quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

A pedra e a estrela, por Tolentino Mendonça




Rezo, meu Deus, esta vida, que tantas vezes experimentamos como um caos para o qual não existem nomes possíveis.

Sinto-me como uma criança quando, na escuridão da noite, só o grito lhe permanece. Mas o grito é a forma frágil e intensa com que a nossa vida sai em busca de socorro.

Como uma criança, Senhor, sinto-me exposto a coisas maiores que eu, à mercê de surpresas que não controlo. Então, grito-te.

Ensina-me, Senhor, que nascemos também neste grito, que o teu amor sabe recolher transformando-o em chamamento, em desejo de presença, em ocasião para o abandono confiante à tua vontade.

Ajuda-me a descobrir aquilo que ainda não vejo.

Aproxima, em mim, a lama à estrela, o coração sem norte à sua órbita viva, a alegria introvertida à alegria dirigida para o exterior, o meu pão ao pão de todos.

Explica-me que uma existência respira porque é iluminada por aquilo que não espera.

Na verdade, abrimos os olhos todos os dias, mas não quanto seria suficiente. Vemos, descontentes, a imperfeição e a pedra. Olhamos com desgosto – em nós e nos outros – o avesso e a costura. E não nos damos conta de que poder observar o avesso com amor torna-se uma preciosa aprendizagem do caminho (e de um caminho que conduz ao presépio).

Porque aquilo, exatamente aquilo que hoje nós percebemos como pedra, Deus vem ensinar-nos a transformá-lo em estrela.





Sem comentários:

Enviar um comentário

Este é um espaço moderado, o que poderá atrasar a publicação dos seus comentários. Obrigado