A “Festa de Cristo Rei” foi instituída pelo Papa Pio XI, a 11 de dezembro de 1925, através da Carta Encíclica “Quas Primas”. Ao instituir esta festa, Pio XI quis propor ao mundo – saído há pouco da tragédia da I Guerra Mundial e mergulhado ainda em contradições que pareciam insanáveis – o regresso a Cristo, o reconhecimento da soberania de Cristo sobre a História e sobre a vida dos homens, o reencontro da humanidade com os valores cristãos e com a paz que só Cristo pode dar. Celebrada inicialmente no último domingo de outubro, esta festa acabou mais tarde por fixar-se no último domingo do ano litúrgico.
A primeira leitura recorda-nos o momento em que David foi ungido como rei de todo o Israel. Com David iniciou-se uma época de felicidade e de abundância que ficou na memória de todo o Povo de Deus. O reinado de David tornou-se símbolo e anúncio de um tempo novo, de uma era de justiça, de bem-aventurança e de paz sem fim. O Povo de Deus vivia dessa esperança e aguardava ansiosamente a sua concretização.A escolha de David para reinar sobre as tribos que constituíam o antigo reino de Saul pareceu, aos anciãos de Israel que se apresentaram em Hebron, uma escolha óbvia, do ponto de vista humano e político. No entanto, a catequese de Israel vai mais além e faz questão de lembrar que David é o “escolhido de Javé”, aquele que Deus designou para “apascentar” o seu povo. Na Bíblia deparamo-nos a cada passo com a ideia de que Deus chama pessoas, confia-lhes determinadas tarefas, age através delas para moldar a história dos homens e concretizar o seu projeto de salvação. Nós também fazemos parte desta história. Como fez com David, também a nós Deus chama para desempenhar uma determinada missão no mundo. Estamos conscientes disso? Como encaramos e como concretizamos a missão que Deus nos confiou?
O Evangelho mostra a peculiar resposta de Deus à expetativa de Israel. Jesus é o “ungido de Deus”, o Messias-Rei enviado pelo Pai para inaugurar o reinado de Deus. Contudo, a realeza de Jesus soa estranha e paradoxal aos olhos do mundo: as armas que esse rei leva consigo são o amor e a misericórdia; a autoridade que esse rei reivindica é a do serviço simples e humilde; o trono que este rei ocupa é uma cruz onde Ele derrama o seu sangue em benefício de todos; os soldados que rodeiam esse rei são gente desarmada, que Ele irá enviar pelo mundo a anunciar o amor e a paz; os súbditos desse rei são todos aqueles que aceitam colocar as suas vidas ao serviço de Deus e dos irmãos. Decididamente, a realeza de Deus não funciona segundo a lógica dos grandes da terra.O evangelista Lucas convida-nos, na Solenidade de Cristo Rei do Universo, a olhar para a cruz onde agoniza Jesus, o “rei dos judeus”. Contemplar a cruz onde se manifesta o amor e a entrega de Jesus significa assumir a mesma atitude que Ele assumiu e solidarizar-se com aqueles que são crucificados neste mundo: os que sofrem violência, os que são explorados, os que são excluídos, os que são privados de direitos e de dignidade. Olhar a cruz de Jesus significa denunciar tudo o que gera ódio, divisão, medo, em termos de estruturas, valores, práticas, ideologias; significa evitar que os homens continuem a crucificar outros homens; significa aprender com Jesus a entregar a vida por amor… Viver deste modo pode conduzir à morte; mas o cristão sabe que amar como Jesus é viver a partir de uma dinâmica que a morte não pode vencer: o amor gera vida nova e introduz na nossa carne os dinamismos da ressurreição. A contemplação da cruz de Jesus leva-nos ao compromisso com a transformação do mundo? A contemplação da cruz de Jesus faz com que nos sintamos solidários com todos os nossos irmãos que todos os dias são crucificados e injustiçados? A contemplação da cruz de Jesus dá-nos a coragem para lutarmos contra tudo aquilo que gera sofrimento e morte, mesmo que isso implique correr riscos, ser incompreendido e condenado?
Na segunda leitura, Paulo apresenta-nos um hino que celebra a grandeza universal de Cristo, aquele que tem soberania sobre toda a criação e que é a cabeça da Igreja. O hino exorta os crentes a fazerem de Cristo a sua referência e a viverem em comunhão com Ele. Por Cristo passa, indubitavelmente, o caminho que conduz à vida eterna.Existem questões decisivas que, mais tarde ou mais cedo, se nos colocam: como dar significado pleno à nossa existência? Como construir uma vida que valha a pena? Por que caminhos devemos andar, na viagem da vida, para não ficarmos atolados em becos sem saída? O que é que é essencial e o que é que é secundário, quando se trata de definir o eixo fundamental da nossa existência? Os cristãos de Colossos também se debatiam com estas questões; e, na sua ânsia de encontrar respostas, abriam portas a doutrinas estranhas e a propostas incompatíveis com o Evangelho de Jesus. Hoje, em pleno séc. XXI, numa altura em que vivemos “em rede” e somos confrontados a cada instante com mil e uma propostas e sugestões, esta questão adquire uma particular relevância. Confundidos e baralhados por tanta informação, tornamo-nos permeáveis a propostas mais ou menos excêntricas, mais ou menos esotéricas, mais ou menos ecléticas, por vezes pouco condizentes com a pureza e a autenticidade da proposta cristã. Por outro lado, muitos cristãos continuam a colocar a sua esperança de realização em “poderes”, em figuras, em superstições, em instituições, em rituais “mágicos”, que não libertam e que não ajudam a encontrar caminhos de plena realização. Como nos situamos face a isto? Procuramos definir claramente, em coerência com a nossa fé, o caminho que devemos seguir?
Sem comentários:
Enviar um comentário
Este é um espaço moderado, o que poderá atrasar a publicação dos seus comentários. Obrigado