, vai às sinagogas para falar a judeus e a prosélitos. Diariamente, na praça pública, fala e discute com quem lhe aparece, onde não faltam filósofos epicuristas e estoicos para trocar impressões com ele, não fossem os atenienses tão abertos a ouvir as últimas novidades que lá chegassem doutras paragens! Mas já com a pulga atrás da orelha, alguns troçavam: “Que quererá dizer este papagaio?”. E outros casquinavam: “Parece que é um pregoeiro de deuses estrangeiros”. Todos, porém, se manifestavam curiosos: “Poderemos saber que nova doutrina é essa que ensinas? O que nos dizes é muito estranho e gostaríamos de saber o que é que isso quer dizer”. Convidaram-no, então, para ir com eles e falar no Areópago, próximo da Acrópole. São lugares que ainda hoje, ao visitá-los, nos atiram com o pensamento para este tempo, nos fazem imaginar e admirar a força e as dificuldades sentidas por Paulo. Ali se reunia o grande Conselho da cidade-estado de Atenas, com fins culturais, políticos, judiciais e outros. Ao longo dos tempos, foi palco de grandes acontecimentos e decisões políticas que marcaram a história grega. E vai ser mesmo ali, bem no coração de tão importante cidade cosmopolita, que o Evangelho vai ser testemunhado às autoridades e aos mais altos representantes do mundo grego, com engenho e arte.
Ao falar a judeus, Paulo, como é evidente, citava-lhes as Escrituras. Aos atenienses, porém, Paulo, embora talvez lhe apetecesse gritar e desancar neles com vergasta de marmeleiro, ele faz, isso sim, um excelente exercício de inculturação, inteligente e de bom senso. Começa por lhes louvar a sua grande religiosidade e cita-lhes até filósofos e poetas gregos. Fala-lhes ao coração e mostra-se conhecedor da sua religiosidade e cultura. Para levar a água ao seu moinho, ele sabe fazê-lo com sabedoria e prudência, clara e habilidosamente, dirigindo-se mais à consciência dos presentes do que à sua curiosidade de espiões. Começa pelo facto de, ao andar pela cidade e ter visto tantos altares e deuses, até viu um altar dedicado “Ao Deus desconhecido”. E logo se apresenta como alguém capaz para lhes falar desse Deus desconhecido, desse Deus que eles veneram mas não conhecem, o Deus verdadeiro que dá a vida, o Deus que fez o mundo e tudo quanto nele existe. E citando-lhes de imediato um filósofo grego de pensamento afim, não demora em criticar a idolatria que aliena o homem. No entanto, para evitar comparações com os filósofos gregos, Paulo nunca menciona o nome de Jesus, mas toda a assembleia acaba, mesmo assim, por ficar concentrada em Cristo Jesus quando ele, Paulo, anuncia que Deus, um dia, há de julgar o mundo com justiça “por meio de um Homem que destinou; e disso deu certeza a todos, ressuscitando-o dentre os mortos". Ao falar em ressurreição dos mortos, entornou-se o caldo, a paciência daquela gente esgotou-se, o discurso foi interrompido. A mensagem de Paulo, porém, – o kerygma -, não deixou ninguém indiferente. Uns troçaram, é certo, talvez contorcendo-se por aquilo que acabavam de ouvir e lhes abalava as suas certezas, outros acreditaram, outros queriam ouvir mais: «Ouvir-te-emos falar sobre isso ainda outra vez».
Eis, então, o discurso que Paulo, de pé no meio do Areópago, lhes fez:
«Atenienses, vejo que sois, em tudo, os mais religiosos dos homens. Percorrendo a vossa cidade e examinando os vossos monumentos sagrados, até encontrei um altar com esta inscrição: ‘Ao Deus desconhecido.’ Pois bem! Aquele que venerais sem o conhecer é esse que eu vos anuncio. O Deus que criou o mundo e tudo quanto nele se encontra, Ele, que é o Senhor do Céu e da Terra, não habita em santuários construídos pela mão do homem, nem é servido por mãos humanas, como se precisasse de alguma coisa, Ele, que a todos dá a vida, a respiração e tudo mais. Fez, a partir de um só homem, todo o género humano, para habitar em toda a face da Terra; e fixou a sequência dos tempos e os limites para a sua habitação, a fim de que os homens procurem a Deus e se esforcem por encontrá-lo, mesmo tateando, embora não se encontre longe de cada um de nós. É nele, realmente, que vivemos, nos movemos e existimos, como também o disseram alguns dos vossos poetas: ‘Pois nós somos também da sua estirpe.’
Se nós somos da raça de Deus, não devemos pensar que a Divindade é semelhante ao ouro, à prata ou à pedra, trabalhados pela arte e engenho do homem. Sem ter em conta estes tempos de ignorância, Deus faz saber, agora, a todos os homens e em toda a parte, que todos têm de se arrepender, pois fixou um dia em que julgará o universo com justiça, por intermédio de um Homem, que designou, oferecendo a todos um motivo de crédito, com o facto de o ter ressuscitado de entre os mortos»
Ao ouvirem falar da ressurreição dos mortos, uns começaram a troçar, enquanto outros disseram: «Ouvir-te-emos falar sobre isso ainda outra vez.» Foi assim que Paulo saiu do meio deles. Alguns dos homens, no entanto, concordaram com ele e abraçaram a fé, entre os quais Dionísio, o areopagita, e também uma mulher de nome Dâmaris e outros com eles. Depois disso, Paulo afastou-se de Atenas e foi para Corinto” (At 17).

D.Antonino Dias Bispo de Portalegre Castelo Branco
Portalegre, 06-04-2018.

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