quarta-feira, 31 de julho de 2024

O objetivo ou/e o caminho?



Estamos tão focados em atingir o topo de algo, a concretizar trabalhos e a alcançar o sucesso que acabamos por desperdiçar a beleza do caminho que a ele nos conduz.

Quando nos propomos a um projeto, sabemos que seremos desafiados e postos à prova, mas se nos focarmos exclusivamente no resultado final corremos o risco de o atingir com sucesso mas, olharmos para traz e não percebermos bem como o atingimos. Outras vezes, fizemos tudo bem, chegamos aos resultados propostos atingimos o objetivos mas,… fica um certo desânimo, como se a adrenalina tivesse acabado e todo o esforço a que nos propusemos perdesse o sentido.

Sabes amiga, sonhamos tanto, projetamos tantos resultados que, nos esquecemos de olhar para isso como oportunidades.

Oportunidades de crescimento.

Oportunidades de aprendizagem.

Oportunidades para… comtemplar.

Não é fácil explicar aos jovens que têm de estudar para poderem ter sucesso profissional pois isso é tão longínquo e incerto. Por vezes não damos o melhor exemplo desse esforço pois estudamos para passar os dias a resmungar do trabalho e a queixar-nos da vidaJ. Se isso é sucesso, então eu não quero!

Nem tudo o que fazemos tem propósito, às vezes o fazer algo é o propósito em si.

Quando fiz o Caminho de Santiago, esvaziei-me de expectativas sobre a chegada ao destino sobre o que sentir ou esperar. O meu compromisso foi com o caminho e nada mais! Aprendi que essa é a melhor estratégia: ter objetivos sim, mas saborear cada momento até chegar lá, sejam eles bons ou maus.

Nem sempre é fácil conseguirmos ver o bom das coisas, e em especial quando lutamos tanto para atingir algo e parece que está sempre a fugir-nos das mãos. Sei bem a frustração que é! Consola-me o caminho, consolam-me os companheiros de caminho pois é Nele e Neles que me fazem chegar ao TOPO, ao topo que mora no meu coração.

E tu amiga? Como tens sentido o teu caminho? Está ajudar-te a atingir os objetivos?


: Raquel Rodrigues

terça-feira, 30 de julho de 2024

A perfeição não é deste mundo


Quase todos nós temos ambições, sendo que alguns desejam mesmo a perfeição, como se fosse um prémio que gostavam de exibir a todos. Ora, esta luta para não ter falhas é, muitas vezes, apenas uma preocupação extrema com o que os outros pensam!

Sempre que defino objetivos demasiado ambiciosos para a minha vida estou a condenar-me à frustração de não os alcançar. Depois, começarei a pensar que não tenho valor, porque não consigo chegar àquilo a que me propus.

Há uma enorme diferença entre querermos melhorar e desejar que nos admirem.

Nenhum de nós é os resultados que alcança. A nossa identidade não depende dos sucessos ou fracassos dela, muito menos a curto e a médio prazo.

Quem se concentra apenas nos resultados deixa de ser capaz de viver e desfrutar dos caminhos de cada dia, por onde sempre se pode experimentar, aprender e crescer.

Não há pessoas perfeitas. Amar alguém é aceitá-lo com todas as suas imperfeições, amando cada uma delas. Não é amor se depende da forma como o outro se comporta e se isso corresponde, ou não, à ideia que temos de perfeição.

Há crianças que são educadas sob esta pressão. São amáveis apenas quando de portam bem, ou melhor, de acordo com aquilo que aqueles adultos em causa entendem que é o perfeito. Caso contrário, ficam sozinhas e sem amor, porque afinal são… feias.

O perfecionismo é um fardo, um abuso que causamos a nós mesmos. Destrói relações, limita a nossa produtividade, criatividade, inspiração e alegria, causando sofrimento injusto e desnecessário.

Há até quem nem chegue a começar uma tarefa e desista, tal é o medo de não conseguir fazer tudo bem. Mas só quem arrisca ser idiota é que chega a ser feliz!

Se me preocupo demais com o olhar alheio, deixo de ser eu. E se quem aparece não sou eu… então a verdade é que me estou a esconder, não a aparecer. E daqui se geram ansiedades concretas e muitos outros problemas que corroem a nossa paz.

Não há mal em querer ser melhor, mas querer ser perfeito é um inferno.

O segredo talvez seja ir aprendendo com os erros, sem deixar de os fazer, sem deixar de errar, sem deixar de aprender.

A perfeição não é deste mundo, aqui só há pessoas normais, cheias de falhas mais ou menos belas, que não deviam ter medo de ser felizes!


José Luís Nunes Martins

segunda-feira, 29 de julho de 2024

Quando puderes, descansa!



Aproxima-se o tempo das férias. O tempo de parar. De olhar menos para o relógio que parece correr sempre contra nós e contra o que gostaríamos de fazer. Devemos sempre tanto ao tempo que passa. E parece-nos sempre estranho encontrar tempo para descansar e para abrandar o ritmo. Quase como se não tivéssemos direito a sossegar, a respirar fundo para sentir tudo o que se passa dentro de nós e à nossa volta.

No entanto, a verdade é que sem descanso deixamos de funcionar, de ter paciência, de processar devidamente o que nos vai acontecendo. Mas, então, o que nos leva a sentir esta culpa por “não fazer nada”? Como se estivéssemos permanentemente em dívida?

Vivemos num tempo de profunda aceleração. O que parece contar é a produtividade a todo o custo. Os interesses familiares e de lazer ficam sempre para segundo plano porque nos fizeram crer que o trabalho é a coisa mais importante na nossa vida e à qual devemos dedicar mais tempo e energia. Mas não nos ensinaram que se a nossa vida for orientada apenas para produzir, fazer e agir, acabamos por perder o norte às coisas importantes e essenciais. Deixamos à vida em stand-by. Como fazíamos antigamente com os telefones. Pendurados enquanto íamos chamar a pessoa que seria o destinatário da chamada.

É isso que estamos a fazer à nossa vida: a deixá-la em espera. E em vez daquela música irritante e repetitiva não ouvimos nada. Só o silêncio das coisas e das pessoas que vamos perdendo por faltar sempre ao mesmo jantar. Por chegar a casa quando os miúdos já estão a dormir. Por não ter tempo para visitar a avó, a mãe ou o pai. E o peso dessa culpa e dessa falta que vamos deixando na nossa vida e na dos outros só se compensa se trabalharmos mais… por que é dessa forma que nos conseguimos esquecer do tanto que nos falta e do tanto que gostaríamos de fazer diferente.

Por isso, e contrariando aquilo que ultimamente nos tem sido ensinado, que saibamos descansar durante as nossas férias e também durante o resto do ano. Que não nos deixemos esquecer que o preço a pagar por deixar de fazer falta não pode ser compensado com mais dinheiro ou com mais tarefas.

Não fazer nada é ter tempo para nos encontrarmos connosco. Com os nossos pensamentos, emoções e dificuldades. E tudo deve fazer parte. Só assim poderemos viver uma vida mais completa e mais inteira.

Marta Arrais

domingo, 28 de julho de 2024

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A liturgia do 17.º domingo Comum dá-nos conta da preocupação de Deus em saciar a “fome” de todos os seus filhos e filhas. Convida-nos a ver os bens que Deus põe à nossa disposição como dons para todos; propõe que abramos os nossos corações à partilha, à fraternidade, à responsabilidade pela “fome” dos nossos irmãos.

Na primeira leitura, o profeta Eliseu manda distribuir pelas pessoas que o rodeiam os pães que lhe foram oferecidos. O “profeta” é um sinal vivo de Deus no mundo dos homens. O seu gesto é uma lição de Deus: ensina a partilha, a generosidade, a solidariedade.

O gesto de partilha de Eliseu é um manifesto contra o egoísmo, contra o açambarcamento, contra a ganância, contra o fechamento em si próprio. Diz-nos que a partilha nunca empobrece, mas multiplica infinitamente os dons que Deus põe à nossa disposição. É um gesto que anuncia um mundo novo, um mundo transformado, um mundo solidário, um mundo construído ao estilo de Deus, um mundo onde todos os filhos e filhas de Deus têm lugar à mesa da Vida e da esperança. Acreditamos nesse mundo e estamos genuinamente apostados em construí-lo? Quando somos chamados a fazer opções – inclusive políticas e ideológicas – temos em conta o projeto de Deus para o mundo?

No Evangelho, Jesus oferece aos discípulos e à multidão o “sinal” da multiplicação dos pães e dos peixes. O seu gesto “abre os olhos” dos discípulos e fá-los perceber que só a lógica da partilha, da gratuidade, do dom generoso, do serviço humilde podem multiplicar o “pão” que sacia a “fome” do mundo. É esta lógica que permite passar da escravidão dos bens à liberdade do amor; é esta lógica que fará nascer um mundo mais humano, mais solidário, mais fraterno.

A preocupação de Jesus com a “fome” daquela multidão que O segue, sinaliza a preocupação de Deus em dar a todos os seus filhos e filhas Vida em abundância. É uma boa e bela notícia: Deus preocupa-se connosco, com a nossa carências e dificuldades, e está verdadeiramente empenhado em proporcionar-nos o “alimento” de que necessitamos para construirmos vidas com sentido. Estamos e estaremos sempre no coração de Deus; Ele encontrará sempre forma de vir ao nosso encontro para nos oferecer a sua Vida. Sabemos isto? Sentimo-nos acompanhados por Deus, mesmo quando nos parece que caminhamos de mãos e de coração vazio? Confiamos na bondade, no cuidado e no amor de Deus?

Na segunda leitura, Paulo lembra aos crentes algumas exigências da vida cristã. Recomenda-lhes, especialmente, a humildade, a mansidão e a paciência: são atitudes que não se coadunam com esquemas de egoísmo, de orgulho, de autossuficiência, de preconceito em relação aos irmãos.

A Igreja é uma unidade; mas é também uma comunidade de pessoas muito diferentes, em termos de raça, de cultura, de língua, de condição social ou económica, de maneiras de ser e de ver a vida… As diferenças legítimas nunca devem ser vistas como algo negativo, mas como uma riqueza para a vida da comunidade; não devem levar ao conflito e à divisão, mas a uma unidade cada vez mais estreita, construída no respeito e na tolerância. A diversidade é um valor, que não pode nem deve anular a unidade e o amor dos irmãos. Como é que lidamos com as diferenças e as “originalidades” dos irmãos que caminham connosco? Vemo-las como algo que nos enriquece a todos, ou como ameaças à nossa “ordem” e aos nossos esquemas pessoais?

www.dehonianos.org

sábado, 27 de julho de 2024

MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO PARA O IV DIA MUNDIAL DOS AVÓS E DOS IDOSOS



«Na velhice, não me abandones» (cf. Sal 71, 9)

Queridos irmãos e irmãs!

Deus nunca abandona os seus filhos; nem sequer quando a idade vai avançada e as forças já declinam, quando os cabelos ficam brancos e a função social diminui, quando a vida se torna menos produtiva e corre o risco de parecer inútil. O Senhor não olha para as aparências (cf. 1 Sam 16, 7), nem desdenha escolher aqueles que, aos olhos de muitos, parecem irrelevantes. Não descarta pedra alguma; antes, as mais «velhas» são a base segura sobre a qual se podem apoiar as pedras «novas» para, todas juntas, construírem o edifício espiritual (cf. 1 Ped 2, 5).

A Sagrada Escritura é, toda ela, uma narração do amor fiel do Senhor, da qual emerge uma certeza consoladora: em todas as fases da vida e em qualquer condição que nos encontremos, inclusive nas nossas traições, Deus continua sempre a mostrar-nos a sua misericórdia. Os salmos estão repletos da maravilha do coração humano à vista do modo como Deus cuida de nós, apesar da nossa insignificância (cf. Sal 144, 3-4); asseguram-nos que Deus teceu cada um de nós desde o seio materno (cf. Sal 139, 13) e nunca abandonará a nossa vida, nem mesmo na morada dos mortos (cf. Sal 16, 10). Podemos, portanto, estar certos de que estará ao nosso lado também na velhice; aliás, segundo a Bíblia, é sinal de bênção poder envelhecer.

E contudo, nos salmos, encontramos também esta sentida invocação ao Senhor: «Não me rejeites no tempo da velhice» (Sal 71, 9). Uma frase forte, crua. Faz pensar no sofrimento extremo de Jesus, quando gritou na cruz: «Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?» (Mt 27, 46).

Assim, na Bíblia, encontramos a certeza da proximidade de Deus em todas as estações da vida e, simultaneamente, o temor do abandono, especialmente na velhice e nos períodos de sofrimento. Não se trata duma contradição. Se olharmos em redor, não teremos dificuldade em constatar como tais expressões espelham uma realidade bem evidente. A molesta companheira da nossa vida de idosos e avós é, com frequência, a solidão. Muitas vezes me sucedeu, como bispo de Buenos Aires, ir visitar lares de terceira idade, dando-me conta de como raramente recebiam visitas aquelas pessoas: algumas, há muitos meses, não viam os seus familiares.

Muitas são as causas desta solidão. Em tantos países, sobretudo nos mais pobres, os idosos vivem sozinhos porque os filhos foram obrigados a emigrar. Depois, nas numerosas situações de conflito, quantos idosos ficam sozinhos, porque os homens – jovens e adultos – tiveram de ir combater, e as mulheres, sobretudo as mães com crianças pequenas, deixam o país para dar segurança aos filhos. Nas cidades e aldeias devastadas pela guerra, permanecem sozinhos muitos idosos e anciãos, únicos sinais de vida em áreas onde parecem reinar o abandono e a morte. Além disso, noutras partes do mundo, existe uma convicção falsa, mas profundamente enraizada nalgumas culturas locais, que gera hostilidade contra os idosos, suspeitados de recorrer à feitiçaria para se apoderarem das energias vitais dos jovens; e assim, em caso de morte prematura, doença ou sorte desfavorável que recaiam sobre um jovem, a culpa é atribuída a algum idoso. Esta mentalidade deve ser combatida e erradicada. É um daqueles preconceitos sem fundamento do qual já nos libertou a fé cristã, mas ainda alimenta uma certa conflitualidade geracional que persiste entre jovens e idosos.

Se pensarmos bem, está hoje muito presente por todo o lado esta acusação, lançada contra os velhos, de «roubar o futuro aos jovens»; sob forma diversa, aparece mesmo nas sociedades mais avançadas e modernas. Por exemplo, está já muito espalhada a convicção de que os idosos fazem pesar sobre os jovens os custos da assistência de que necessitam, subtraindo assim recursos ao desenvolvimento do país e, consequentemente, aos jovens. Trata-se duma visão distorcida da realidade: é como se a sobrevivência dos idosos colocasse em risco a dos jovens, ou como se, para favorecer os jovens, fosse necessário negligenciar os idosos ou mesmo eliminá-los. O contraste entre as gerações é um equívoco, um fruto envenenado da cultura do conflito. Opor os jovens aos idosos é uma manipulação inaceitável: «O que está em jogo é a unidade das idades da vida: ou seja, o verdadeiro ponto de referência para a compreensão e a apreciação da vida humana na sua totalidade» (Francisco, Catequese, 23.02.2022).

O salmo já citado, em que se pede para não ser rejeitado na velhice, menciona uma conjura que cresce contra a vida dos idosos. As suas palavras parecem excessivas, mas podem-se compreender quando se considera que a solidão e o descarte dos idosos não são casuais nem inevitáveis, mas fruto de opções – políticas, económicas, sociais e pessoais – que não reconhecem a dignidade infinita de cada pessoa, «para além de toda a circunstância e em qualquer estado ou situação se encontre» (Dicastério para a Doutrina da Fé, Declaração Dignitas infinita, 08.04.2024, n. 1). Isto acontece quando se perde vista o valor de cada pessoa, tornando-se ela apenas uma despesa que, em alguns casos, aparece demasiado elevada para pagar. O pior é que, muitas vezes, acabam dominados por esta mentalidade os próprios idosos que chegam a considerar-se como um fardo, sendo os primeiros a quererem desaparecer.

Aliás, há hoje muitas mulheres e homens que procuram a própria realização pessoal numa existência tão autónoma e desligada dos outros quanto possível. A recíproca pertença está em crise, acentua-se o individualismo; a passagem do «nós» ao «eu» constitui um dos sinais mais evidentes dos nossos tempos. A família, que é a primeira e a mais radical contestação da ideia de nos podermos salvar sozinhos, é uma das vítimas desta cultura individualista. Mas, quando se envelhece, à medida que as forças diminuem, a miragem do individualismo, a ilusão de não precisar de ninguém e de poder viver sem vínculos, revela-se o que verdadeiramente é: em vez disso, encontramo-nos a precisar de tudo, mas agora sozinhos, sem ajuda, sem ninguém com quem possamos contar. É uma triste descoberta, que muitos fazem quando já é demasiado tarde.

A solidão e o descarte tornaram-se elementos frequentes no contexto em que estamos imersos. Têm múltiplas raízes: nalguns casos, são o resultado duma exclusão planeada, uma espécie de triste «conjura social»; noutros, trata-se infelizmente duma decisão própria; noutros ainda, suportam-se fingindo que se trata duma opção autónoma. Cada vez mais «perdemos o gosto da fraternidade» (Francisco, Carta enc. Fratelli tutti, 33) e sentimos dificuldade até para imaginar algo diferente.

Em muitos idosos, é possível notar aquele sentimento de resignação de que fala o livro de Rute quando narra como a anciã Noemi, após a morte do marido e dos filhos, convida as duas noras, Orpa e Rute, a regressarem ao seu país natal e à sua casa (cf. Rt 1, 8). Noemi – como muitos idosos de hoje – tem receio de ficar sozinha, mas não consegue imaginar nada diferente. Como viúva, tem consciência de valer pouco aos olhos da sociedade e está convencida de que é um peso para aquelas duas jovens que, ao contrário dela, têm toda a vida pela frente. Por isso, acha melhor afastar-se; e ela mesma convida as suas noras jovens a deixá-la para ir construir o futuro delas noutros lugares (cf. Rt 1, 11-13). As suas palavras são um concentrado de convenções sociais e religiosas que parecem imutáveis e que marcam o próprio destino.

Chegada aqui, a narração bíblica apresenta-nos duas opções diferentes face ao convite de Noemi e, consequentemente, face à velhice. Uma das duas noras, Orpa, que também ama Noemi, beija-a com um gesto carinhoso, mas aceita a solução que também lhe parece ser a única possível e segue o seu caminho. Rute, porém, não se separa de Noemi, dirigindo-se-lhe com palavras surpreendentes: «Não insistas para que te deixe» (Rt 1, 16). Não tem medo de desafiar os costumes e o sentimento comum; acha que aquela mulher idosa precisa dela e, com coragem, permanece ao seu lado naquela que será, para ambas, o início duma nova viagem. A todos nós – rendidos à ideia de que a solidão seja um destino inevitável –, Rute ensina que, à imploração «não me abandones», é possível responder «não te abandonarei!» Não hesita em subverter o que parece ser uma realidade imutável: viver sozinhos não pode ser a única alternativa. Não é por acaso que Rute – aquela que fica junto da idosa Noemi – foi uma antepassada do Messias (cf. Mt 1, 5), de Jesus, o Emanuel, Aquele que é «Deus connosco», Aquele que aconchega e aproxima a Deus todos os homens, de todas as condições, de todas as idades.

A liberdade e a coragem de Rute convidam-nos a percorrer uma nova estrada: sigamos os seus passos, ponhamo-nos a caminho com esta jovem mulher estrangeira e com a idosa Noemi, não tenhamos medo de mudar os nossos hábitos e imaginar um futuro diferente para os nossos anciãos. A nossa gratidão estende-se a todas as pessoas que, mesmo à custa de muitos sacrifícios, realmente seguiram o exemplo de Rute e estão a cuidar dum idoso ou simplesmente a demonstrar diariamente solidariedade a parentes ou conhecidos que não têm mais ninguém. Rute escolheu permanecer junto de Noemi e foi abençoada: com um casamento feliz, uma descendência, uma terra. Isto é válido sempre e para todos: mantendo-se junto dos idosos, reconhecendo o papel insubstituível que eles têm na família, na sociedade e na Igreja, também nós receberemos muitos dons, tantas graças, inúmeras bênçãos!

Neste IV Dia Mundial a eles dedicado, não deixemos de mostrar a nossa ternura aos avós e aos idosos das nossas famílias, visitemos aqueles que estão desanimados e já não esperam que seja possível um futuro diferente. À atitude egoísta que leva ao descarte e à solidão, contraponhamos o coração aberto e o rosto radioso de quem tem a coragem de dizer «não te abandonarei!» e de seguir um caminho diferente.

A todos vós, queridos avós e idosos, e às pessoas que vos acompanham, chegue a minha bênção acompanhada pela oração. E também vós, por favor, não vos esqueçais de rezar por mim.

Roma, São João de Latrão, 25 de abril de 2024.

FRANCISCO

sexta-feira, 26 de julho de 2024

DIA DOS AVÓS COM INDULGÊNCIA PLENÁRIA


Com a Mensagem do Papa Francisco intitulada “Na velhice não me abandones’, vamos viver o Quarto Dia Mundial dos Avós e dos Idosos. Por determinação de Francisco, esta Festa é sempre celebrada, desde há quatro anos a esta parte, no quarto Domingo de julho de cada ano, o Domingo mais próximo do dia 26 de julho, dia litúrgico de Santa Ana e de São Joaquim, pais da Virgem Maria, avós de Jesus. Este ano, cumpridas as condições habituais da confissão sacramental, da comunhão eucarística e da oração pelas intenções do Santo Padre, a Igreja concede a Indulgência Plenária aos avós, aos idosos e a todos os fiéis que, motivados por um autêntico espírito de penitência e caridade, participem no dia 28 de julho de 2024, nas celebrações e atos religiosos que se realizem. Igualmente é concedida aos fiéis que, neste dia 28 de julho, dediquem um tempo adequado a visitar pessoas idosas, necessitadas ou em dificuldade, como doentes, pessoas sozinhas, pessoas com deficiência, etc. Como também podem lucrar a Indulgência Plenária os idosos doentes e todos os que, impossibilitados de sair de casa por grave motivo, se unirem espiritualmente às funções sagradas do Dia Mundial, oferecendo a Deus as sua orações, dores e sofrimentos, principalmente quando as várias celebrações forem transmitidas pelos meios de comunicação social, desde que, com desapego a qualquer pecado, tenham a intenção de cumprir, logo que possível, as três habituais condições: confissão sacramental, comunhão eucarística e oração pelas intenções do Papa. Para que esta oportunidade possa acontecer, é pedido aos sacerdotes que se disponibilizem, com espírito pronto e generoso, para a celebração da Penitência. A doutrina e a prática das indulgências estão estreitamente ligadas aos efeitos do sacramento da Penitência e têm como finalidade aumentar a devoção dos fiéis e a salvação das almas, podendo também ser aplicada como sufrágio pelas almas do Purgatório.
O pecado tem, como consequência da sua própria natureza, uma pena eterna ou uma pena temporal. A pena eterna é a que resulta do pecado grave que, não remido, não perdoado antes da morte, priva da comunhão com Deus, torna a pessoa incapaz da felicidade eterna, é a pena eterna do pecado. A pena temporal, por sua vez, é aquela que todo o pecado, mesmo o venial, embora já perdoado quanto à culpa, arrasta consigo. Esta pena precisa de ser remida, nesta vida terrena ou depois da morte, no Purgatório. É uma graça que todo o cristão deve esforçar-se por aceitar.
Nem sempre é fácil de explicar e de entender o que é a ‘pena temporal’ do pecado e como é que a Indulgência pode ajudar neste processo da sua remissão. Para o fazer, sacam-se do bolso alguns exemplos práticos, entendíveis por uns não tanto por outros. Alguém, duma forma simples, explicava assim: imaginem um prego cravado numa tábua. Na pessoa, esse prego é o pecado. Imaginem agora que alguém arranca o prego dessa tábua. Na pessoa, esse prego, que é o pecado, ‘arranca-se’ com a absolvição no sacramento da Confissão, devidamente celebrado. Na tábua, se se tira o prego, fica uma marca. Na pessoa, o pecado fica perdoado quanto à culpa, mas, digamos, fica uma ‘marca’ que urge ser purificada. Na tábua, se se quiser tirar a marca do prego, tem de se fazer alguma coisa. Na pessoa, a Indulgência, cumpridas as suas exigências, ajuda a purificar essa ‘marca’, essa pena temporal do pecado. Outro exemplo: alguém parte um vidro duma vidraça do vizinho. Quem o partiu está arrependido, pede desculpa, é-lhe perdoada a culpa. No entanto, uma vez perdoado, é bom que repare o mal feito, que pague o vidro. Essa é a pena que deve cumprir, não por capricho do dono da vidraça, mas por um dever de justiça da sua parte. Imagine que uma pessoa difama outra. Reconhece que errou, arrependida pede perdão, é perdoada. No entanto, deve reparar o mal que fez à pessoa em causa, reparando-lhe a fama e a humilhação porque passou, não por capricho desta pessoa, mas por um dever de justiça de quem a caluniou. Quem rouba, pode ser perdoado, mas tem de restituir o que roubou. Etc.
Quem, não tendo pecados graves ou pela absolvição sacramental morre na graça e na amizade de Deus, tem garantida a salvação eterna, está salvo. Ser santo, porém, entrar na bem-aventurança eterna, implica despojar-se do homem velho e revestir-se do homem novo, amando a Deus com todo o coração, com toda a alma, com todo o entendimento. Porque o perdão do pecado não evita a pena, impõe-se a sua expiação, neste mundo ou no Purgatório. Não por uma exigência caprichosa de Deus, mas por uma exigência de reparação pelos nossos pecados. O amor e a misericórdia de Deus para connosco não invalida a sua justiça e santidade. Ele não poderia simplesmente tolerar o nosso pecado. Por isso, a maior prova da sua justiça e santidade está na incarnação do seu próprio Filho, que pagou por nós com a sua própria vida. Para se redimir dessas penas do pecado, que ferem e fragilizam a nossa relação com Deus e o próximo, a Igreja recomenda a oração, o amor fraterno, as obras de penitência, de misericórdia e de caridade, mas também as indulgências, uma graça concedida que o próprio pode lucrar para si ou para os fiéis defuntos. É isso que a Igreja nos quer proporcionar com a graça da Indulgência, que, desde que cumpridas as necessárias condições, pode ser plenária ou parcial, consoante liberta parcial ou totalmente da pena temporal devida ao pecado. A que se pode lucrar no próximo Domingo é plenária.
D, Antonino Dias - Bispo Diocesano
Portalegre-Castelo Branco, 26-07-2024.

Bispo convoca a diocese para celebrar os 475 anos da sua criação



 No dia 21 de agosto, a Diocese de Portalegre – Castelo Branco celebra 475 anos da sua criação e o bispo diocesano, D. Antonino Dias, convida as pessoas para a festa comemorativa.

Nesse dia, pelas 16h00, o cónego Bonifácio Bernardo fala sobre os “Documentos fundacionais”, depois haverá um momento musical e pelas 17h00 realiza-se a abertura da exposição evocativa na catedral de Portalegre.

Pelas 18h00 faz-se a abertura do Ano Jubilar e Eucaristia de Ação de Graças.

“Ao longo destes quase cinco séculos, muita coisa mudou. O território foi alterado e o nome acrescentado, mas ainda assim há uma ligação clara entre a decisão do Papa Paulo III, versada na bula Pro Excellenti Apostolicae Sedis e a nossa identidade eclesial atual”, refere a nota.

O Papa Francisco concedeu, a pedido de D. Antonino Dias, por razão desta efeméride, à Catedral de Portalegre, a graça de ser Igreja Jubilar de 21 de agosto de 2024 a 21 de agosto de 2025.

A partir dessa data, a Igreja Catedral de Portalegre estará disponível para quem, em grupo ou pessoalmente, ali queira peregrinar.

Por arciprestado, estão agendadas também peregrinações: Abrantes (20 de outubro de 2024); Castelo Branco (22 de setembro 2024); Ponte de Sor (6 de outubro de 2024); Portalegre (15 de setembro de 2024) e Sertã (29 de setembro de 2024).

LFS ( Ecclesia)

quinta-feira, 25 de julho de 2024

Hino à Vida...



Hino à Vida...

Existimos! Há bênção maior?

Somos presentes de um enredo maravilhoso chamado Vida. Cada encruzilhada que ultrapassamos ensina-nos a viver.

Cada momento que observamos ajuda-nos a construir uma relação íntima com o que somos. O que trazemos dentro, o que nos sustenta. O que nos faz querer abraçar o dia e a noite. A luz e a sombra. A coragem e o medo.

Porque a Vida é uma dualidade constante, onde a nossa fé nos move e nos enche de esperança a caminhar neste mundo de ilusão.

O lugar de cada um de nós é na arena, a esforçar-se , a tentar, a errar, a conhecer a alegria de tantos momentos, a tristeza de outros quantos, mas a nunca, nunca desitir. A acreditar sempre , a ousar ser!

A Vida é feita para ser partilhada. Inundada de amor. Viver onde o nosso coração encontra paz. Onde o amor mora, pois o amor é, sem dúvida, a força transformadora da Vida.

E que esta Vida seja fruto diário de entrega, com confiança no que temos dentro e nos faz contemplar o sol, a lua, o mar e as estrelas.

Que em cada coração brilhe a paz.

Boa semana!


Carla Correia


quarta-feira, 24 de julho de 2024

Por onde começar?



Sabes amiga, “preciso de mudar algo, preciso parar, preciso de mudar de vida”…Quantas vezes damos por nós a pensar que não estamos bem no sítio que estamos nem a fazer o que fazemos, mas também não conseguimos vislumbrar um caminho diferente nem melhor. Somos assolados por medos e sentimo-nos sós. Por um lado temos medo de partilhar essa fragilidade com alguém, por outro vamo-nos acomodando ao que temos e achando que ”não vale a pena” pois “não estou bem, mas também não estou mal”.

Mas de vez em quando, há um rasgo de vontade. De vez em quando ganhamos uma gana de aventura, de arriscar, de tentar a sorte e esquecer as amarras e erguemos a alma à procura de um caminho e de uma orientação mas:

Por onde começar?

A resposta surge, muitas vezes, de um discernimento pessoal, de um texto que lemos, uma publicação ou de uma conversa, mas nem por isso é fácil começar.

Outras vezes somos forçados a começar algo, simplesmente, porque já não aguentamos a situação presente. Nessas alturas não temos tempo para esperar novos ares e parece que estamos sós e nada nem ninguém nos pode valer mas temos um problema e temos de agir.

Não raras vezes sentimo-nos numa redoma pois os amigos são os mesmos, as conversas são as do costume vivemos numa bolha que nos apetece rebentar. Precisamos de mudar mas:

Por onde começar?

Por onde começar essa viagem interior? A quem recorro? A quem peço conselhos? Com quem partilho a minha fragilidades? A quem peço ajuda?

O caminho começa assim, com mais duvidas do que certezas! Propõe-te a fazer caminho e a permitir desbravar terreno. Procura bons companheiros de viagem, que podem não ser os que estão contigo agora, e á medida que firmas os passos vais começar a ver mais claramente as oportunidades que vão surgir. Não é fácil mas tens de começar, tu consegues!

E tu amiga, já sabes por onde começar?


Raquel Rodrigues


terça-feira, 23 de julho de 2024

Só ama quem vai além da razão



Amar é acreditar para lá das evidências. Confiando em si mesmo, no outro e nas circunstâncias futuras. Sem esta entrega ao que não controlamos é impossível alguém dar-se a um outro.

Confia. Deposita a tua fé e age como se ela fosse já uma certeza. Se tiveres demasiada sensatez, talvez nunca tropeces nem caias, mas também nunca chegarás a voar, nem sequer a dar saltos!

Aceita o mundo, mesmo quando te parece errado. Tentar combater o passado é, na maior parte dos casos, uma perda de energia, sem grande retorno. A história depende sempre muito de quem a conta. Não percas tempo a querer emendar o mundo que já passou, foca-te no hoje para que o amanhã seja melhor!

Amar exige que a nossa vulnerabilidade seja tão verdade quanto a nossa força. Que nos exponhamos à possibilidade de ser magoados, sabendo que isso acabará por acontecer, mas que a esperança deverá ser sempre maior do que os desesperos.

A felicidade não é o prazer, não é a ausência de dor, não é ter muitas coisas ou ser muito poderoso. É feliz quem faz da sua vida uma aventura que, apesar de todas as adversidades, se vai aproximando do céu. Muitas vezes é preciso mudar de caminho, de rumo, algumas vezes começar tudo outra vez… mas o que importa é que nunca deixemos de perseguir a mesma meta: a integridade de uma vida com sentido e valor em busca da felicidade para a qual fomos criados.

Por que razão tantos homens e mulheres fizeram aquilo que até então era considerado impossível? Porque não acreditaram que era impossível!

Por vezes, assusta ter de acreditar quando o óbvio é o contrário, mas se o amor indica que é por aí… valerá a pena arriscar, ainda que o resultado seja uma queda. Afinal, não há sequer comparação entre o que perdemos por fracassar e o que perdemos por não tentar. No amor, como na vida, as derrotas são tão importantes como as vitórias. Tudo passa, só o amor segue adiante.


José Luís Nunes Martins



segunda-feira, 22 de julho de 2024

Reunir…



Ai de mim, Jesus, Bom Pastor

se não assumir o compromisso do meu Batismo:

“Ser profeta! Ser Sacerdote! Ser Rei!”


Hoje, a Tua Palavra de compaixão

inquieta-me e envia-me como Pastor…

como Sacerdote capaz de reunir todas as Tuas ovelhas,

à volta da mesma mesa: O altar da Eucaristia!

Capaz de despertar a Esperança no coração de quem anda sem rumo!

Capaz de preparar um lugar isolado,

para que cada um de nós descanse um bocadinho!


Somos Um Só Povo: O rebanho muito amado do Bom Deus!

Um só Corpo: O Teu, Jesus Cristo.

Uma só missão: conduzir a humanidade inteira por sendas direitas.


Com as luzes do Espírito Santo,

a arder no meu coração,

canto um hino de Paz:

Que reine sempre a amizade entre nós, que somos Batizados!

Que a Cruz nos reconcilie no Amor de Deus, nosso Pai!

Que o Pão Vivo nos faça embarcar fortalecidos

na Missão de levar Jesus a todos e todos a Jesus.


E tu, que fazes parte dessa grande multidão?

Não queres reunir-te connosco?

Porque teimas em ser ovelha sem Pastor?


Vem! Não temas mal algum,

porque o Senhor é nosso Pastor: Nada nos Faltará!


Liliana Dinis,

domingo, 21 de julho de 2024

O Senhor é meu Pastor

 



A liturgia do 16.º domingo comum fala-nos do carinho de Deus pelas “ovelhas sem pastor”. Diz-nos que Deus olha com amor de pai e de mãe para aqueles homens e mulheres que vivem desorientados e à deriva, os que não têm quem os guie, defenda e alimente. No coração e na preocupação de Deus esses ocupam um lugar bem especial.

Na primeira leitura, pela voz do profeta Jeremias, Deus condena os “pastores” indignos, aqueles que usam o “rebanho” que lhes foi confiado para concretizar os seus próprios projetos pessoais; e, paralelamente, anuncia que vai, Ele próprio, tomar conta do seu “rebanho”, assegurando-lhe a Vida em abundância.

As palavras de Jeremias contra os “pastores” que se aproveitam do rebanho em benefício próprio talvez nos tenham levado a apontar imediatamente para alguns líderes humanos que conhecemos e que consideramos responsáveis por boa parte do sofrimento que desfeia o nosso mundo… Na verdade, a história humana – mesma a mais recente – está cheia de situações em que as pessoas encarregadas de cuidar da comunidade humana usam o “rebanho” em benefício próprio e magoam, torturam, roubam, assassinam, privam de vida e de felicidade as pessoas que Deus lhes confiam… Teremos alguma responsabilidade – pela nossa indiferença, pelo nosso comodismo, pela nossa instalação, pelo nosso receio de denunciar – em tudo isso? E nós próprios, como é que lidamos com aqueles cuja responsabilidade Deus nos confiou: na família, no emprego, na Igreja? Procuramos colocar o bem de cada pessoa que caminha ao nosso lado acima dos nossos interesses e projetos pessoais?

O Evangelho conta-nos como é que Jesus responde à fome de Vida e de esperança daqueles que o procuram. “Profundamente comovido” com o desnorte das “ovelhas perdidas” que correm atrás d’Ele pelas vilas e aldeias da Galileia, Jesus oferece-lhes a Boa notícia do Reino e do projeto humanizador que Deus tem para o mundo e para os homens. A missão de Jesus também é a missão dos discípulos. Para a concretizar, estes devem manter uma estreita comunhão com Jesus.

A Igreja será sempre a “casa de Jesus”, a casa onde Jesus a todos acolhe com amor. Muitos dos homens e mulheres que partilham connosco o caminho e que se sentem perdidos e desorientados “como ovelhas sem pastor” voltam-se para a comunidade cristã à procura de ajuda, de orientação, de compreensão, de acolhimento… Como é que a nossa comunidade cristã responde a essa procura? Com um elenco de normas, de obrigações, de mandamentos, de regras rígidas, de proibições, de discursos cheios de dogmas e de chavões teológicos, ou com o olhar compadecido e compreensivo de Jesus? As nossas comunidades cristãs são o “hospital de campanha” onde aqueles que a vida magoou podem curar as suas feridas e experimentar a compreensão, o amor, a ternura, a misericórdia de um Deus bom, que é pai e mãe para todos os seus filhos e filhas? A nossa Igreja é rosto de Jesus para os homens e mulheres do nosso tempo?

Na segunda leitura Paulo, dirigindo-se aos cristãos de Éfeso, fala-lhes do desígnio salvador de Deus. Esse desígnio abrange todos os filhos e filhas de Deus, sem distinção de raças, de etnias, de diferenças sociais ou culturais, de experiências religiosas. Deus a todos quer salvar, a todos quer reunir à sua volta. Reunidos na família de Deus, todos os que acolhem o convite à salvação são agora irmãos, unidos pelo amor.

Domingo após domingo a palavra de Deus recorda-nos o projeto de salvação que Deus preparou em nosso favor. A repetição não incomoda: trata-se da questão mais decisiva quanto ao sentido da nossa vida, uma questão que deve estar sempre diante dos nossos olhos para dar sentido ao caminho que vamos percorrendo na história. No entanto, a segunda leitura deste décimo sexto domingo comum põe em relevo um aspeto essencial desse projeto: ele abrange todos os filhos e filhas de Deus, sem distinção de raças, de etnias, de diferenças sociais ou culturais, de experiências religiosas. Deus não faz aceção de pessoas, Deus não discrimina os seus filhos; a todos Ele quer salvar, a todos Ele quer reunir à sua volta. Nós, seres humanos, inventamos fronteiras para proteger as nossas possessões, criamos espaços onde só alguns privilegiados podem aceder, decidimos quem merece e não merece a nossa atenção e o nosso acolhimento; mas Deus enviou-nos o seu Filho Jesus para abolir as barreiras que nos separam, para destruir as velhas inimizades e para nos inserir numa única família, a família de Deus. Que implicações tem isto na nossa forma de ver Deus, de ver a vida e de ver os irmãos que caminham ao nosso lado?


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sexta-feira, 19 de julho de 2024

UMA VISITINHA AO CEMITÉRIO PODE AJUDAR À CURA!...



Quando se abre uma lista de doenças de A a Z e se começa a ler o que por lá vai, não raro, parece que temos todas aquelas doenças e que nem todas as que temos lá constam, sobretudo quando há distúrbios de ansiedade. Se, a par, deitarmos mão de um qualquer manual de terapias para descobrir as que poderão curar tais males, e se lermos bem a literatura que acompanha cada medicamento, logo avaliamos que é preciso ter uma saúde de ferro para aguentar o tratamento e os seus efeitos colaterais.
Se essas doenças, porém, fazem suar as estopinhas de quem as sofre, existe uma outra lista de doenças que Francisco diagnosticou e cuja cura também reclama posologia bem doseada e persistentes cuidados. Pessoas poderá haver, contudo, que não as reconhece em si nem admite que as possa ter. Não raro até, é-se mais diligente em insinuá-las nos outros, mesmo quando os outros as não têm.
Estamos prevenidos e bem prevenidos: pior cego é aquele que não quer ver! Muito pior ainda quando se arregala os olhos para ver o cisco no olho do outro e não a trave que está no nosso. Quem nos preveniu, até trouxe à baila os sepulcros caiados na sua arte de bem parecer: ‘muito formosos por fora, mas, por dentro, cheios de ossos de mortos e de toda a espécie de imundice’. E até nos recordou a malandragem dos hipócritas ‘que limpam o exterior do copo e do prato, quando por dentro estão cheios de rapina e de iniquidade’. De facto, como afirma São Marcos, é ‘do coração da pessoa que saem as más intenções, como a imoralidade, roubos, crimes, adultérios, ambições sem limites, maldades, malícia, devassidão, inveja, calúnia, orgulho, falta de juízo’.
Nos laboratórios das suas reputadas experiências, onde tem queimado as pestanas e gasto a sua vida em dedicado serviço à causa, Francisco, em tempos, recordou algumas das conclusões a que chegou, tendo-as, para bem de todos, reiterado vezes sem fim, pois, como afirmava Napoleão de Bonaparte, a repetição é a melhor figura de retórica. Torno presente apenas a lista de doenças por ele diagnosticadas. Quem desejar conhecer alguns dos sintomas pelos quais essas doenças se manifestam é bom ler o texto original. Eu apenas refiro as doenças, não para alarmar, mas para dizer a todos e a mim próprio que os fármacos são gratuitos, estão disponíveis e bem perto, e que as impaciências doentias, o deixa correr, os caldos de galinha e as mezinhas dos boticários de esquina, isso não resulta, está provado e reprovado. Eis o rol:
‘A doença de sentir-se ‘imortal’, ‘imune’ ou mesmo ‘indispensável’; ‘A doença da atividade excessiva’. ‘A doença do ‘empedernimento’ mental e espiritual’. ‘A doença da planificação excessiva e do funcionalismo’. ‘A doença da má coordenação’. ‘A doença do ‘alzheimer espiritual’. ‘A doença da rivalidade e da vanglória’. ‘A doença da esquizofrenia existencial’. ‘A doença das bisbilhotices, das murmurações e das críticas’. ‘A doença de divinizar os líderes’. ‘A doença da indiferença para com os outros’. ‘A doença da cara fúnebre’. ‘A doença do acumular’. ‘A doença dos círculos fechados’. ‘A doença do lucro mundano, dos exibicionismos’.
O Papa termina, deixando claro que o “único que pode curar qualquer uma destas doenças é o Espírito Santo (...). É o Espírito Santo que sustenta todo o esforço sincero de purificação e toda a boa vontade de conversão”. No entanto, é sempre precisa a consciencialização da doença e a decisão pessoal de se curar, suportando, com paciência e perseverança, o tratamento.
Logo ao elencar a primeira doença, Francisco diz-nos que uma visitinha ao cemitério poder-nos-á ajudar no assumir da cura. De facto, os cemitérios estão cheios de gente que se julgava imortal, imune e insubstituível. E nós, não sei se pelos mesmos caminhos, cá vamos, triunfantes e vaidosos, até ver, mas sem precisar de quem se julgava indispensável e imune. O nome de muitos santos e santas por lá se leem, sem dúvida. Mas é possível que também haja nomes de quem passou por este mundo a viver e a pensar que tinha o rei e o reino na barriga! No entanto, fica-nos sempre a certeza de que Deus é rico em misericórdia!
Quando outros, que nos conheceram, mirarem os nossos nomes por lá, naquelas perfiladas tabuletas de cabeceira, que não lhes apeteça segredar para dentro de si mesmos: ‘que a terra lhe seja leve como leves eram os seus miolos’!
D. Antonino Dias- Bispo Diocesano
Portalegre-Castelo Branco, 19-07-2024.

Uma forma de Ser...



Uma forma de Ser...

A tua forma de fazer!

Esse molde único que te caracteriza. Que te faz ser diferente e que faz a diferença.

Cada um de nós tem as suas ferramentas. Que vai adquirindo, limando e desenvolvendo ao longo da vida

Cada um de nós tem a sua forma Ser, a sua forma de fazer.

Nao se trata de competir, de quem perde ou quem ganha. Trata-se de te agarrares ao que és, ao que tens dentro de ti e fazer com toda a coragem o que tem de ser feito.

E o que tem de ser feito, faz pulsar o teu coração. Querer avançar, mesmo que com medo. Faz-te brilhar os olhos e vibrar a alma.

Ainda que às vezes te "atrapalhes" nos desafios, lembra-te que o amor é a bússola que te leva novamente à rota.

Trata-se apenas de permitires ser quem és. Abraçar o que o coração te diz. Há uma luz na estrada, que te guia a cada momento. Continua, com o teu jeito de ser, com a tua forma de caminhar.

"Eu sou o caminho, a verdade e a vida."

Este convite especial é feito a cada um de nós. Encontra-o dentro de ti.


Carla Correia

quinta-feira, 18 de julho de 2024

Ao amor



Aos abraços que chegam para nos abrigar para sempre. Para nos ser lugar de amor.

Aos sorrisos que chegam para nos melhorar o dia. Para nos abraçar o coração.

Às mãos que chegam para nos amparar. Para nos acompanhar. Para nos confortar.

Aos olhos que chegam para nos olhar a alma. Para nos contar os segredos mais bonitos.

Aos beijos que chegam para nos curar as dores. Para nos fazer sorrir.

Aos colos que chegam para nos aconchegar. Para nos serenar.

Às palavras que chegam para nos falar do coração. Para nos falar ao coração.

Aos silêncios que chegam para nos escutar o coração. Para nos dizer tudo, sem ser preciso dizer.

Aos gestos que chegam para nos tatuar com amor. Para nos mudar o mundo.

Às pessoas que chegam para nos abraçar a alma. Para nos sentir o coração.

Ao amor. Sempre ao amor. Que chega sempre para nos salvar.

Ao amor: O lado bom do mundo. A parte bonita da vida. E de tudo.

Que o recordemos sempre. Sempre.

E que o sejamos sempre. Sempre, também.

Todos os dias. Todos os anos. Toda a vida.


Daniela Barreira

quarta-feira, 17 de julho de 2024

Partir e Pregar…





Senhor, Bendito sejas por me escutares…

Sabes…

tenho um pão que não me deixa partir.

É tão bom sentar à mesa farta…


Tenho um alforge que não me deixa caminhar!

O peso de tudo o que a vida me deu,

carrega os meus ombros com as decisões de um rumo certo e confortável.


Tenho dinheiro que não me deixa “Ser” caridade!

Ser profeta ao serviço dO Cristo faz, de cada Batizado,

alguém capaz de viver sem conta bancária nem mealheiro…


Quem de nós quer ser Profeta?


Senhor, hoje vou olhar para mim.

As lutas diárias pelo ter mais alguma coisa para o futuro.

Não estou errada, mas não estou a ser a Filha digna da Tua herança plena.


Está enraizado em mim o “ter”.

Ser Teu instrumento é brisa que sopra no meu ouvido

mas, também é caminho que fica para além do firmamento.

Assusta-me o infinito e o que pensam sobre mim.

Sou o meu próprio Espírito impuro que me habita…

sem coragem nem força… presa ao “ter”.


Senhor Jesus…

envias-me a pregar a Tua Boa Nova, novamente, por favor?


Envia-me a levar-Te a todos e que eu traga todos a Ti…

Onde o único Pão, capaz de matar a fome, és TU…

Onde o meu alforge carregue, unicamente,

a Tua Palavra de bondade e amor…

Onde o dinheiro não comande o sonho.

Senhor…

que eu calce as minhas sandálias para “Ser” profeta no mundo de hoje…

Que eu seja Tua, para todo o sempre…



Liliana Dinis,


terça-feira, 16 de julho de 2024

Os fins de Ciclo.



Volta e meia somos sujeitos a mudar ciclos, a fechar caminhos e a tomar decisões que implicam mudar de direção.

De vez em quando somos nós que pomos o fim a algo, seja uma relação de amizade, de trabalho ou até amorosa. E por mais que saibamos que é necessário, não é um processo fácil. Temos de arrumar gavetas de memórias e arranjar força e ânimo para novos desafios. É um misto de emoções pois a perspetiva de mudança tanto nos traz o medo como a esperança de uma oportunidade melhor.

Outras vezes, é-nos imposta a mudança e não temos alternativa. Somos forçados a mudar e a recomeçar a luta…outra vez! Quando não fazemos parte da tomada de decisão e apenas somos confrontadas com ela, ficamos sem chão e sem fôlego, mas também não é fácil tu tomares uma decisão de mudança sem teres a certeza que: ”vai tudo correr bem”.

Feche se o ciclo da maneira que se fechar é sempre um processo doloroso pois põe em causa a nossa confiança na nossa capacidade de encontrar outro caminho.

“Fecha-se um ciclo e abrem-se oportunidades”…. pois, o problema é quando as oportunidades teima em não aparecer e somos confrontados com a nossa mente a denegrir a nossa competência e a esquartejar a nossa esperança.

Independentemente das portas das quais temos de sair, dos amigos que temos de despedir, que todos saibamos sair com a cabeça levantada e com a consideração pelo princípio básico das relações: o respeito.

Um grande amigo dizia-me: “a verdadeira essência das pessoas reconhece-se nos momentos maus e na sua capacidade para os ultrapassar”.
 
E tu amiga, que ciclos precisas de fechar?


Raquel Rodrigues

segunda-feira, 15 de julho de 2024

O bem não faz barulho


O mundo está cada vez mais barulhento, como se a maior parte das pessoas estivesse perdida e atormentada. Correm e gritam como se pressentissem uma desgraça maior do que a morte: uma existência sem sentido.

Este pânico contagia-se, mas em vez de nos fazer voltar os olhos e o empenho para a rumo certo, gela-nos e faz-nos juntar aos que não arriscam a sua existência habitual em troca da felicidade que é rara, mas possível.

Tantas vezes é assim no mundo como dentro de nós. Um ruído enorme parece invadir cada recanto do nosso ser. Um vazio que sufoca a nossa voz interior.

As pessoas estão cada vez mais dependentes das lógicas das massas, bandos, manadas, multidões e afastam-se de tudo quanto as podem levar a ficar sozinhas. E fazem barulho para avisar os outros de onde estão e os outros não os percam. Alguns chegam a sonhar deixar de ser quem são, fugirem de si mesmos… para serem apenas… mais um.

O silêncio, que tantas vezes pode ser árido e frio, é a base da nossa natureza, o chão comum às nossas almas. O silêncio cura, porque a verdade só nele se revela.

Há quem não seja capaz de viver sem barulho, necessita do ruído porque não é capaz de se suportar a si mesma, enquanto impõe aos outros o que ela mesma não aguenta.

Uma palavra ou duas bastam para dizer tudo o que é importante. Por vezes, basta um ‘Eis-me aqui’ para que o amor se faça presença e fira de morte a solidão do outro.

Um coração em sofrimento não faz barulho, nem mesmo quando se parte.

O barulho não é bom e o bem faz-se de forma discreta.

Quando é o silêncio quem desperta em nós uma espécie de alegria que é luz… quando quase conseguimos adivinhar uma melodia belíssima escondida por detrás de um silêncio bom e amável… quando é assim, precisaremos de muito poucas palavras para fazer milagres nas vidas daqueles a quem somos chamados a tocar.

Não faças barulho. Foge dele.

Não temas o silêncio. Aceita-o e procura nele o que mais precisas. Encontrarás.


José Luís Nunes Martins


domingo, 14 de julho de 2024

Testemunhas do amor de Deus

 



A liturgia do 15.º Domingo do Tempo Comum mostra-nos como é que se concretiza a intervenção de Deus no mundo e na história humana. Ele chama homens e mulheres e, através deles, indica caminhos, corrige os passos mal andados, transforma o mundo, deixa-nos uma oferta de salvação e de Vida. Os seus “enviados” são arautos e sinais da bondade e do amor de Deus no mundo dos homens.

A primeira leitura mostra-nos um profeta chamado Amós a atuar, em nome de Deus, no santuário real de Betel. Convocado e enviado por Deus, Amós denuncia um culto vazio e estéril, refém de interesses políticos e aliado da injustiça, que não liberta nem salva. Coerente e livre, sem cedências a compromissos rasteiros, Amós é “voz” de Deus que ecoa no mundo e questiona os homens.
A Igreja, para poder exercer com fidelidade a sua missão profética, tem de evitar colar-se aos poderosos e depender deles, sob pena de ser infiel à missão que Deus lhe confiou. Uma Igreja que está preocupada em não incomodar o poder para manter privilégios fiscais, ou para continuar a receber dinheiro para as instituições que tutela, será uma Igreja escrava, de mãos atadas, dependente, que está longe de Jesus Cristo e da sua proposta libertadora. Como vemos a missão profética que a Igreja é chamada a viver no mundo? Na nossa avaliação, essa missão vai-se cumprindo sem desvios nem transigências, na fidelidade radical ao Evangelho de Jesus?

O Evangelho mostra Jesus a enviar doze dos seus discípulos em missão. Essa missão – que está no prolongamento da própria missão de Jesus – consiste em anunciar o Reino de Deus e em lutar contra tudo aquilo que ameaça a Vida e a felicidade dos homens. Os enviados de Jesus como arautos de um mundo novo, devem evitar tudo o que pode atrasar ou condicionar a missão que lhes foi confiada.
O testemunho e a construção do Reino de Deus são o grande desafio que Jesus deixou aos seus seguidores. No entanto, todos nós, discípulos de Jesus, sabemos como é difícil que o nosso testemunho seja escutado e acolhido. Sentimos que temos uma ótima proposta para apresentar, mas que essa proposta nem sempre encontra o acolhimento que merece; parece que, por muito que nos esforcemos, o “mundo” não está interessado no testemunho que damos de Jesus. Porquê? A culpa é da sociedade e dos valores vigentes, ou é da forma como damos testemunho? O que é que torna pouco convincente e pouco credível aquilo que anunciamos?

A segunda leitura, a pretexto de nos apresentar “o mistério” da salvação, recorda-nos que pertencemos a Deus e fomos destinados para o seu serviço. Somos, portanto, convidados a acolher os projetos que Deus tem para nós e para o mundo, e a concretizá-los com verdade, fidelidade e radicalidade.
O hino da Carta aos Efésios que a liturgia deste domingo nos trouxe afirma a centralidade de Cristo nesta história de amor que Deus quis viver connosco… Jesus veio ao nosso encontro, mostrou-nos o amor que o Pai nos tem e deu-nos a conhecer o “mistério” da sua vontade. Ele apontou-nos o caminho que devemos percorrer para nos tornarmos “filhos de Deus”, herdeiros da Vida eterna. Cristo, o nosso irmão, o Deus que se fez um de nós e caminhou no meio de nós, é a nossa grande referência. Estamos conscientes disso e caminhamos atrás de Jesus, sem o perder de vista? As suas palavras e os seus gestos são para nós a suprema indicação do caminho que devemos percorrer? Aqueles que caminham pelo mundo ao nosso lado encontram nos nossos gestos e atitudes sinais vivos do amor de Deus revelado em Jesus?

www.dehonianos.org

sábado, 13 de julho de 2024

Vazio(s) da vida...




Vazio(s) da vida...


Às vezes é no vazio da vida, que encontramos o retorno a casa.

Que nos vestimos de simplicidade e redescobrimos a beleza de cada encontro.

Que olhamos para o profundo de cada um e vemos onde a verdade se instala.

Que compreendemos que o coração sabe. Sabe sempre. Qual o caminho a percorrer.
                                                                                                       
Que nada se perde. Que tudo nos acrescente na soma dos dias.

        
Que é naquele palpitar que o amor habita.

Que quando nos despimos de tudo o que ofusca, encontramos a alegria da vida.

Às vezes é no vazio da vida, que encontramos o retorno a casa.

A casa onde cada um é. Livre. Fiel a si mesmo. Onde abraça cada bocadinho de céu e o oferece a quem chega.

Às vezes é no vazio da vida, que mais somos, mais damos, mais amamos.
E é nesse vazio, que a fé nos encontra. Onde o tudo e o nada se espera. Pois a existência plena de cada um, basta.



Carla Correia

sexta-feira, 12 de julho de 2024

QUANDO AS DEMOCRACIAS IGNORAM A CIÊNCIA!...



Galileu, criador do método científico, foi um lutador contra a negação da ciência, um defensor da liberdade e da honestidade intelectual. Ao defender as ideias heliocêntricas, viu-se em palpos de aranha, foi condenado. Má sorte! Mesmo que obrigado a negar publicamente o que a ciência lhe dizia, não deixou de segredar: ‘no entanto, ela move-se’. Faleceu em prisão domiciliária na noite de 8 de janeiro de 1642, desgostoso e sofrido. A questão não foi tanto entre religião e ciência. Nem o próprio Galileu via a coisa assim. Aliás, foi o Padre Nicolau Copérnico, Cónego da Catedral de Frauenburg, Polónia, o primeiro que, fazendo da torre da catedral o seu observatório astronómico, defendeu a teoria heliocêntrica, contradizendo a geocêntrica de Ptolomeu. As contribuições de Kepler e de Galileu, também católicos, é que confirmaram mais essa constatação. O problema esteve do lado de quem tinha poder e se julgava dono da verdade. A Bíblia nunca foi nem é um livro de ciência. A linguagem bíblica é metafórica e não se pode dizer que tenha erros. O erro está em interpretá-la de forma literal ou em usá-la como coisa que ela não é. Urbano VIII, embrulhado pelos seus acólitos, cultura e ambiente do tempo, fez isso, errou. A Igreja, porém, também ao seu mais alto nível, reconheceu o erro e seguiu em frente. Nunca desistiu da ciência, penetrando também ela por vários caminhos da criação e divulgação de conhecimento. Sempre o fez, vendo na ciência uma espécie de ‘purificação intelectual’, um serviço à verdade e ao próprio homem. São João Paulo II, afirmou-o, pública e humildemente. O Papa Francisco, em tempos, afirmou que nem o Big Bang nem a teoria da evolução de Darwin estão em conflito com a fé. Bento XVI falava eloquentemente sobre a necessidade de a ciência e a fé darem as mãos para chegarem ainda mais longe. Através dos tempos, muitas pessoas da Igreja, incluindo padres e bispos, fizeram descobertas científicas que marcaram a história da ciência e o progresso científico. Alguns continuam a desbravar esses caminhos.
Os nossos dirigentes europeus e nacionais, hoje, não ignoram, por certo, a ciência, promovem-na. Em certos âmbitos, porém, fazem dela tábula rasa. O Parlamento Europeu aprovou uma resolução a reclamar que o recurso ao aborto, como método anticoncetivo, seja consagrado como direito fundamental na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Segundo essa petição, no Artigo 3º deve constar que “todas as pessoas têm o direito à autonomia sobre o corpo, o acesso gratuito, informado, pleno e universal à saúde e aos direitos sexuais e reprodutivos, e a todos os serviços de saúde conexos, sem discriminação, incluindo no acesso ao aborto seguro e legal”. A intenção é eliminar todas as restrições e obstáculos afetivos, parentais, jurídicos, financeiros, sociais, médicos, etc. etc. que se oponham ao aborto, pressionando ou obrigando mesmo os países a que o façam, também em conformidade com as orientações da OMS que estão na mesma linha.
Se os meus apontamentos estão certos, houve 336 votos a favor, 163 contra e 39 abstenções. No entanto, a petição precisa ainda de ser aprovada por outras instâncias da EU. Entre nós, afinam pelo mesmo diapasão o PS, o BE, o PCP, o PAN, o L e a IL. Os homens têm livre escolha de procriar, as mulheres não. Por isso, a única maneira de acabar com esta descriminação, é que as mulheres tenham o direito ao aborto, dizem. Para eles, o aborto não mata, salva vidas. Além disso, defendem que as mulheres têm o direito de decidir sobre o seu próprio corpo. A questão, porém, é que se trata doutro ser humano. A ciência diz que, desde a sua conceção, há uma nova vida. Não uma qualquer espécie de vida, mas uma vida humana. Não nascida, é verdade, mas existente e viva. Sabemos que os conhecimentos sobre o ADN, as ecografias 3D, 4D e 5D permitem afirmar isso e acompanhar o crescimento da criança. Não será essa, pois, uma iniciativa contra a ciência? O direito ao aborto será mesmo um direito humano? Uma liberdade fundamental? Será que o aborto não mata mesmo o outro, mas salva vidas? Ou será que a verdade científica e os direitos humanos, em certas circunstâncias, podem depender de maiorias parlamentares ou outras, ou da vontade subjetiva de cada um? Será que a ciência aqui não conta? Ou será que, hoje, o negar a ciência já não significa atraso nem obscurantismo e passou a demonstrar progresso e ideias arejadas? E será que o direito sobre o próprio corpo não promove a desigualdade, tornando os mais frágeis vítimas de quem sobre eles superentende? Não será isso consagrar na lei que há seres humanos que nem sequer têm o direito de que os deixem nascer e viver? Mas o direito à vida não é o direito fundamental, o maior dos direitos sobre os quais assentam todos os outros direitos? E será que a iniciativa em causa constitui mesmo um avanço nos direitos das mulheres, um progresso para os países, um direito sexual e reprodutivo e/ou um passo fundamental para a defesa da liberdade, da igualdade, da justiça e da saúde sexual e reprodutiva em toda a União Europeia, como afirmam? Não será isto meramente ideológico, anticientífico, promotor da desigualdade humana e destruidor duma sociedade a partir de dentro? Será que o direito de decidir sobre o meu próprio corpo, me permite decidir sobre se o outro, que depende total e absolutamente de mim, deve continuar a existir ou deve ser morto por interesses vários? Não vem isso contradizer a essência dos direitos humanos e a essência do próprio direito? Será que a criança é propriedade da mulher e que entre a criança e ela não existe uma relação pessoal, maternal, filial? Não é um dever da legislação, dos políticos, da política e duma sociedade que se preze de o ser, servir os mais frágeis e desfavorecidos, sobretudo os que estão à mercê da vontade de terceiros? E não dizem as autoridades públicas que estão para servir o povo, todo o povo? Então, porque se vive preocupado em tutelar os ‘direitos’ de quem mata e não se defende quem vai ser morto? Será um verdadeiro Estado democrático aquele que disponibiliza serviços e subsidia a ‘morte segura’ (!) dum ser humano para que não cause problemas àquele que mata, abortando? Não será mais justo e humano que o Estado faça tudo para que as mulheres vivam com alegria a sua maternidade? A grandeza e a dignidade da mulher bem como os direitos humanos não merecerão mais, muito mais, muitíssimo mais e melhor?
Desde 2007, que se saiba, só em Portugal já se realizaram mais de 250 mil abortos voluntários. A estratégia é clara e tem feito o seu caminho. Embrulha-se a mensagem em algumas verdades para que se torne simpática e a mentira passe, mesmo que lentamente. Manipula-se a linguagem, deixa-se de usar a palavra aborto, dá-se-lhe nomes mais simpáticos e enganadores, como se isso mudasse a realidade. Quere-se fazer crer que é uma mera questão religiosa e não humana, fomentando o desprezo teórico em relação às religiões, como retrógradas, e promovendo os promotores da causa, como peritos na matéria. Ridiculariza-se, como reacionário e obscurantista, quem luta contra tal embuste e defende o contrário. Até se pretende obrigar os profissionais de saúde a executar o aborto, mesmo quando invocam o seu direito à objeção de consciência. Os ideólogos destas causas, regra geral, só admitem a democracia, e são democratas, quando os outros pensam e dizem o que eles dizem e pensam!...
Sempre achei que o homem deve duvidar de si mesmo, não da verdade.

D. Antonino Dias- Bispo Diocesano
Portalegre-Castelo Branco, 12-07-2024.

Casa



Triste casa…

Esta casa rebelde que acolhe a minha Alma,

faz dos bens materiais, da arrogância e do poder a sua fortaleza.

Esquece que a carcaça morre

e que as Palavras devem ser edificadas.

Não dignifica o nome do Senhor que dá a Vida.

Glorifica-se! Faz-se grande no mundo e perde-se.


Rogo, sem medo e sem descanso, ao Senhor,

para que esta casa seja fraca perante a força do Espírito Santo,

e na fraqueza do mundo se revele em força aos olhos de Deus!

Será, então, uma casa alegre que todos anseiam escutar.

Será serva humilde! Albergue do peregrino! Aconchego dos sem abrigo!


Senhor Jesus…

hoje, és o profeta que percorre as praças, as cidades, o mundo!

Faz de mim a casa humilde e pequena

perante a maravilha dO pedacinho de Pão Vivo com que me alimentas.

Faz de mim uma casa com a chama da Fé acesa,

que não brilha nem ofusca,

e ilumina quem anda perdido e cansado.

Faz de mim uma casa que aceita os espinhos como salvação e graça.


Faz de mim uma casa que Te leva a todos

e traz todos até Ti…



Liliana DInis,

quinta-feira, 11 de julho de 2024

Somos todos especiais? E os outros?


Recentemente, numa conversa formal em que expunha as minhas preocupações sobre o ambiente escolar, responderam-me: “tem de ter em conta que é um caso especial”. Fiquei-me, pois se argumentasse poderia dar a entender que estava a contestar o regime excepcional que algumas pessoas beneficiam. E não, não contesto mas não deixo de me preocupar, pois para cada lado que me vire, encontro “especiais”. Vejo especiais na má educação, vejo especiais na assiduidade, vejo especiais em quase tudo que exija compromisso e respeito. E se nos atrevemos a contestar esse regime somos acusadas de insensibilidade. E mesmo que tentemos mostrar a nossa preocupação a tendência é ignorar.

O problema surge quando esses regimes excecionais prejudicam tanto as liberdades individuais como as de contexto de grupo.

Quando não nos é explicado o porquê desse regime, apenas sim porque sim.

Quando regimes excecionais nos obrigam a ficar calados perante injustiças e deixar andar, mesmo que isso te fruste e revolte.

Quando regimes excecionais são tantos que nos impedem de ver todas as coisas maravilhosas que cada um tem e que também as tornam realmente especiais.

Talvez, só talvez, se tentássemos não banalizar o termo “especiais” nem os usar como meros exemplos pedagógicos. Talvez!

Corremos o risco de um dia encontramos algo especial e ganhamos “cisma” porque durante muitos anos fomos obrigados a aceitar o especial como algo que nos causou revolta e frustração.

Não, não tenho soluções mas tenho uma sugestão, falem mais, ouçam mais e não ponham rótulos de especiais para justificar a excecionalidade de algo. Expliquem melhor os comportamentos, analisem os especiais mas não deixem que os “não especiais” se sintam diminuídos por isso.

E tu amiga? Quem é especial para ti?



Raquel Rodrigues

quarta-feira, 10 de julho de 2024

Amar, apesar do sofrimento





É bom encontrar amigos que estejam dispostos a resgatar-nos do fundo dos poços onde tantas vezes acabamos. Amigos leais que, diante da desgraça alheia, não colocam os seus próprios interesses em primeiro lugar.

A verdade é que, de cada vez que ajudamos alguém, estamos a pôr-nos em risco, mas é por essa razão que o nosso gesto é nobre. O sofrimento assusta não só os que sofrem, mas também os que o constatam. É preciso ser grande para abrir o coração à dor do outro. Qualquer um de nós o pode fazer… se o fazemos ou não é outra questão.

A vida é uma longa lição. Nós somos os aprendizes e os fracassos são os nossos maiores mestres.

Com o tempo, e depois de alguns desastres, já devemos ter aprendido a reduzir a velocidade quando a nossa vida está a curvar… depois, e a partir do meio da curva, a retomar o ritmo, de olhos postos no que estiver diante de nós e não no espelho retrovisor.

Sofrer ensina-nos a sofrer menos. Os desgostos fortalecem-nos. Se fizermos da desgraça uma amiga, ajudar-nos-emos a nós e a muitos daqueles com quem nos cruzarmos.

Talvez o sentido da vida seja simples: amar, apesar de todo o sofrimento que isso implica.

O amor exige bravura, força e devoção. Resulta de uma vontade consciente das possíveis consequências, pelo que o mérito é todo de quem, apesar de tudo, decidiu cumprir este caminho. E levanta-se, por mais que caia. E sabe qual é o seu norte, por mais curvas que tenha de fazer.


José Luís Nunes Martins


terça-feira, 9 de julho de 2024

Ganhar também é perder


Perdemos muito quando só queremos ganhar. Quando a visão se tolda para direções esguias e cheias de fumo. Quando nos julgamos os melhores de todas as ruas mesmo que nelas só exista a nossa casa. Quando acreditamos que estamos acima de todas as leis mais ou menos divinas.

Ganhar é fácil. Acende-se uma chama pequenina de vaidade e de orgulho que, às vezes, se pode confundir com arrogância. É difícil seguir humilde quando o sucesso e o dinheiro vão sendo maiores do que esperaríamos, alguma vez, alcançar e ter.

Aquilo que ninguém nos ensina é a perder. A saber onde colocar a vergonha e a tristeza de nos terem sido varridas as expectativas e as alegrias esperadas. Ninguém nos diz o que fazemos quando temos de assumir uma falha que pode mexer connosco e com os outros.

Vivemos num mundo que está feito para quem ganha. Para o sucesso e para a riqueza. Para o Bem e para o Bom. O que é feio é que ninguém quer ver. Assobia-se para o lado quando começa a doer mais ou quando a dor do outro parece já estar a tocar-nos nos calcanhares.

É difícil dar a mão a quem perde. Mas é necessário e é urgente. Tal como dar a mão a quem erra, a quem falha e a quem sofre.

Nem sempre sabemos o que fazer com a dor do outro.

Incomoda-nos. Faz-nos perceber que também podemos estar naquele lugar e faz-nos querer fugir e escapar. Porque é exatamente isso que fazemos com a nossa própria dor: fugir-lhe e escapar-lhe.

No entanto, a dor tem memória ainda que a queiramos esquecer. Guarda-se no corpo escondida, sem sinais de barulho ou de grandes impactos. Mas fica. E regista-se em cada uma das nossas células até termos a coragem de a ver e de a assumir como nossa.

Todos queremos ser vistos. E a dor (a nossa e a dos outros) não é exceção. Quando é vista a dor encolhe, diminui e assume o lugar e o tamanho que tem.

Dá-nos muito trabalho lidar com tudo o que implodimos e guardamos. Mas dar-nos-á muito mais trabalho lidar com aquilo que escolhemos não ver por tempo indeterminado.


Marta Arrais

segunda-feira, 8 de julho de 2024

Coração... o lugar de Deus.




Coração... o lugar de Deus.

Acredito que conseguimos ultrapassar todas as dificuldades! Leve o tempo que levar... acredito! Somos força em movimento, fé em movimento, amor em movimento.

Acredito, plenamente, que foi essa verdade que Jesus nos veio ensinar.

A verdade da força que existe em cada um, do amor que move montanhas, da fé que habita o nosso coração e nos transforma.

Acredito no Deus da vida! Que nos ama incondicionalmente e de que todos somos merecedores do seu amor.

Acredito nos valores que falam por si, onde ninguém tem de provar nada, apenas escolher ser o que é, praticando.

Acredito que Deus está no centro do meu coração e do teu e é essa a linguagem universal.

Acredito que mesmo perante as minhas falhas, elas nao me limitam. Nada é nada sem o seu contrário.
São as fragilidades e a humildade de as viver que me permite evoluir numa dimensão independente, mas interdepente de quem me rodeia. Porque apesar da individualidade única de cada um, há uma ligação de todos ao todo.

O todo que faz sentido pelo lugar que cada um ocupa. É nesse lugar que se dá a experiência da vida. Esse lugar onde Deus nos convida a ser, a aceitar, a agradecer, a ver a beleza de cada oportunidade...de recomeçar.

Um lugar onde podemos amar mais e temer menos.

Um lugar onde nunca estamos sós. Onde Deus nos convida a permanecer, a acreditar e confiar. Um lugar onde fecho os olhos e simplesmente, Eu Sou.

O coração, é o lugar de Deus.


Carla Correia


domingo, 7 de julho de 2024

Como profetas, à imagem de Cristo

 



A liturgia deste décimo quarto domingo comum desvenda-nos a “estratégia” de Deus para se aproximar de nós e para continuar a sua obra criadora na história: Ele chama pessoas – pessoas frágeis, simples, “normais” – e envia-as a dar testemunho da sua proposta de salvação. Na fragilidade dos seus enviados revela-se a irresistível força de Deus.

A primeira leitura apresenta-nos um extrato do relato da vocação de Ezequiel. A vocação profética é aí apresentada como uma iniciativa de Javé, que chama um “filho de homem” (isto é, um homem “normal”, com os seus limites e fragilidades) e lhe “dá força” para ser, no meio do seu Povo sofredor, arauto da salvação de Deus.

No dia do nosso batismo, fomos ungidos como profetas, à imagem de Cristo. Cada um de nós, de uma maneira própria, é chamado a ser um sinal de Deus no mundo; através do que dizemos, do nosso estilo de vida, das nossas intervenções no mundo, deve ecoar a “voz” de Deus, as indicações de Deus. Temos consciência de que Deus nos chama – às vezes de formas bem banais – à missão profética? Estamos atentos aos sinais que Ele semeia na nossa vida e através dos quais Ele nos diz, dia a dia, o que quer de nós? Temos a noção de que somos a “boca” através da qual a Palavra de Deus se dirige aos homens?

Na segunda leitura, Paulo assegura aos cristãos de Corinto (recorrendo ao seu exemplo pessoal) que Deus atua e manifesta o seu poder no mundo através de instrumentos débeis, finitos e limitados. Na ação do apóstolo – ser humano, vivendo na condição de finitude, de vulnerabilidade, de debilidade – manifesta-se ao mundo e aos homens a força e a Vida de Deus

Neste texto de Paulo (como, aliás, em quase todos os textos do apóstolo), transparece a atitude de vida de um cristão para quem Cristo é, verdadeiramente, o centro da própria existência e que só vive em função de Cristo… Nada mais lhe interessa senão anunciar as propostas de Cristo e dar testemunho da graça salvadora de Cristo. Que lugar ocupa Cristo na minha vida? Que lugar ocupa Cristo nos meus projetos, nas minhas decisões, nas minhas opções, nas minhas atitudes?

O Evangelho mostra-nos, através do exemplo das gentes de Nazaré, o que pode acontecer quando não entendemos a “estratégia” de Deus para intervir no mundo e na história: arriscamo-nos a passar ao lado de Deus sem o ver, a ignorar os seus desafios, a tratar com indiferença a sua proposta de salvação.

Jesus assume-Se como um profeta, isto é, alguém a quem Deus confiou uma missão e que testemunha no meio dos seus irmãos as propostas de Deus. A nossa identificação com Jesus faz de nós continuadores da missão que o Pai Lhe confiou. Sentimo-nos, como Jesus, profetas a quem Deus chamou e a quem enviou ao mundo para testemunharem a proposta libertadora que Deus quer oferecer ao mundo? Nas nossas palavras e gestos ecoa, em cada momento, a proposta de salvação que Deus quer fazer a todos os homens?


www.dehonianos.org

sábado, 6 de julho de 2024

Não foi Deus quem fez a morte…


Senhor eu quero pertencer-Te,

desde o nascer da aurora até ao anoitecer.

Quero que o meu sorrir e o meu chorar

sejam reflexo da Vida que semeias em mim.

Quero que a verdade abra o meu coração

e rasgue toda a mentira que o mundo abandonou em mim.

Quero aumentar a minha Fé nos sonhos que traçaste para mim

sem medo, nem anseios que me possam enganar.

Quero abandonar o meu pensamento nas Tuas mãos

para que os meus gestos ergam pontes de concórdia e perdão.

Quero acreditar que todas as doenças serão sanadas,

através da luz da ciência do Teu Santo Espírito.

Quero gritar por Ti… pelo Teu aconchego de Pai, sempre que a minha Alma

for tomada por desejos que matam a força do bem em mim.

Quero levantar o meu olhar para Cristo

e sentir que estou viva ao serviço do Reino de Deus

onde a Fé, a Esperança e o Amor alimentam cada um de nós!

Quero…

quero muito saborear a Vida que toco no Pão Eucarístico…

quero levar Jesus a todos e todos a Jesus,

com a minha VIDA, porque ser Tua é viver conTigo e para Ti, Senhor!



Liliana Dinis

sexta-feira, 5 de julho de 2024

QUANDO O FEITIÇO SE VIRA CONTRA O FEITICEIRO


Conheci um senhor que gostava das importâncias sociais, muitos outros o conheceram. Ele mesmo foi importante a defender as causas da sua terra. Todos o estimavam e aplaudiam. Não raro, puxava por alguns trunfos, em jeito de correspondência recebida, para dizer que se relacionava com este e aquele e aqueloutro e mais o outro. Um desses trunfos era um cartãozinho que - dizia ele e ninguém duvidava -, Salazar lhe havia escrito, lá pelo que fosse, relacionado com algum dos seus serviços lá por aquelas terras do demo, onde Judas perdeu as botas e os cães são aplaudidos pela sua raça. Aquilo era um orgulho para ele e um gerador de ciúmes em gente da mesma estirpe, mas nada bafejada por tanta sorte e jeito. Um dia, Salazar e o seu séquito caíram da cadeira, e em desgraça. Desabou o mundo, desmantelou-se o império, borrifou-se o charme, impôs-se o virar da casaca! Ou não! Ele permaneceu sempre igual a si mesmo, era homem d’antes quebrar que torcer. Acredito que muitos outros - e mais alguns -, tivessem ficado com a paciência a pique e o Campo Pequeno no horizonte. Aqueles trunfos, a bater com ruído e brio no jogo da vida, passaram de importantes pedacinhos do céu a dolorosos nacos de inferno, com os seus donos a passarem de bestiais a bestas, espécime que era preciso denunciar e perseguir em prol do cheirinho e da beleza dos Cravos. Quem possuía e alardeava trunfos desses, ou parecidos, agora preferia não os ter, dizendo o mais que lhe apetecia e podia para se libertar do nada lisonjeiro epíteto de reacionário e fascista. E retesava-se no agora, ora cacarejando um sorriso com algumas palavras de inocência, ora invocando ou inventando algum revês com gente da governança, ora dizendo-se sofrido com uns apertões da pide ou com a perseguição duns bufos lá da aldeia. Sobretudo, procurava fazer crer que há muito se tinha divorciado dessa gente de tão bizarro e infame poder nacional! E vamos lá nós entender este mundo. Somos engraçados!
Lá, na primeira capital do país, a estátua do senhor Guimarães tem duas caras. Foi erguida ali, no berço da nacionalidade, em homenagem ao Senhor Baltazar Pacheco de Alcoforado. Nos ambientes do tu-a-tu, sem salamaleques, o senhor Baltazar dava-se pelo nome de Guimarães, por ser de lá natural. No Largo da Oliveira, eis que se vê, impávido e sereno, o Sr. Guimarães, sem vertigens no topo da fachada dos antigos Paços do Conselho ou antiga Biblioteca Municipal. Já lá o vi e voltei a ver e a rever, ouvindo e imaginando. Quem por lá passa e não repara na estátua é como quem vai a Roma e não vê o Papa. A estátua tem duas caras, uma no sítio dela, outra, sobre a barriga, por ali onde muitos insinuam ter o rei. As lendas são muitas e muito bem floreadas, mas ainda não acabaram de se inventar. Essa é a melhor vantagem da estátua e o nosso maior proveito. Cada cabeça cada sentença, depende de quem explicar os feitos deste herói bicaras. Mas sempre ficará sem saber se aquela estátua representa a fortaleça dos vimaranenses, cada um com a força de dois; se manifesta a força da fraqueza dos barcelenses na tomada de Ceuta; se a valente fuga do resto dos soldados portugueses da vergonha de Alcácer Quibir, por areias do deserto adentro; se a sorte do homenageado por ter escapado ao sorteio que destinava o primeiro a sacrificar para a sobrevivência dos outros; se o facto do mesmo senhor se ter pisgado do naufrágio, cuja nau surgira como uma bênção para os salvar, mas logo se deixou sumir, com eles lá dentro, escorregando pelas goelas do mar abaixo. Sobrou apenas o senhor Guimarães para desembuchar como foi o espetáculo! Pelo que se imagina, provou ser um verdadeiro homem de armas e bagagens nas difíceis andanças da vida. De D. Sebastião, isso, nem cheta se pode saber, é segredo. Um grande segredo que há de ser revelado em certa manhã de nevoeiro quando as galinhas tiverem dentes. Pela infelicidade da sorte que lhe coube, no sorteio entre eles, D. Sebastião foi o pitéu para a sobrevivência dos restantes, mas é segredo. Oram vejam lá se não apetece dar pancadaria até nas pedras do caminho!... Só o herói da guerra, da fuga, do sorteio e do naufrágio, o hercúleo Guimarães de armas enfardeladas, só ele é que mereceu a estátua com grande insistência e aplauso dos vimaranenses. Para merecer estas honras da pátria, porém, muito valeram os esforços sub-reptícios do Senhor Padre Inácio Laranjo, que de tudo sabia, mas nada podia dizer. Nem tampouco podia trazer à luz do dia o que, pela noite dentro, ia atiçando em favor do guindar a estátua a herói tão distinto. Mesmo assim, saiba o leitor que isto só é válido enquanto não vier outro e disser o contrário ou acrescentar mais um ponto! A estátua não esgota, desafia o imaginário. É arte! E a arte não é o que se vê, é o que se quiser ver ou imaginar, ora pois... A estátua equestre de São Longuinhos, no Bom Jesus, em Braga, também tem duas caras e algumas lendas. A coisa que mais se vai dizendo é que são as raparigas solteiras, apressadas em casar, quem por lá dá umas voltinhas à sua roda, bichanando umas preces a condizer... O resultado, porém, é desconhecido. Não gera curiosidade nem rouba a devoção das velhas casamenteiras a São Gonçalo de Amarante nem a dos jovens noivos a Santo António de Lisboa!
Sem ter perdido o fio à meada em título, voltemos lá, ao feitiço contra o feiticeiro antes que a noite chegue. Quando o rei Saúl, ferido na guerra, pediu ao escudeiro que acabasse com ele para não ficar prisioneiro, o escudeiro ficou apavorado. Tolhido de medo, negou-se a fazê-lo. Saúl não desistiu, puxou da espada, atirou-se sobre ela e matou-se. O medo do escudeiro, porém, logo desabrochou em enorme oportunidade para singrar na vida. Pôs-se em bicos de pés, inventou uma história e mentiu. Correu a dizer a David que fora ele quem matara o rei. David acreditou, mas não gostou de ouvir, acabou com ele (cf. 1Sam 31, 1-13). O mesmo aconteceu aos dois que mataram um filho de Saúl, enquanto dormia a sesta em sua casa, e vieram entusiasmados trazer-lhe a notícia (2Sam 4, 1-12).
Amã, um alto dignitário do rei Assuero, mandou preparar uma forca com vinte e cinco metros de altura para nela enforcar Mardoqueu. Fazia-lhe sombra, era preciso fazer-lhe a folha e despachá-lo quanto antes. Mas tudo se inverteu. Amã foi quem estreou a forca que mandara fazer para estrangular Mardoqueu (cf. Est 7, 1-10). O Prefeito de Sucupira, Odorico Paraguaçu, quis ganhar popularidade, prometendo um cemitério à sua cidade. Cumprida a promessa, ninguém morria para inaugurar a obra. Nem o cafajeste Zeca Diabo, com promessa de privilégios, conseguiu arranjar-lhe um qualquer defunto para que a efeméride acontecesse. Acabou por ser inaugurado por ele próprio, a quem Zeca Diabo desferrou três tiros por se sentir traído por ele. “Quem abre um buraco, nele cairá; quem rola uma pedra, para cima dele voltará” (Prov 26,27).

D. Antonino Dias - Bispo Diocesano
Portalegre-Castelo Branco, 05-07-2024.