segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Um rio que vai dar ao coração

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Ninguém pode saber, ao certo, o que cada existe dentro de cada um. Cada pessoa é feita de um conjunto de paisagens que não cabem em mapa algum.

Há quem tenha um rio largo que vai desaguar mesmo ao centro do coração.

Há quem seja feito de desertos e tempestades de areia que parecem nunca abrandar.

Há quem tenha o mundo inteiro a estremecer debaixo da pele.

Há quem seja terminal de aeroporto: uma coleção paginada de partidas e chegadas.

Há quem seja floresta. Com árvores altas que querem sempre chegar ao Céu.

Há quem seja sempre de noite. Nunca deixou entrar a luz com medo do risco de começar a ver melhor.

Há quem seja sempre sol a nascer. Nunca deixou entrar a noite com medo do risco de nunca mais ser feliz.

Somos feitos do que é nosso e não cabemos num lugar qualquer. Procuramos, desde sempre, um lugar que seja nosso e que possa ser capaz de nos agarrar para sempre. Somos feitos do que ninguém vê e teremos sempre zonas vedadas ao olhar alheio. Ainda bem. A verdade é que quem se atreve a olhar para o país que está dentro de cada um pode sempre descobrir o que não quer, o que não sabe ou o que sempre lá esteve e nunca se quis ver. Não nascemos com a capacidade de atravessar alguém e chegar exatamente iguais ao outro lado. As pessoas que atravessamos passam a ser caminho e responsabilidade nossa. Não se pode conhecer e ver alguém e, no fim, ficar como sempre se esteve.

O que nos muda não são os lugares que arriscamos visitar e conhecer. Quem nos muda são os rostos, as caras e a pele de quem nos recebe, vê e acolhe. Dizem alguns que cresce muito quem viaja e deixa poisar os olhos em muitos lugares diferentes. É uma mentira engraçada, esta. Não são as viagens que nos fazem mudar. São, isso sim, as pessoas que se cruzam connosco do lado de lá do que o nosso dedo apontou no mapa. Não é um lugar, um país, um canto perdido do lado de lá do mundo que nos muda. O que nos muda é aquela pessoa que nunca nos viu e que se atreve a nadar naquele rio nosso (cá de dentro) que vai desaguar mesmo ao centro do coração.

Marta Arrais    09 agosto 2017  em iMissio
              

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