sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018
E DIREI A SÃO PEDRO: FECHA A PORTA PORQUE FICO
Todos somos convidados e temos por obrigação tender à santidade e à perfeição do próprio estado. É uma obrigação exigente à qual não podemos renunciar. Os santos e santas foram sempre fonte e origem de renovação nas circunstâncias mais difíceis em toda a história da Igreja. Hoje temos muitíssima falta de santos, que devemos pedir com assiduidade, afirmava São João Paulo II (cf. ChFL16). Vamos recordar e celebrar Santa Josefina Bakhita – a Santa Irmã Moreninha -, uma antiga e sofrida escrava negra que se abriu admiravelmente à graça e a quem humildemente pedimos a sua proteção.
Nasceu em 1869, no Sudão, um dos países mais pobres da África. Ainda menina, foi raptada e feita escrava. O susto, a violência, o trauma, a angústia de ter sido raptada e feita escrava foram tão profundos que lhe provocaram lapsos de memória e até esqueceu o seu próprio nome. O nome "Bakhita" que significa em idioma africano, "afortunada", não é o nome recebido de seus pais, foi-lhe atribuído pelos raptores. Na situação de escrava, comprada e vendida várias vezes nos mercados de El Obeid e de Cartum, experimentou a humilhação e todo o tipo de sofrimento tanto físico como moral e psicológico.
Na capital do Sudão, Bakhita foi finalmente comprada aos negociantes de escravos negros por um Cônsul italiano, Calixto Legnani. Pela primeira vez, desde o dia em que fora raptada, percebeu, com agradável surpresa, que agora a tratavam com maneiras afáveis e cordiais. Na casa do Cônsul, Bakhita encontrou serenidade, carinho e momentos de alegria, ainda que sempre escurecidos pela saudade de sua própria família.
Situações políticas obrigaram o Cônsul a partir para Itália. Bakhita pediu-lhe que a levasse consigo e com eles partiu também um amigo do Cônsul, Augusto Michieli.
Chegados a Gênova, o Sr. Legnani, pressionado pelos pedidos da esposa do Sr. Michieli que simpatizara muito com Bakhita e a tratava com muito carinho, concordou que ela fosse morar com eles. Assim, ela partiu para a nova família que residia em Zeniago, Veneza. Algum tempo depois, nasceu uma filha deste casal e Bakhita passou a cuidar da menina e tornaram-se grandes amigas. Esta família com a qual Bakhita vivia tinha negócios em África. A um dado momento, esses negócios exigiram que o casal voltasse à África. Eles até pensaram em levar também as duas meninas, mas foram aconselhados a deixa-las em Itália, por mais algum tempo. Ficaram sob os cuidados das irmãs da Congregação das Filhas da Caridade de Santa Madalena de Canossa, em Veneza. Alí, Bakhita recebeu a mensagem do Evangelho, conheceu Jesus e foi batizada aos vinte e um anos, em 9 de janeiro de 1890, com o nome de Josefina em homenagem a São josé, não sabendo como exprimir a sua alegria. Desse dia em diante, era fácil vê-la beijar a pia batismal e dizer: «Aqui me tornei filha de Deus!». Sentindo que Deus a segurava pela mão, tornava-se cada vez mais consciente de como aquele Deus, que agora conhecia e amava, a havia conduzido a Si por caminhos tão difíceis e misteriosos.
Algum tempo mais tarde, o casal retornou de África para buscar a sua filha e Bakhita. Para surpresa de todos, Bakhita pediu para ficar, pois queria tornar-se religiosa canossiana. Depois de “tantas provas de amor recebidas”, dizia ela, queria servir a Deus nessa vocação. Seus “pais” concordaram e ela ficou. Começava ali uma nova jornada na sua vida. Tendo ainda passado por um tempo de discernimento vocacional, em 8 de dezembro de 1896 fez os seus votos, consagrando-se ao Senhor perante o qual se interrogava e a quem chamava carinhosamente de “meu Patrão”: «Vendo o sol, a lua e as estrelas, dizia comigo mesma: Quem é o Patrão dessas coisas tão bonitas? E sentia uma vontade imensa de vê-Lo, conhecê-Lo e prestar-lhe homenagem».
E assim viveu, na vida religiosa, por mais de meio século. Durante esse tempo, cheia de humildade e amor, dedicou-se a todos os tipos de atividade da Congregação. Cuidou das roupas, foi cozinheira, sacristã, porteira e bordadeira, sempre com um sorriso contagiante a conquistar o coração de toda a gente. As irmãs e os fiéis tratavam-na carinhosamente por “irmã morena”, admiravam-na pela sua bondade e dedicação generosa e pelo seu grande desejo de fazer com que Jesus fosse cada vez mais conhecido e amado. Ela sempre aconselhava: "Sede boas, amai a Deus, rezai por aqueles que não O conhecem. Se soubésseis que grande graça é conhecer a Deus!".
Com o passar dos anos ficou doente e sofreu longa e dolorosamente. No entanto, a quem a visitava e lhe perguntava como se sentia, respondia sorridente: «Como o Patrão quer». E continuava firme no seu sorriso, dando um precioso testemunho de fé. Falando no sério, tinha uma grande capacidade de rir de si mesma e de brincar. Dizendo-se carregada em viagem, gracejava confiante: "Vou devagar, passo a passo, porque levo duas grandes malas: numa vão os meus pecados, e na outra, muito mais pesada, os méritos infinitos de Jesus. Quando chegar ao céu abrirei as malas e direi a Deus: Pai eterno, agora podes julgar. E a São Pedro: fecha a porta, porque fico". Ao final de sua vida, Santa Josefina Bakhita reviveu os horrores da escravidão, que ainda estavam gravados no seu inconsciente e várias vezes suplicava à enfermeira que a assistia: «Solta-me as correntes ... pesam muito!». As suas últimas palavras antes de fechar definitivamente os olhos, aos 78 anos de idade, em 8 de fevereiro de 1947, em casa da Congregação, em Schio, Itália, foram para dizer: «Nossa Senhora! Nossa Senhora!», percebendo-se o seu último sorriso a testemunhar o encontro com a Mãe de Jesus a quem tinha profunda devoção. Foi sepultada na capela de uma família de Schio, os Gasparella, tendo passado mais tarde para o Templo da Sagrada Família, onde está sob o altar da Igreja do mesmo convento.
Em 1992, a “Santa Irmã Morena ou Moreninha” foi beatificada por João Paulo II e, em outubro de 2000, foi canonizada pelo mesmo Papa, tendo como dia litúrgico o dia da sua morte, 8 de fevereiro.
D. Antonino Dias - Bispo de Portalegre Castelo Branco
Portalegre, 02-02-2018
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