terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Andamos fugidos da morte




Há muito tempo que não me dirigia a um cemitério. Andava afastado deste local, no entanto, neste último fim de semana, acabei por ir visitar os meus entes queridos. É sempre um momento marcante, nostálgico e reflexivo, mas a verdade é que esta minha ida ao cemitério marcou-me por um pormenor delicioso.

Ao entrar no cemitério reparei que numa das campas estava uma avó com a sua neta. Muito pequena. A menina deveria ter os seus 5/6 anos. No entanto, a sua energia e a sua vontade de querer ajudar a avó nas tarefas da limpeza e de embelezamento da campa davam um brilho diferente àquele local.

A presença daquela criança marcou-me. Marcou-me porque me fez recordar as minhas idas ao cemitério com a minha avó e do quanto isso fez parte da minha vivência de perto com a morte. E, por outro lado, a presença daquela criança fez-me perceber o quão afastados andamos da morte. Fez-me pensar sobre a forma como a sociedade vai fugindo de algo que é tão natural e certo na nossa humanidade.

A avó desta criança se calhar não tem noção ou não se apercebe do impacto que estas idas ao cemitério da sua neta podem ter, mas a verdade é que estes momentos terão um impacto na forma como, no futuro, a sua neta lidará com as idas ao cemitério: desde o ir visitar os seus entes queridos até ao zelar pelo espaço daqueles que já partiram passando até pela forma como ela irá olhar para a morte como algo tão presente na sua e a nas nossas vidas.

É fácil falar da morte às crianças? É claro que não.

Poderão estas pequenas idas ajudar a crescer com noção da realidade da nossa finitude? Acredito que sim. Acredito que estas idas serão tempo para, na inocência de cada criança, descobrirem de forma leviana o ciclo natural da vida.

Precisamos de falar da morte. Precisamos de expressar as dores, os medos e as angústias que a morte nos causa ou nos poderá causar.

E, por último, não deixa de ser belo que a presença de uma criança, símbolo de nova vida, num cemitério possa ser sinal de Deus demonstrando que em cada fim há sempre um recomeço.

Andamos afastados da morte. Por medo. Por ceguez. Por pressas. Por vidas que nos eliminam a possibilidade de vivermos a nossa humanidade.

Por isso, hoje, antes de fugires ao pensamento sobre a tua finitude, pergunta-te: quando foi a última vez que pensaste sobre a morte? O que sentiste?



Emanuel António Dias


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