Sem me querer meter em seara alheia, sei que há muitas doenças cardíacas e cardiovasculares. Algumas delas têm fatores de risco associados, outras são congénitas. Outras há que se devem ao deambular da vida com as suas circunstâncias e consequências. A ciência médica, porém, e os seus ilustres servidores no terreno, lá se vão desunhando, com dedicação e responsabilidade. Perturbações associadas aos sentimentos, ou à falta deles, também podem afetar o coração, mesmo que anatomicamente saudável, diz quem sabe. Há corações obcecados por paixões, projetos, desporto, política, por inúmeras razões que escravizam. Algumas delas, para quem está de fora, até parece que são razões sem grande razão, mas, mesmo assim, dizem eles que elas fazem doer... É, já Blaise Pascal dizia que o coração tem razões que a própria razão não entende! Mas são o bastante para fazer entrar numa espécie de curto-circuito e a queimar os fusíveis. Nesses casos, a razão deixa de funcionar ou funciona mal. A saúde sofre e, não raro, a própria vida se complica ou até se pode desmoronar. Convenhamos, porém, que, se a paixão sem a razão é cega, também a razão sem qualquer espécie de paixão pode tornar-se inútil, sem gosto por nada, inativa.
Mas voltando ao assunto, há, sem dúvida, corações feridos, destroçados, escaqueirados, com sintomas e causas de vária ordem, como, por exemplo, dores de cotovelo, ciúmes, planos frustrados, questões pessoais mal resolvidas, amores não correspondidos, separações dolorosas, mortes inesperadas, experiências traumáticas, medos, segredos que angustiam, desequilíbrios e dependências emocionais, vida difícil por falta disto ou daquilo, para já não citar a longa lista de mazelas que São Paulo refere como saindo de lá bem fundo do coração humano.
O povo, na sua experiência, se diz que este tem bom coração e aquele tem um coração de pedra ou de gelo, se diz que este é um pinga amores e aquele não é flor que se cheire, também afirma que quem vê caras não vê corações e se quiserdes ver o vilão metei-lhe o pau na mão. De facto, a cara pode identificar o indivíduo, mas nem sempre revela o que ele é, sente ou pensa, as aparências podem iludir. Há quem sorria e esteja triste, há quem espelhe serenidade e esteja furibundo, há quem aparente ser cordeirinho manso e seja lobo feroz, e o contrário também pode ser verdade.
E perguntará o leitor: mas toda esta conversa a propósito de quê e para quê? Mesmo que lhe pareça, não perdi o fio à meada. O que eu pretendo com toda esta abada de coisas e loisas, é recordar, ainda que possa não ser preciso, é recordar ao amigo leitor que, para além das ciências médicas atinentes, é bom ter presente, saber e confiar que também há um coração inexcedível e compatível com todos os outros corações e que pode ajudar a sanar as maleitas dos que estão em apuros. Se cada um quiser, ele pode ajudar a transformar um coração violento num coração manso e humilde, assim como pode concertar um coração feito em cacos se lhe dermos todos os pedaços e pedacinhos. Este mês de junho é o mês a ele dedicado, e gente se esmera em vivê-lo com amor e exigência. É um coração referência, é o modelo e símbolo daquele amor perfeito e infinito que se oferece por todos, amando-nos até ao fim. E não abdica do seu desejo de nos dar a paz e a alegria de viver, por entre as vergastadas e os carinhos da vida. Dele brota o perdão e a vida, é um bom coração, solícito e dedicado, cheio de compaixão e amoroso, e não faz aceção de pessoas. Por nós e para nossa salvação, deixou-se transpassar na cruz.
Convida-nos agora, como amigo, a entrar na intimidade do seu lado aberto donde saiu sangue e água, a conhecer melhor a sua pessoa, a grandeza do seu coração e do seu amor, a sua misericórdia, o que Ele disse e fez por nós. Sim, por nós, também por ti!... Se aceitarmos o seu convite, se usarmos os meios que Ele colocou ao nosso dispor, aprenderemos a viver com a sabedoria evangélica da misericórdia e da paz interior. Descobriremos a nossa realidade a partir de dentro para fora. As borboletas no estômago deixarão de se notar. As teias de aranha, os lixos, os fungos e as zonas sombrias não farão ninho nos beirais ou nas paredes do coração. Aprenderemos a contemplar o Coração de Cristo como coração da Igreja. Tornar-nos-emos pessoas livres e de vida interior a caminho da santidade. Sentir-nos-emos protagonistas da evangelização, colocando a nossa pessoa e as nossas coisas ao serviço de Cristo e dos outros.
O Sagrado Coração de Jesus não desiste, insiste e persiste no convite. E é bom que sintamos a alegria de o encontrar antes de se esgotar o stock dos nossos anos e dias: “Vinde a mim, todos vós que estais cansados e oprimidos e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim que sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para as vossas almas, pois o meu jogo é suave, e a minha carga é leve” (Mt 11, 28-30).“Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele comigo” (Ap 3, 20).
São Paulo sentia-se feliz por ter a graça de anunciar esta insondável riqueza do Coração de Jesus e de esclarecer a todos este mistério que esteve oculto em Deus. Ajoelhava-se a pedir que Deus concedesse aos cristãos a fortaleza do Espírito, que Cristo habitasse nos seus corações, que, arraigados e alicerçados no amor, pudessem conhecer e viver imbuídos no amor Deus (cf. Ef 3, 8-12.14-19). São João Paulo II afirmava que, "perto do Coração de Cristo, o coração humano aprende a conhecer o sentido verdadeiro e único da vida e do próprio destino, a compreender o valor de uma vida autenticamente cristã, a se guardar de certas perversões do coração, a unir o amor filial a Deus ao amor ao próximo”. E encorajava “a cultivar, aprofundar e promover o culto ao Coração de Cristo, com linguagem e formas adequadas ao nosso tempo, de maneira a poder transmiti-lo às gerações futuras no espírito que sempre o animou”.
De facto, a devoção ao Sagrado Coração de Jesus é a alma do Apostolado da Oração, agora com uma nova vitalidade e apoiada pelo mundo digital, congregando instituições, famílias, jovens, crianças e idosos numa rede mundial de oração de toda a Igreja em comunhão com o Papa. O coração da missão da Igreja é a oração. Se o amigo leitor ainda o não fez, pode baixar a aplicação Click To Pray para o seu telemóvel e unir-se, todos os dias, a esta iniciativa. Experimente, entre na rede, promova e divulgue. Também depende de si que outros se sintam felizes por terem encontrado esta maneira de estarem ativamente unidos...
Santa Margarida de Alacoque, afirma que numa das suas visões, o Coração de Jesus se lhe manifestou num trono de chamas, tendo à volta uma coroa de espinhos, simbolizando as feridas infligidas pelos pecados humanos, sobretudo pelos corações a ele consagrados. São João Paulo II, em março de 1995, instituiu o Dia Mundial de Oração pela Santificação do Clero, dia a coincidir com a Solenidade anual do Sagrado Coração de Jesus, na sexta feira a seguir à oitava do Corpo de Deus, este ano no dia 19 de junho. Será uma ocasião propícia para os fiéis se unirem em oração, de uma forma especial, pela santificação dos seus sacerdotes. Com toda a Igreja, peçamos ao Sagrado Coração de Jesus, fonte e refúgio de toda a existência sacerdotal, que acompanhe os seus passos com o poder da graça divina, os faça viver de coração agradecido e alegre, dedicados ao seu povo com confiança e entusiasmo, com um coração vigilante, misericordioso e compassivo.
D. Antonino Dias- Bispo Diocesano
Portalegre-Castelo Branco, 12-06-2020.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Este é um espaço moderado, o que poderá atrasar a publicação dos seus comentários. Obrigado