Que pobres? Que pobreza? O que é que sabemos sobre eles? Falamos muito da pobreza e dos pobres, mas pouco ou nada partilhamos verdadeiramente das suas vidas. Ouvimo-los? Estamos onde eles estão? No domingo passado celebramos o Dia Mundial dos Pobres...
Ainda no passado dia 17 de outubro celebramos o Dia Mundial para a Erradicação da Pobreza, instituído pela ONU em 1992, depois do padre Joseph Wresinski, fundador do Movimento ATD Fourth World, ter reunido mais de 100.000 pessoas na Praça do Trocadero, em Paris, para uma cerimónia onde inaugurou um memorial de pedra em homenagem às vítimas da pobreza:
Defensores dos direitos humanos e do cidadão
de todos os países reuniram-se nesta praça.
Renderam homenagem
às vítimas da fome, da ignorância e da violência.
Afirmaram a sua convicção de que a miséria não é fatal.
Proclamaram a sua solidariedade com os que, no mundo inteiro, lutam para a destruir.
“Lá onde os homens estão condenados a viver na miséria,
aí os direitos humanos são violados.
unir-se para os fazer respeitar é um dever sagrado.”
Padre Joseph Wresinski
O Dia Mundial dos Pobres, instituído pelo Papa Francisco em 2017, é um pouco diferente. A pobreza não é apenas miséria, os pobres não são apenas pobreza. Nem toda a pobreza e nem todas as pessoas pobres devem ser erradicadas.
No visão cristã, o sentido da palavra pobreza é muito vasto. Vai desde o desespero daqueles que sofrem a pobreza por culpa de outros ou por infortúnio, até aqueles que escolhem livremente a pobreza como caminho. Uma escolha livre que muitas vezes se torna a principal via de libertação para aqueles que não escolheram a pobreza. Na Dilexi te o Papa Leão XIV fala sobretudo da má pobreza para nos encorajar a cuidar dela e a não «baixar a guarda», mas não esquece a bela pobreza do Evangelho.
Mas se formos honestos, devemos reconhecer que temos dificuldade em celebrar estes dias. Porque quase todos nós, sentados nos sofás confortáveis das nossas casas, perdemos o contacto com os verdadeiramente pobres. Para falar sobre e celebrar o Dia dos Pobres, devemos primeiro conhecer os pobres de perto, fazer amizade com alguns deles, entrar nas suas casas, barracas ou habitações improvisadas, e talvez ficar lá por um tempo. Ouvir os seus pensamentos, deixá-los falar, reconhecer neles a dignidade de pensamento e de palavras.
Todos os relatórios, estudos, estatísticas, livros, conferências, ações e políticas sobre a pobreza são escritos por pessoas que não são pobres, por especialistas que falam quase sempre de uma realidade que nunca visitaram e que conhecem apenas por ouvir dizer. Estes relatórios e estudos, muitas vezes úteis, devem ser acompanhados por outros relatórios e estudos, com origem em quem vive a pobreza por dentro.
Seria profético se formássemos uma comissão composta predominantemente por pobres para ouvir a sua perspetiva. Aprenderíamos a olhar para o nosso mundo ao lado de Lázaro debaixo da mesa do rico. Os pobres não devem permanecer meramente objetos de estudo, ações e orações. Podem e devem ser protagonistas.
Talvez não o façamos porque, por vezes, mesmo na Igreja, os verdadeiramente pobres assustam-nos, lembrando-nos um lado negro das nossas vidas que não queremos ver, e assim, em vez de os encontrarmos realmente, preferimos falar dos pobres e dar esmolas...
p.s. Na foto, Biagio Conte (Palermo, 1963 – 2023) foi um missionário leigo italiano. Também conhecido por Irmão Biagio, fundou a "Missão da Esperança e da Caridade" em Palermo para combater as situações dramáticas de pobreza e marginalização, primeiro entre os habitantes da sua cidade natal e, mais tarde, entre os imigrantes.
Paulo Victória,

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