sábado, 9 de outubro de 2021

Não fujas

 


Marta Arrais


Nem sempre conseguimos a coragem para não fugir. Não fugir implica enfrentar o que vier, abrir os olhos para o que não podemos controlar, fechar os olhos para a cobardia e abrir os braços para a ameaça. Fugir é sempre adiar um problema, uma decisão, e talvez a própria vida. Ainda assim, fugimos muitas vezes. Quando achávamos que podíamos dar tudo e ser fortes, fogem-nos os passos para o esconderijo de não pensar e não viver. Fugimos para não ver o que é necessário. Fugimos para que não doa. Fugimos para sobreviver. Talvez as fugas se possam justificar quando os dias se tornam insuportáveis e quando precisamos de um espaço onde caibam todas as nossas tempestades. Aquilo que me parece injustificável (e até perigoso) são as vezes que fugimos de nós mesmos. São as vezes que baixamos a cabeça porque não temos coragem de dizer que não acreditamos, que não queremos, que não deixamos. Que não acreditamos nas verdades alheias, que não queremos ser aceites a todo o custo, que não deixamos que decidam por nós. Temos medo que os outros nos julguem e nos mordam as certezas com as suas conclusões sobre nós. Estamos dispostos a fugir daquilo que nos define e caracteriza para parecer bem. Para não desinstalar o que está arrumadinho. Para não chocar a sensibilidade alheia. Perdidos nesta tentativa de ser o que os outros esperam de nós, podemos perder-nos. Podemos cegar por dentro e seguir pela vida sem saber o caminho. O que os outros esperam de nós pode ser poderoso. Mas não é necessário. Não é necessário que os outros nos sorriam sempre, nos amem sempre, nos queiram sempre. O que é realmente necessário e importante é que, independentemente do que querem de nós, sejamos exatamente o que somos e o que queremos ser. A nossa alegria não depende da aprovação alheia. A nossa paz não se constrói com as opiniões dos outros. Quer isto dizer que não precisamos dos outros para coisa alguma? Não. Quer dizer que não precisamos de mudar absolutamente nada em nós para que os outros nos amem, caso seja essa a sua vontade. Quer isto dizer que não precisamos de mudar nada? Nunca mais? Não. Quer dizer que podemos sempre mudar em nós o que nos tornar mais pequenos e infelizes.

O que quero dizer hoje é que não precisas de fugir. Tudo aquilo que te faz ter vontade de fugir só se resolverá se ficares. E tudo aquilo que tens vontade de mudar em ti para agradar seja a quem for, é exatamente o que tens que deixar como está. Se queres mudar alguma coisa, muda de amigos. Os que o são não te pedem nada e ficam felizes por saber que não precisas de fugir deles.

Não fujas. Corre atrás do que te faz amanhecer por dentro. Mas não fujas.

Fotografia: Pixabay


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