Francisco não deixou de lembrar este jovem militar na Exortação Cristo Vive. A sua iconografia é inconfundível. Aparece amarrado a um troco de árvore com o corpo ferido por setas. A forma de execução fez dele um tema recorrente de pintores, escritores, escultores, de expressões artísticas de vária ordem. Quase não há igreja ou capela que não tenha a sua imagem em arte popular ou mais sofisticada. Dá nome a pessoas, instituições, terras, cidades, aldeias, ruas... É invocado contra as doenças contagiosas, contra a fome e a guerra. É São Sebastião, um dos jovens mais celebrado. Três setas, uma em pala e duas em aspa, e as três atadas por um fio, constituem as suas armas ou insígnias. Vamos recordá-lo.
Uns dizem que nasceu no sul de França. Outros, em Milão, nos fins do século III, duma família nobre. O que é mais certo é que cresceu e foi educado em Milão, sendo uma pessoa que se impunha pela sua figura e qualidades. Respeitado por todos, foi também estimado pela nobreza. Seu pai era militar, ele quis seguir a carreira do pai. De Milão, desloca-se para Roma, onde grassavam as mais severas perseguições contra os cristãos. Alistado nas legiões do imperador, a sua agradável presença, coragem e dedicação logo se fizeram notar, acabando por ser nomeado comandante da guarda pessoal do imperador, a Guarda Pretoriana, cargo que só se dava a pessoas de gabarito e de total confiança. Se a sua dedicação à carreira militar merecia os maiores elogios dos seus companheiros e do próprio imperador, também a sua fé e a coerência de vida, sem subserviências, sem alardes nem falsidades, é digna de todos os aplausos e encómios. Como cidadão do Império romano, na destacada posição e missão que lhe estava confiada, foi grande na sua dedicação ao imperador e à pátria. Como cidadão do Reino de Deus, foi jovem cristão de gema e garra, sempre fiel aos seus princípios e defensor dos cidadãos desse Reino, terrivelmente perseguidos. Sempre que podia, lá partia, com alegria e coragem, a visitar e ajudar os cristãos encarcerados, os torturados, os mais fracos, os doentes, os necessitados, as vítimas do ódio. A todos consolava e animava a permanecerem fortes e firmes na fé, até ao martírio, em fidelidade a Cristo e ao seu Batismo.
De facto, desde que haja consciência do que significa ser cristão, o bem fazer e a santidade são possíveis em qualquer circunstância e situação, em qualquer trabalho ou cargo de autoridade, em qualquer idade e vocação, em qualquer compromisso humano desde que guiados por um coração sincero e convertido, sem medo nem cobardias. E a sociedade precisa destes testemunhos!...
Denunciado por um pide ou bufo do seu tempo, por um governador romano que não apreciava este seu jeito de ser e estar, veio a saborear o pão que o diabo amassou. Julgado sumariamente, foi acusado de traição. Forçado a renunciar ao cristianismo, permaneceu firme na fé apresentando os motivos que o animavam a seguir a fé cristã e a socorrer os perseguidos. Contestando o imperador, rogou-lhe que deixasse de perseguir os cristãos, garantindo-lhe que não eram subversivos, não faziam mal a ninguém, não eram seus inimigos nem inimigos do Estado, antes pelo contrário. O imperador, surdo no seu poder endeusado e de olhar vesgo por meros preconceitos, não dá o braço a torcer. Enraivecido com a firmeza e os argumentos de Sebastião, puxa pela sua importância de tirano, manda-o matar. Os soldados levaram-no, despiram-no, amarraram-no a um tronco de árvore, fizeram dele um alvo para o arremesso de flechas. Satisfeitos com obra tão miserável, abandonaram-no para que sangrasse até a morte. Ao cair da noite, uma senhora chamada Irene, com algumas amigas, foram recolher o corpo de Sebastião para o sepultarem. Espantadas no inesperado, constataram que o ‘morto’ estava vivo. Desamarraram-no, esconderam-no em casa de Irene, cuidaram-lhe das feridas. Já com algumas forças e a determinação de sempre, mas ainda não completamente restabelecido, Sebastião, no seu zelo pela Igreja perseguida, não teve paciência para esperar mais tempo. E eis que se apresenta, de novo e determinado, junto do imperador para defender os cristãos e para lhe condenar a sua forma impiedosa e injusta com que os tratava. Mesmo à distância, e fora desses apertos, bem poderemos nós imaginar o embate desse momento!...
O imperador, boquiaberto e incrédulo pelo que via, ouviu e engoliu a surpresa, mas voltou a reagir com os preconceitos e outras maleitas aliadas às fraquezas do poder. E, de novo, repete a dose, reforçada. Ordena que seja torturado e espancado até à morte. E, para impedir que o corpo fosse venerado pelos cristãos, manda que seja lançado ao esgoto público da cidade, o lugar mais imundo de Roma.
Faleceu a 20 de janeiro, pelo ano de 286, com cerca de trinta anos. Outros cristãos resgataram o seu corpo e sepultaram-no nas catacumbas, sob a Via Ápia. Mais tarde, no ano de 680, as suas relíquias foram solenemente transportados para uma Basílica em Roma.
A perseguição por causa da fé continua hoje a não dar tréguas. Mais de 300 milhões de fiéis sofrem a discriminação e a perseguição religiosa. Um em cada sete vive num país onde a perseguição é uma realidade diária. São expulsos, deslocados, discriminados, torturados e mortos por professarem a sua fé em Jesus Cristo. Se, porém, olharmos noutro sentido, constataremos também outra espécie de martírio, de testemunho, de santidade, quer nas situações limite quer nas rotinas diárias que a vida impõe no trabalho, na profissão, no estudo, na vizinhança, na convivência social, na coerência da vida com a fé, na honestidade em negócios e atividade, nas tarefas domésticas, nos pais que criam e educam os seus filhos com amor e responsabilidade, nos doentes e idosos que continuam a sorrir para a vida e a unir o seu sofrimento ao sofrimento de Cristo pela salvação do mundo, na autoridade que serve honestamente, que renuncia à corrupção e se empenha pelo bem comum....
Francisco recorda-nos que "nos momentos difíceis da história" é costume afirmar-se que "a pátria precisa de heróis”. Isso é verdade, diz ele. Mas acrescenta que a Igreja, hoje, também precisa de heróis, isto é, precisa de “testemunhas, de mártires". Precisa de testemunhas no quotidiano da vida sejam quais forem as circunstâncias existenciais de cada um!
D. Antonino Dias- Bispo Diocesano
Portalegre-Castelo Branco, 25-09-2020.
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