Por mais que te apresentem os factos, se não estiverem em linha com o que acreditas, irás sempre sentir a resistência à verdade que esses factos apresenta. Na prática, isso significa que a nossa opinião faz tudo para permanecer dentro da bolha dos nossos desejos e ideias. Eu compreendo. Acontece com todos. Quer estejas do lado dos factos, quer estejas do lado da desinformação, na prática, todos temos um pouco de nós em cada lado. Daí o drama dos tempos modernos: querer estar sempre do lado da verdade, mas ter dificuldade em aceitar aquela que contradiz aquilo em que acredito. Qual o percurso a fazer?
Algumas das mensagens que mais gosto de receber de amigos são as que contradizem aquilo em que penso. Mas não vos quero enganar. Irrita-me tanto a mim receber uma opinião contrária em relação ao que acredito, como estou ciente de que, da parte deles, não deve ser nada fácil receber uma opinião contrária vinda da minha parte. Mas se não existir este doloroso exercício de nos orientarmos reciprocamente, não amadurecemos as nossas opiniões, ou caminhamos juntos para a verdade. O oposto disso é a resistência enorme a permanecermos fechados sobre a bolha que, sistematicamente, confirma o que pensamos.
Há dias comecei a dialogar com um amiga sobre a pandemia. De facto, bem gostava eu de falar sobre mais coisas, mas compreendo como esta é a que nos toca mais de perto e no imediato. Em síntese, ela (e muitos) estão a sofrer com as exigências feitas para conter esta pandemia. O confinamento, as máscaras, o excesso de higienização, e as implicações que tudo isso tem para as práticas espirituais habituais (como a comunhão), quebram os hábitos de ser e estar, fazem sobressair a solidão de algumas pessoas, e têm um preço ao nível social e económico elevado.
De facto, quantos de nós falávamos pelo sorriso, ou expressávamos tanto pelo abraço, ou experimentávamos uma liberdade que, agora, parece ser engulida na onda de medo induzida pela pandemia. É duro? É. Por isso, quando a 5 de novembro se começou a divulgar pelas redes sociais (tornando-se viral) as afirmações do Dr. Michael Yeadon de que a segunda onda (no Reino Unido) é falsa e gerada por falsos positivos no teste, e que a pandemia já terminou, foi música para os ouvidos de muitas pessoas. Afirmações que entram na sua bolha.
Eu, que vivo noutra bolha, achei estranho, mas fiz o exercício de me desapegar e o que senti num vídeo com uma outra entrevista feita por uma jornalista ao mesmo Dr. Yeadon, foi o típico apelo emocional associado ao método de mudar a opinião das pessoas. Não no sentido negativo ou maléfico do termo, mas como a resposta natural de quem está exasperado com a situação actual em que vivemos. Porém, investiguei, e verifiquei que são opiniões com interpretações duvidosas.
Como eu gostaria de que a pandemia terminasse! Mas o que vejo pouco falado são as fragilidades que essa está a revelar e nos custa reconhecer. Por exemplo, pensemos na falta de preparação da humanidade para lidar com as pandemias. Contudo, em um ano, mostrámos a capacidade de adaptar à situação e fizeram-se avanços tremendos graças ao esforço de todos nós. Mas agora que temos a oportunidade de descer a montanha, baixamos os braços, e mais fragilidades culturais vêm à tona do mar incerto da vida.
Uma das mais evidentes é a incapacidade cultural de viver em solitude. Isto é, de sabermos estar junto com os nossos pensamentos quando estamos sozinhos. Imensa admiração tenho pelas pessaos que vivem (fisicamente) sozinhas, mas que não deixam de ter um sorriso nos lábios, ou uma palavra de entusiasmo a dar a quem as contacta. Sei que a raíz verdadeira disso (nos casos que conheço) é Deus e, por isso, na realidade, nunca estão sós, e isso nota-se. Porém, quando vemos quanta solidão esta pandemia evidenciou em muitas pessoas, muitas delas crentes, penso que seria o momento de pensar se se deve à gradual des-educação dos espaços de solitude. Estamos sempre conectados (online), mas, em vez de isso nos estruturar, parece retirar-nos a capacidade de estar sozinhos e entramos em depressão. Algo estranho quando alguém acredita, realmente, em Deus.
Mas nem todas as pessoas acreditam em Deus. Ou aqueles que acreditam, na prática, já nem sabem como voltar a viver da Sua presença. O que fazer? Pela minha experiência pessoal, um livro (não substitui Deus, mas) nunca nos deixa sós.
Miguel Oliveira Panão
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