De entre todos os desafios que a vida nos vai impondo, há um particularmente complicado: o de ser coerente. O de fazer corresponder as nossas ações a tudo aquilo que é proferido pela nossa voz.
Vejamos: somos perfeitos e exímios na nossa forma de apregoar verdades absolutas. Dizemos, de voz e peito cheios, que sabemos o que é o amor. Que sabemos o que é cuidar de quem mais precisa. Que sabemos o que é tratar todos por igual. Que sabemos o que é ser livre e respeitar a liberdade do outro. Que sabemos que é necessário conhecer para afirmar veementemente ou, até, julgar.
À sombra do nosso umbigo e da nossa pele, sabemos muito. Teorizamos muito. Divagamos muito.
No entanto, e quase sempre, deitamos por terra todos os princípios e valores apregoados quando chega a nossa hora de fazer alguma coisa. Quando chega a hora de fincar os pés e mostrar a nossa força… Eis-nos a fugir para dentro do esconderijo mais próximo. Eis-nos a sair de cena e a ser os primeiros a correr o pano.
Pois é. Já diz o povo na sua sabedoria “dizer é uma coisa… fazer: é outra”. Mas, se pensarmos com cuidado nesta incoerência tão óbvia, há algo que não bate certo. Há algo que não faz sentido.
Como é que eu posso dizer que não se deve julgar quem não conhecemos bem, se sou o primeiro a olhar de esguelha se alguém ousa aproximar-se de mim e do meu círculo?
Como é que eu posso dizer que o amor é para toda a vida, para o que der e vier, para a saúde e a doença…se sou o primeiro a abandonar o barco quando o outro me atira com a sua tempestade?
Como é que eu posso manifestar-me contra as desigualdades de cartaz em riste se sou o primeiro a não abrir a porta à minha vizinha de oitenta anos que me pergunta se posso trazer-lhe aquele remédio da farmácia? Ou se nunca parei para dizer bom dia ao sem abrigo que mora, há décadas, na esquina entre a minha rua e a outra?
Como é que eu posso criticar os que falam dos outros nas costas quando, eu próprio, alimento essas conversas?
É simples: não posso. Não posso dizer uma coisa e fazer outra. Não podemos. Não podemos dizer uma coisa e fazer outra. É fácil ser coerente? Não é. É fácil fazer a boca corresponder ao coração? Não é. Mas é necessário. E urgente.
Mais do que falar… sabes o que é preciso?
Fazer.
Marta Arrais
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