Guardamos as nossas culpas como farpas sempre prontas a atirar a alguém. Muitas vezes, sabemos que a culpa é nossa mas, no fundo, é mais fácil devolvê-la. Não a querer. Por isso acabamos por decidir transferi-la para os que estão à nossa volta. É difícil encontrar casa para a culpa quando sabemos que a permissão dessa morada nos vai ferir. O mesmo parece acontecer com aquelas coisas que gostávamos que mudassem. Temos sonhos que são nossos e nos preenchem as cores de dentro sem sair do risco. Depois, temos expectativas e esperanças que são espelho daquilo que gostávamos que o mundo fosse, realmente. É sobre essas que hoje gostaria de escrever.
Conseguimos apontar todos os nossos dedos, todas as nossas mágoas, todos os nossos medos na direção de quem nos magoa. Muitas vezes, magoa-nos o que se passa do lado de lá da janela da nossa casa, do nosso carro, do nosso ecrã. Dói-nos saber que o mundo está entregue a líderes que se assemelham a pessoas que fizeram história pelas piores razões. Dói-nos saber que ainda há quem morra de fome. Doem-nos as marés que trazem os barcos que chegam repletos de gente como nós que (quase) nunca é tratada como gente. Dói-nos que se encham bolsos (já cheios) com o que era devido a bolsos vazios. Dói-nos a sensação de que o planeta estará por um fio e que pouco restará para o salvar de verdade. Ainda assim, conseguimos ser protagonistas de uma proeza extraordinária: ignorar as dores do mundo e transformá-las em irrelevâncias. Detalhes. Não temos culpa disso. Estamos longe dos países onde se passa fome. Não fazemos parte do governo ou de alguma classe política. Não somos ambientalistas nem cientistas. Mas somos nós. E isso devia bastar-nos. Devia ser-nos suficiente. Estamos muito habituados a optar pela invisibilidade. Se ninguém nos vir, a culpa não será nossa. Se ninguém reparar, poderemos (também) aprender a mestria de assobiar para o lado.
Lamentavelmente, não é a assobiar para o lado que as coisas mudam. E as coisas que precisam de ser mudadas são responsabilidade minha. E tua. E nossa.
Não descanses à beira do que não podes fazer. Faz o que puderes com aquilo que tiveres.
Não descanses à sombra do que não foi (ainda) feito por ninguém. Se queres que se faça alguma coisa, tens bom remédio. Faz tu.
Não te conformes com os desânimos de quem não quer mexer uma palha. Se nada mudar, muda tu.
Marta Arrais
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