sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

NAMORADOS QUE NÃO SE MERECEM


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Dia de São Valentim, Dia dos Namorados. A todos saudamos com os votos de que sejam muito felizes! Hoje, porém, vou escrever sobre um tema que a todos nos surpreende e entristece. É que, sem querer generalizar, como é evidente, há namorados que não se merecem. Há namoros que não são namoro. Como diz “o outro”, e o “outro” sabe tudo, são uma espécie de encontro a dois para a humilhação de um ou de ambos. E ninguém merece isso, ninguém, muito menos um jovem ou uma jovem. Uma das constatações de hoje, no namoro, é a violência. Considerada crime público, as Associações que acompanham tão triste fenómeno, dizem-nos que a violência no namoro é transversal à sociedade e a todas as classes sociais, que é frequente, que tem aumentado, que pode passar despercebida, que um em cada quatro jovens consideram-na legítima, etc. Sendo violência, ela tende a magoar, a humilhar, a controlar, a assustar, a fazer sofrer, sendo sempre difícil de resolver e ultrapassar, pois o amor lá tem os seus caprichos, razões que a razão não entende. Regra geral, é uma situação que se vive em silêncio, pela vergonha de o contar, pelo medo de que o namoro acabe, pelo receio de que a denúncia traga mais violência, porque a idade passa e quer-se casar, porque não se respeitaram e até já o bebé vem a caminho... Tudo se vai suportando na esperança de que, na verdade, essa violência vá acabar ou já acabou. Mas como dizem os estudiosos desses casos e é confirmado pela contumácia dos experimentados em tais brigas, não acabou nem vai acabar. Ir-se-á, isso sim, é agravar, mesmo que haja promessas de amor eterno, com pompa e circunstância, à Romeu e Julieta. Os sofrimentos, as humilhações, os homicídios e os feminicídios fruto da violência doméstica continuam mais que muitos mercê de instintos bárbaros que se vão treinando e avolumando. Há quem não queira ver este desaire já entre os namorados, quem negue a sua existência, quem a considere irrelevante, quem a legitime, quem pense que isso passa, que são questões de ciúme, do “não te quero perder”. Os namorados que se dão a estes luxos, não são, por certo, jovens adultos, são adolescentes envelhecidos e mal formados, que nem sequer têm a coragem de se mandarem bugiar. São cegos que, vendo, não veem: “quanto mais me bates mais te quero”. Ilusão!

A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), descreve a violência no namoro como um ato de violência, pontual ou contínua, cometida por um dos namorados, ou ambos, com o objetivo de controlar, dominar e ter mais poder do que a outra pessoa envolvida no namoro. Os agressores ou as vítimas tanto podem ser os rapazes como as raparigas. Mesmo quando se tende a banalizá-la ou a romantizá-la, a violência tem muitas caras e feitios, desde as verbais às físicas, desde o proibir ao obrigar, desde a publicação de fotografias íntimas ao insulto através das redes sociais, desde as relações sexuais forçadas à imposição de certas roupas para saírem juntos, desde o acesso às passwords de email e facebook à violência psicológica, desde o exigir ao outro o que não se impõe a si próprio. O individualismo reinante gera uma supersensibilidade tão doentia e tão egoísta que logo agride quem incomoda ou contraria, ficando-se nas tintas e orgulhoso por humilhar e fazer sofrer. Tudo isto torna urgente a sua prevenção e o seu combate. Entendo, porém, que a solução não estará tanto em andar à cata de quem prevaricou, nem em sensibilizar para que se faça denúncia, nem no criar linhas de apoio para que as vítimas se possam queixar, etc. Tudo isso é importante, não duvido, embora me pareça que são poucas ou nenhumas as consequências práticas quando as vítimas se queixam, podendo mesmo vir a complicar a situação. A solução mais eficaz está a montante, está na educação, qual remédio milagroso que em doses e tempos certos se deveria receitar e tomar. Este remédio profilático, barato mas eficaz, o da educação, é uma espécie de cultura que, de forma natural, se começa a entranhar desde pequenino sem exigir inteligências raras ou rasgos de génio para ser assimilada. É um somatório de experiências que informam e formam, que dão os conteúdos do bom senso e do caráter saudável e cortês. Essa cultura, apesar de tantos anos de instrução académica, parece que não se consegue viver, transmitir e fazer entender. E é pena. Tanta gente que nem ler sabe e passa a perna a colecionadores de cursos universitários nestas questões de relacionamento e de boa educação. De facto, é um bem precioso a construir pelo trabalho e o testemunho de quem tem o dever de educar, a começar pelos pais, a continuar nas escolas, a ser testemunhado por quem educa, a perceber-se na sociedade, a ser sentido como um dever de todos, sendo educado e ajudando a educar. Posso estar errado e sei que ele tem muito em que pensar e que fazer, mas acho que o Estado, no âmbito do bem-estar da família, deveria antecipar-se e agir de forma mais alargada, mais atenta, clara e eficiente. Ele tem um papel a desempenhar na formação dos cidadãos para o global exercício da cidadania. E a formação para constituir família, implica formação nos valores e virtudes humanas essenciais à vivência e convivência humana. Na verdade, as famílias são as células estaminais da sociedade, aquelas células que têm um enorme potencial terapêutico para promover e melhorar o processo regenerativo do tecido social e das patologias inerentes. Nenhuma Nação que se preze de o ser deixará de se sentir incomodada pelo desmoronamento das famílias, as células base de si própria, com todas as consequências que daí resultam. Sempre entendi - inutilmente, sei, sonho meu! -, mas sempre entendi que a preparação para o casamento, para além do indispensável trabalho dos pais, não deveria ser apenas uma preocupação da Igreja onde o casamento é Sacramento. Aí, a Igreja tem o dever de ajudar os seus membros a entender o que é um Sacramento, quais as suas exigências, os seus efeitos e consequências, onde é que está a diferença de o casamento ser ou não ser Sacramento. Da maneira que os ventos sopram e em que muitos crescem na reivindicação caprichosa e no facilitismo bonacheirão de uma educação light que compra tudo feito e sem contrariedades, o próprio casamento natural entre um homem e uma mulher deveria implicar preparação. O amor, se existe, não perdura sem a educação mútua e tudo o que ela envolve de saberes, do saber fazer, do saber ser e estar, independentemente de se ter ou não fé. Desde o chocalho aos bonecos de Estremoz, há, por aí, agora, muita coisa classificada como património da humanidade a preservar e a promover, e bem, aplaudimos. Mas que bom seria se o mais excelente património da humanidade, a Família, fosse muito melhor cuidada, defendida e promovida.

Muitas coisas se ensinam nas escolas com a esmerada dedicação dos professores. Mas a educação para os valores estruturantes da vida, bem como a importância da constituição de famílias estáveis e felizes, a própria preparação para o casamento, deveria merecer espaço, tempo e pessoas, também elas bem formadas, sem rugas ideológicas, com conteúdos e programação própria e persistente. A educação capacita para dar sentido à vida e às coisas da vida, ajuda a concretizar os sonhos de felicidade e os projetos que a ela conduzem, projetos sempre assentes na verdade. Sim, só “na medida em que o amor estiver fundado na verdade é que pode perdurar no tempo, superar o instante efémero e permanecer firme para sustentar um caminho comum. Se o amor não tivesse relação com a verdade, estaria sujeito à alteração dos sentimentos e não superaria a prova do tempo” (cf. LF27-34).


D. Antonino Dias - Bispo de Portalegre Castelo Branco

Portalegre, 09-02-2018

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