domingo, 13 de outubro de 2024

Ricos da Graça de Deus

 




A liturgia do 28.º Domingo do Tempo Comum convida-nos a refletir sobre as escolhas que fazemos. Exorta-nos a não nos conformarmos com valores perecíveis, que “sabem a pouco” e não saciam a nossa fome de vida; encoraja-nos a abraçarmos os valores eternos, aqueles valores que nos trazem alegria e paz e que dão significado pleno à nossa existência.

Na primeira leitura, um “sábio” de Israel exalta a “sabedoria”, dom de Deus. A partir da sua própria experiência, esse sábio convida-nos a fazer da “sabedoria” a nossa aposta fundamental. Ela é, mais do que qualquer outro valor (o poder, a riqueza, a saúde, a beleza), a base perfeita para construir uma vida com sentido.

Costumamos dizer que “só se vive uma vez” e que, por isso, temos de “aproveitar a vida”. Geralmente, quando falamos em “aproveitar a vida”, falamos de provar as coisas boas que a vida pode oferecer-nos, de aproveitar as oportunidades de concretizar os nossos sonhos e aspirações, de tirar o melhor partido de cada momento, de encher a nossa existência de significado… Mas, “aproveitar a vida” incluirá atirar-nos às cegas para agarrar tudo aquilo que os influencers de serviço nos impingem? “Aproveitar a vida” significará irmos atrás de tudo o que de alguma forma nos atrai, sem critérios nem limites? “Aproveitar a vida” será gastarmos o tempo e as forças a correr atrás de coisas fúteis, efémeras, que enchem a nossa existência de vazio, de frivolidade e de mediocridade? Temos consciência de que há caminhos e valores que nos permitem construir uma vida bonita, feliz e plenamente realizada, e também há caminhos e valores que nos escravizam e que nos limitam horizontes? Estamos disponíveis para acolher a sabedoria de Deus e para deixar que ela nos guie pelos caminhos que conduzem onde há Vida verdadeira?

No Evangelho um homem de boa vontade questiona Jesus sobre o caminho que leva à vida eterna. Jesus desenha-lhe o mapa desse caminho. Convida aquele homem a despojar-se dos bens materiais que o aprisionam, a abrir o coração à solidariedade e à partilha, a percorrer o caminho do amor que se dá totalmente, a tornar-se discípulo e a integrar a comunidade do Reino. A indicação de Jesus continua válida, no séc. XXI, para quem estiver interessado em encher de significado a sua vida.

A expressão “vida eterna” não define apenas essa outra vida que encontraremos no céu, quando terminarmos o nosso caminho na terra. Ela refere-se também à qualidade da nossa vida aqui e agora, à excelência da vida que construímos cada dia neste caminho marcado pela finitude e pela debilidade da nossa condição humana. Uma vida vivida ao estilo de Jesus oferece-nos, já aqui na terra, a possibilidade de nos libertarmos da escravidão das coisas, de vivermos o nosso dia a dia com o coração repleto de alegria e de paz; uma vida marcada pela solidariedade, pela partilha, pelo serviço aos irmãos oferece-nos, já aqui na terra, a possibilidade de nos sentirmos plenamente realizados, “cúmplices” de Deus na criação de um mundo novo… Assim talvez faça mais sentido abraçarmos sem hesitações a proposta de Jesus: ela dirige-se já ao nosso “hoje” e garante-nos, desde já, uma vida com sentido, uma vida que vale a pena viver. Temos consciência disto?

A segunda leitura convida-nos a escutar e a acolher a Palavra de Deus que nos chega através de Jesus. Essa Palavra é viva, eficaz, atuante. Uma vez acolhida no coração do homem, transforma-o, renova-o, ajuda-o a discernir o bem e o mal e a fazer as opções corretas, indica-lhe o caminho certo para chegar à vida plena e definitiva.

O nosso tempo é um tempo de muitas palavras. Toda a gente, a propósito e a despropósito, entende dar a sua opinião sobre tudo. É positivo ouvirmos opiniões e perspetivas diversas, pois isso sempre enriquece a nossa visão pessoal das coisas; mas isso cria, por vezes, um ruído de fundo que causa confusão, banaliza o poder da palavra e atira para segundo plano palavras fundamentais, como é o caso da Palavra de Deus. No meio desta autêntica floresta de palavras, de opiniões e de ditos, que lugar ocupa a Palavra de Deus? Para nós, é uma palavra decisiva, determinante, primordial na definição do sentido da nossa vida, ou é apenas “mais uma” palavra entre tantas outras? Conseguimos encontrar tempo para escutar a Palavra de Deus, disponibilidade para a discutir e partilhar, vontade de confrontar a nossa vida com as suas exigências?

A nossa vivência da fé desenrola-se, muitas vezes, à volta de fórmulas de oração repetitivas, de práticas devocionais fixas, de rituais estéreis e desligados da vida, de tradições cheias de pó, de grandes manifestações de fé que, no entanto, têm pouca profundidade… E a Palavra de Deus é relegada, na experiência de fé de tantos crentes, para um papel muito secundário. Qual o papel e o lugar da Palavra de Deus na nossa forma de viver a fé?

www.dehonianos.org

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